¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, dezembro 30, 2011
 
PSICANÁLISE E AUTO-AJUDA


Neste final de ano, aceitando os conselhos de dona Dilma para o bem-estar da nação, me entreguei a um consumismo desvairado: comprei duas camisas e um par de calças. É minha primeira contribuição do ano ao capitalismo pregado pela presidente comunista. Como ainda não renegou publicamente suas crenças da época de guerrilheira, só posso presumir que continue sendo marxista.

Mês passado, eu comentava entrevista de um psicanalista que condenava o capitalismo. "O capitalismo trivializou a paixão – dizia Adam Phillips -, fez com que as pessoas se desiludissem em relação ao amor. Isso leva a pensar que as relações sexuais são algo que se compra no mercado só para levar a vida adiante. O capitalismo tenta dissuadir a criação de vínculos reais. E valoriza demais o prazer. E, para a psicanálise, o prazer é sempre um problema. Qualquer pessoa que te venda um prazer fácil está mentindo. Se o que queremos é prazer profundo, com troca entre pessoas, ele será difícil, cheio de conflitos".

Desconfio dessa gente que condena o capitalismo. No fundo, estão afirmando que na outra sociedade – a socialista – as coisas seriam diferentes. A deduzir-se de suas palavras, o amor só existe no mundo socialista. Como se no mundo socialista não houvesse sexo pago. O capitalismo tenta dissuadir a criação de vínculos reais? Mas que vínculos reais existiam no mundo socialista, que priorizava os vínculos com essa entidade abstrata, o Estado? O capitalismo valoriza demais o prazer? Ora, quem não valoriza o prazer? E, afinal, que há de mal em valorizar o prazer? Se para a psicanálise o prazer é um problema, este problema é dos psicanalistas.

Pelo jeito, os psicanalistas estão se enamorando pelo marxismo. Pois dos ideais do marxismo não sobra nada. Só restou a condenação do capitalismo. Mais precisamente, dos Estados Unidos. Após o desmoronamento da União Soviética, marxismo se reduziu a um antiamericanismo histérico. Não por acaso, Hugo Chavez acaba de responsabilizar o "império" pelo surto de câncer em presidentes americanos. Que Chavez diga isto, não surpreende. Sempre foi um palhaço. O que surpreende é que os Estados Unidos o levem a sério, a ponto de respondê-lo.

Na Folha de São Paulo, leio mais uma prova cabal disto.

Samanta Obadia, psicanalista, afirma que “a sociedade capitalista consumista lança, a cada minuto, uma novidade. São novas formas de perder peso, de enriquecer, de educar os filhos, de se relacionar com o cônjuge, de entender o chefe, de ser feliz”.

Ora, falar em sociedade capitalista consumista é um truísmo. Algo como falar de sociedade gastronômica dos amantes da bona-xira. Qual sociedade capitalista não é consumista? O consumo é a base de todo capitalismo. E ambição de todos que vivem fora desta sociedade. É possível, que entre bugres isolados da civilização, haja indivíduos imunes ao consumo. É porque o desconhecem. Índio, mal se civiliza, quer todo o conforto aos quais os brancos têm acesso.

- A invasão desmedida de objetos novos extrapolou a nossa capacidade de consumo – diz a psicanalista –. Não digo apenas a potência financeira, mas o dinamismo inteiro que esse produz. Sabemos que é preciso adquirir o produto e usufruí-lo. Contudo, tendo como objetivo único o lucro, as novidades se sobrepõem, enlouquecendo os consumidores, que sempre estão em atraso.

Ora, eu vivo neste mundo de publicidade desmedida e jamais enlouqueci. Fora os objetos necessários à subsistência, tenho televisor e computador em casa. E mais um celular, que praticamente não uso. Tenho folga econômica para comprar todas as tralhas que a tal de sociedade de consumo oferece. Não compro nenhuma. Não me fazem falta.

- Mudam os celulares, os programas de computadores, os métodos de ensino, os cortes de cabelo, os amores, os pacotes de biscoitos diz a moça –. E a velocidade dessa mudança é tão grande que não damos conta do que tempo que nos leva. O que importa é consumir ou, pelo menos, acompanhar o que está sendo consumido.

Que mudem os celulares. Só tenho um, idoso de muitos anos. Quanto a métodos de ensino, só conheço um, a leitura. Cortes de cabelo pouco me interessam, já são poucos os que tenho. Mas tampouco me interessavam, quando os tinha hirsutos. No que diz respeito a amores, não os troco. Me agrada preservá-los. Quanto a pacotes de biscoitos, não sei o que sejam.

Usando um plural majestático, continua a psicanalista:

- Nesta louca vida nos consumimos, nos enganamos e nos perdemos. Mascaramos-nos numa realidade diversa e alheia ao que se passa em nosso interior, em nossa alma, evitando a passagem do tempo físico, consumindo nosso tempo emocional.

Deve estar falando de si mesmo. No que a mim diz respeito, não me consumo, não me engano, não me perco, não me mascaro, nem procuro evitar a passagem do tempo físico. E conheço não poucas pessoas que não participam deste modo de ver o mundo.

A moça insiste:

- Perdemo-nos tanto em observar as novidades, em buscar a juventude eterna, que esquecemo-nos de viver o presente, de curtir o que temos em mão, de descobrir o novo no que já é em nós ou conosco.

Bom, novidades não me interessam muito. Me preocupo mais com o passado. Juventude eterna sei que não existe e jamais esqueci de viver o presente. Estou cansado dessa gente que culpa o consumo por sua miséria espiritual. Ora, ninguém está obrigado a consumir. Consome porque quer.

Psicanálise não passa desse gênero literário vil, a auto-ajuda.