¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

segunda-feira, junho 11, 2012
 
CADEIA URGENTE PARA
AS VOVÓS ASSASSINAS



Odete Prá chama-se a senhora de 86 anos que matou com três tiros, em Caxias do Sul (RS), no sábado passado, um vagabundo que invadiu seu apartamento para roubá-la. Quando li a notícia, logo pensei com meus botões: a vovó vai se incomodar. Não deu outra.

Leio no Terra que o delegado Joigler Paduano afirmou nesta segunda-feira que a mulher deve ser indiciada por homicídio doloso, isto é, quando há intenção de matar. "Ela vai responder pelo delito de homicídio, que, na verdade, foi o que aconteceu, em razão da morte do assaltante, independentemente de ele ter entrado na casa dela pra assaltar ou de ela ter reagido em legítima defesa", disse ele.

A vovó foi prudente. Não cometeu o erro clássico das mocinhas de cinema, que dão só um tiro no bandido sem certificar-se de que de fato o mataram. O bandido se recompõe e acaba fazendo a heroína passar por maus quartos de hora antes que o mocinho a salve. Dona Odete - se é que foi ela quem atirou - preferiu ter certeza de que havia eliminado a ameaça. Rematou seu feito com mais dois tiros.

O que foi muito oportuno. Se o ladrão sobrevivesse, talvez acabasse sendo processada pelo próprio, por tê-lo impedido em seu trabalho. Se alguém acha que exagero, em muito se engana.

Aconteceu em 2008, em Belo Horizonte. Um sórdido comerciante teve o desplante de impedir a legítima ação de um assaltante que assaltava sua padaria. Wanderson Rodrigues de Freitas, o assaltante, apresentou queixa-crime contra o comerciante na 2ª Vara Criminal do Fórum Lafayette, alegando que "a ninguém é dado o direito de fazer justiça com as próprias mãos".

Mas o juiz Jayme Silvestre Corrêa Camargo, que julgou o pedido, não militava nas hostes dos defensores dos tais de Direitos Humanos. Considerou uma "afronta ao Judiciário" a intenção do suposto criminoso em passar de autor para vítima. O suspeito alegou que foi "ofendido na sua integridade corporal" e por isso pediu à Justiça que o comerciante, Márcio Madureira Vieira, fosse enquadrado no artigo 129 do Código Penal. "Após longos anos no exercício da magistratura, talvez seja o caso de maior aberração postulatória. A pretensão do indivíduo, criminoso confesso nos termos da própria inicial, apresenta-se como um indubitável deboche", disse Camargo.

Pode soar como piada, mas nem tanto. Nestes dias em que só criminosos têm direito de andarem armados, em que a própria polícia recomenda à vítima submeter-se à vontade da bandidagem, a pretensão do cidadão Wanderson Rodrigues de Freitas não deixa de ser coerente. E isso não é de hoje. Há uns bons vinte anos, numa cidade do interior de São Paulo, uma senhora já avançada em idade teve sua cada invadida por um ladrão. Tinha um revólver em casa, atirou e... milagre, acertou o bandido. Quase foi linchada pelos defensores de bandidos. Não conseguiram colocar a velhota na cadeia. Mas conseguiram desarmá-la.

O juiz Camargo rejeitou a queixa-crime por considerar que o comerciante agiu em legítima defesa. Na decisão, alegou que não vislumbrou nenhum excesso por parte da vítima, que "teria apenas buscado garantir a integridade física de sua funcionária e, por desdobramento, seu próprio patrimônio". Nadando contra a corrente do direito contemporâneo, mandou o cidadão Wanderson Rodrigues de Freitas para a cadeia. Não acompanhei o desenrolar do caso. Como a decisão era de primeira instância, ele ainda podia recorrer a instâncias superiores. Não seria surpresa para mim se a sentença foi reformada pelos magnânimos juízes das supremas cortes nacionais.

Na época, um leitor comparou a atitude do ladrão que reivindica o direito de assaltar sem que sua vítima reaja com o que o MST vem fazendo há muito. A lembrança é pertinente. Com uma diferença: Wanderson advogava em causa própria. Causas próprias não são bem vistas nestes dias de direitos coletivos. Estivesse Wanderson integrado a uma quadrilha dos sem-terra, dificilmente um juiz falaria em indubitável deboche. O mais provável é que garantisse aos quadrilheiros a posse da propriedade roubada. Ai do proprietário que ousar reagir à invasão de suas terras.

Ou se fosse índio. Neste caso, poderia reivindicar até mesmo o direito de matar, em nome de antigas tradições tribais. O fato é que a pretensão do assaltante – de garantir seu direito a assaltar – não é insólita neste país em que a certas pessoas é permitido invadir terras, prédios, fechar estradas, roubar bancos, estuprar – remember Paiakan! – e até mesmo matar. A FUNAI, por exemplo, não considera crime a prática indígena de enterrar vivas crianças indesejadas.

Sem ir mais longe, o capitão-de-mato Tarso Genro, então ministro da Justiça, defendia na época o sagrado direito daqueles que um dia pegaram em armas contra o Estado, assaltaram bancos, seqüestraram diplomatas e assassinaram pessoas inocentes.

O erro de Wanderson foi não pertencer a uma tribo. Ou a um movimento social. Ou a um grupo terrorista. É também o caso da vovó de Caxias. Como não pertence a nenhum movimento social, terá não poucas incomodações no final da vida.

Mutatis mutandis, a história se repete na França. Suponho que o leitor ainda lembre de Mohamed Merah, o jovem que matou sete pessoas em Toulouse e Montauban, no sul da França, em março passado. Reivindicava seus massacres em nome da Al-Qaeda, mas assegurou que tinha atuado sozinho e que tinha em mente novos atentados, além dos cometidos entre os dias 11 e 19 de março. Cercado durante 32 horas por 300 ou mais policiais armados, Merah resistiu à bala à ordem de prisão. Foi morto pela polícia por resistência à prisão. Pois não é que o pai do inocente jovenzinho apresentou nesta segunda-feira uma denúncia em Paris pelo que considera o "assassinato" de seu filho? São uns assassinos esses policiais. Em vez de oferecerem flores ao terrorista, cercaram-no com fuzis. E atiraram, que horror!

Estamos vivendo a época da absolvição sumária dos criminosos, antes mesmo de qualquer julgamento. Bandido surpreendido em flagrante é sempre inocente, até prova em contrário. Mas que prova se pede contra um homem que confessou seus sete assassinatos e ainda promete outros?

Voltando a este nosso país incrível: os assaltados precisam ser urgentemente reeducados. Que história é essa de reagir à bala contra um pobre excluído que busca por meios não muito ortodoxos, é verdade, sua justa parte na repartição do bolo social. Por que não oferecer um cafezinho ao coitadinho e perguntar-lhe se aceita cheque ou prefere moeda sonante? Seria muito mais civilizado.

Precisamos acabar com essas vovós assassinas. Cadeia nelas.