¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, julho 29, 2013
 
UM POUCO DE GUERRA


QUEM É O PAPA?

Um Deus inventado à socapa,
Um Deus para fazer o qual bastam apenas
Quatro coisas: cardeais, papel, tinteiro e penas.
Deita-se numa saca uma lista qualquer,
Qualquer nome, Gregório, ou Bórgia ou Lancenaire,
Ou Papavoine – e pronto! Em dois minutos, fica
Manipulado em Deus autêntico, obra rica,
Tonsurado, sagrado, infalível, divino...
Quer dizer, saiu Deus duma bolsa de quino!

É um Deus por concurso, um Deus feito de tretas,
Em cuja divindade ideal há favas pretas!
Apesar disso é Deus. Vai pousar-lhe no seio
O Espírito Santo, esse pombo-correio
Da Providência. É ele o redentor e o oráculo.

A humanidade vai adiante do seu báculo
Soluçando, ululando, exausta, ensanguentada,
Pavoroso tropel de sombras pela estrada
Do destino fatal. O pensamento humano
É simplesmente um cão sabujo e ultramontano,
Um cão vadio, um cão faminto, um cão impuro,
Que o papa recolheu de noite num monturo,
E a quem às vezes dá, com parcimónia bíblica
A pitança de um breve e o osso duma encíclica.

Um papa é isto, um juiz sem lei; omnipotente,
Czar das consciências. Pode irremissivelmente
Chamuscá-la em fogo, ou torrá-las em brasas.
Ou fazer-lhes nascer das costas um par de asas,
O globo é para ele a bola de um bilhar.

Domina os reis. O trono é o lacaio do Altar.
Seus templos são prisões e seus dogmas algemas
Cingem-lhe a fronte augusta e nobre três diademas
E, na potente mão, invencível chapéu.
Tem as chaves do inferno... e a gazua do céu.

Masella, o teatro é velho, a receita é pequena
E há mil anos que está a mesma farsa em cena.
Abaixo a farsa! Abaixo o pardieiro divino,
O céu, que já não tem mais sombras de inquilino,
Serafins, querubins, anjos, legião eterna
Dos eleitos, tudo isso andou, pôs-se na perna,
Deixando lá ficar, ó cáfila de ingratos!
O CADÁVER DE DEUS ROÍDO PELOS RATOS.

PARASITAS

No meio d'uma feira, uns poucos de palhaços
Andavam a mostrar em cima d'um jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.

Os magros histriões, hypocritas, devassos,
Exploravam assim a flor do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento.

E toda a gente deu esmola aos taes ciganos;
Deram esmola até mendigos quasi nus.
E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,
Eu lembrei−me de vós, funâmbulos da Cruz.
Que andaes pelo universo há mil e tantos annos
Exhibindo, explorando o corpo de Jesus.

CALEMBOUR

Ó Jesuitas, vós sois dum faro tão astuto,
Tendes tal corrupção e tal velhacaria,
Que é incrível até que o filho de Maria
Não seja inda velhaco e não seja corrupto,
Andando há tanto tempo em tão má companhia.

SEMANA SANTA
(fragmento)

E era aquella immundície humana a humanidade!
Tinha valido bem a pena na verdade
Pregado n'uma cruz morrer como um ladrão,
Para ao cabo de dois mil annos vir achar
Pilatos sob o throno e Caifaz sobre o altar
De diadema na fronte e báculo na mão!

Arrazou−se de pranto o olhar do Nazareno,
Aquelle olhar profundo, aquelle olhar sereno
Que outr'ora deu alávio a tantos corações,
E a linha virginal de seu perfil suave
Turbou−se, apresentando o aspecto mudo e grave
Das nobres afflições.

E marmóreo, espectral, com a fronte sombria
Banhada no suor sangrento da agonia
Foi deitar−se outra vez na leiva tumular,
Athleta que expirou tranzido de mil dôres
E quer dormir, dormir entre as hervas e as flores
Onde escorre piedosa a branca luz do luar.

E quando a christandade á volta do meio dia
Correu ao templo a ver o entremez da Alleluia,
Em logar d'um Jesus banal de ciclorama
Subindo ao firmamento,
D'olhos azues n'um céu d'anil, túnica ao vento,
Sobre nuvens de gloria, de algodão em rama,
Viu−se na tela um Christo em fúria, um visionário,
Truculento, febril, colérico, incendiário,
Como que um salteador fugido das galés,
Na bôca uma blasfemia e no olhar um archote,
Expulsando da egreja os christãos a chicote
E expulsando do altar o papa a pontapés!