¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, maio 27, 2012
 
O VALOR DO FACEBOOK E
A HUMANA INDIGÊNCIA



Em meados deste mês, li nos jornais que as ações do Facebook estrearam na Nasdaq, bolsa de valores de empresas de tecnologia em Nova York, operando em alta. Às 12h35 (horário de Brasília), da sexta-feira de 18 passado, apenas minutos após a abertura dos negócios, os papéis, negociados com o símbolo FB, subiam 12%, a US$ 43 – o valor previsto inicialmente era de US$ 38. Houve um atraso de pouco mais de 30 minutos para o início das vendas dos papéis. Logo após a abertura, a companhia já era avaliada em US$ 117,82 bilhões.

Já entendi muita coisa complicada no mundo. Por exemplo, o mistério da Santíssima Trindade. À primeira vista, a razão emperra: como pode um deus ser três em um só? Com um pouco de pesquisa, tudo se esclarece. Apesar de ter sido o primeiro imperador cristão, Constantino não levava muita fé na nova religião. Seus propósitos eram políticos: queria unificar o império, dividido pela crença em vários deuses. Agradou-lhe aquele novo deus que surgia, que não pertencia a nenhuma nação e ao mesmo tempo pretendia ser o deus de todas. Para ter um império grande, precisava de um deus grande. Maior que todos, de preferência. Apesar de ter assumido a nova seita como religião oficial, não assumiu a intolerância típica dos cristãos, que pretendiam que seu deus fosse o único.

Segundo os historiadores, Constantino, além de construir basílicas cristãs, mandou erigir templos pagãos. Além de escutar os augúrios do clero cristão, escutou os dos áuspices e hierofantes, presidiu o concílio de Nicéia e venerou a estátua da deusa Fortuna. É por pressão sua que se cria nessa época o dogma da Santíssima Trindade. Ao ver que o cristianismo estava resvalando rumo ao politeísmo, com a história do Pai, Filho e Espírito Santo, o imperador manipulou as discordâncias teológicas existentes entre Arius (Cristo é um ser criado) e Atanásio (Cristo é igual e eterno como seu Pai) e coagiu os bispos do império a assumir a doutrina de Atanásio. “Adoramos um só Deus em Trindade… O Pai é Deus, o Filho é Deus, e o Espírito Santo é Deus; e contudo eles não são três deuses, mas um só Deus”. O que deve ter dado origem, séculos depois, àquele aparelho de som da Gradiente, o três-em-um.

Constantino quis proteger seu nascente império do politeísmo que voltava à galope pela janela. O Pai e o Filho também entendo. O Pai, porque era o deus dos judeus. E o Filho, porque afinal não seria o Pai quem roubaria ods judeus o livro antigo. Sem o Filho, não se criaria uma nova seita. Confesso que até hoje não entendi o que faz o Espírito Santo na Trindade. Como tampouco o fato de que o Facebook valha US$ 117,82 bilhões. Como pode valer tudo isso aquela pagininha onde posto estas crônicas e eventualmente converso com amigos?

O valor do Facebook – me informam amigos mais atilados – está no volume imenso de informações que reúne sobre seus membros. Assim sendo, a publicidade pode ser dirigida a segmentos específicos, que tendem a interessar-se pelos produtos anunciados.

Que publicidade? – me pergunto. Nunca vi publicidade no Facebook. Perplexos, meus informantes sugerem que eu dê uma olhadela na coluna à direita da página. Foi o que fiz. Para minha surpresa, lá estavam os anúncios.

Sou totalmente refratário ao mundo da publicidade. Abomino toda e qualquer propaganda. Tenho um olhar seletivo. Um jornal pode anunciar um produto qualquer em página inteira e eu não o enxergo. Aconteceu há alguns anos. Eu lia um jornal em um café e fui abordado por uma marqueteira. Queria saber se eu havia visto algum anúncio das casas Bahia. Respondi que não. Ela pegou o jornal e mostrou-me. Havia seis anúncios das tais de casas, de página inteira e de meia página. Eu não havia visto nenhum.

Publicidade para mim é preto – disse certa vez a uma amiga em um bar. Ela olhou preocupada para os lados, para ver se não havia nenhum negro por perto. Mas não era a negros que me referia. E sim a uma antiga prática de jornalismo. Após fechar o jornal, editores e redatores descem à gráfica para ver as primeiras provas no papel, questão de corrigir em última hora algum errinho que tenha passado. Nestas provas, só está o texto jornalístico. O espaço reservado à publicidade está em negro. É assim que vejo a publicidade ao ler algo, um quadrado preto frente a meus olhos.

Se disser que jamais comprei algo em função da publicidade, acho que não estou afirmando uma inverdade. Tenho, obviamente, eletrodomésticos em casa. Mas porque necessários. Diga-se de passagem, a maior parte deles são herança da Baixinha. Se preciso comprar algum, eu o compro em função do tamanho que me serve, da conveniência de preço, eventualmente da cor. Se alguém me perguntar qual a marca de qualquer apetrecho que tenho na cozinha, vou ter de ir lá e conferir.

Não tenho idéia do que seja grife. Certa vez, precisei comprar uma mala em Barcelona. Vi uma que me pareceu prática, robusta e bonita e a levei. Viajava com duas amigas e por elas soube que comprara uma grife famosa. Se comprei, foi por acaso. Até hoje não lembro qual seja. Confesso não entender como funciona este universo. Vejo vedetes do mundo da mídia recebendo milhões para uma anunciar uma cerveja ou refrigerante. Ora, eu jamais beberia algo porque uma vedetinha anuncia. Se bebo, é porque provei e gosto. É preciso ser muito bruto para consumir algo só porque o Pelé ou a Xuxa anunciam esse algo. A publicidade – só posso concluir – depende fundamentalmente da existência de seres irracionais neste mundinho.

Volto ao Facebook. Ao descobrir – ó milagre! – que havia propaganda no lado direito da página, passei a lê-la, questão de curiosidade. Pelo jeito, o Zuckerberg não reuniu suficientes informações a meu respeito. Nada do que me oferece me interessa. Me sugere viagens. Mas para mim não adianta sugerir viagens, sou eu que decido viajar, como viajar e para onde viajar. Me oferece gadgets eletrônicos. Merci de tout, o que tenho em casa já me basta. Até que ando vagamente tentado por um desses objetos de desejo, os smartphones, mas até agora não consegui descobrir para que me serviriam.

Carros? Não me interessam. Nenhum de meus ancestrais teve carro, e não pretendo romper com a tradição. Cursos? Não tenho mais idade para cursos e adoro o autodidatismo. Isso sem falar que estou sempre cursando alguma disciplina, entre minhas quatro paredes. Disfunção erétil? Quando chegar a hora, procuro um médico. Planos de saúde? Se nesta altura da vida não tivesse um, talvez não estivesse escrevendo aqui.

Jamais comprei algo em função da publicidade e não seria agora que compraria em função do Facebook. Nos bilhões que vale o Facebook na bolsa não há um centavo sequer de meu bolso. A fortuna de Zuckerberg, a meu ver, depende da humana indigência.