¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, agosto 28, 2011
 
MEU ESPANTO ANTE O
ESPANTO DOS JORNAIS



Leio nos jornais que metade das crianças brasileiras que concluíram o 3.º ano (antiga 2.ª série) do ensino fundamental em escolas públicas e privadas não aprendeu os conteúdos esperados para esse nível de ensino. Cerca de 44% dos alunos não têm os conhecimentos necessários em leitura; 46,6%, em escrita; e 57%, em matemática.

Isso significa que, aos 8 anos, elas não entendem para que serve a pontuação ou o humor expresso em um texto; não sabem ler horas e minutos em um relógio digital ou calcular operações envolvendo intervalos de tempo; não identificam um polígono nem reconhecem centímetros como medida de comprimento.

Os resultados descritos são da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização). O exame é uma nova avaliação nacional, organizada pelo Todos Pela Educação, Instituto Paulo Montenegro/Ibope, Fundação Cesgranrio e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). É a primeira vez que são divulgados dados do nível de alfabetização das crianças ao final do ciclo.

Oh! Estes senhores ainda vão acabar descobrindo a América. Há mais de trinta anos, eu manifestava meu espanto ante uma funcionária dos correios, que precisava de uma máquina de calcular para saber quanto era 20 + 11. Outro dia, aqui em São Paulo, fui a meu fornecedor de vinhos para devolver um abridor de garrafas que não funcionava. Havia custado 133 reais. Troquei-o por um de 101 reais. Que também acabou não funcionando, mas isto é o de menos. O que importa é que a caixa pôs no computador: 133 menos 101 igual - ó milagre! - a 32.

Se alguém acha que crianças não conhecem matemática básica, é porque nada conhece do mundo que nos cerca. Adultos não sabem matemática. Pergunte hoje a um universitário quanto dá 9 x 8. Ou 7 x 6. Dificilmente ele saberá responder. Em meus dias de universidade em Santa Catarina, anos 80, eu costumava levar minhas aluninhas aos bares. Elas ficavam pasmas ao ver como eu sabia calcular o troco.

Coisas das novas pedagogias, teorias dos conjuntos e outros babados. Em meus dias de colégio, na zona rural de Dom Pedrito, havia uma pedagogia muito eficaz. Ou decora a tabuada ou é vara de marmelo. Aprendi até mesmo a extrair a raiz quadrada e a raiz cúbica – que, confesso, até hoje não entendi muito bem para que servem - mas aprendi.

Meu professor de matemática no ginásio era um padre alemão, geninho em cálculos. Pedíamos a raiz quadrada de um número de dez algarismos. Ele fechava os olhos e começava a decompor. Em menos de um minuto, nos dava o número exato. Duvido que nestes nossos dias um professor consiga fazer isso. Suponho, aliás, que aluno algum tenha hoje noção de raiz quadrada. Imaginem da cúbica.

O ensino, tanto o colegial como o universitário, desde há muito vem se deteriorando. Em meus dias de UFSC, tive alunas de Letras, em fase final de curso, que não dominavam sequer o vernáculo. Reprovei-as todas, para espanto do colegiado, já que hoje não é pedagógico reprovar. Certa vez, uma negrinha a quem conferi um solene zero ergueu-se aos prantos:

- Racismo, professor, racismo!
- Vem cá, minha filha.
- Não vou.
- Vem, quero te mostrar uma coisa.

Ela acabou vindo. Mostrei-lhe então que havia contemplado com zero nada menos que treze brancas. Se por acaso coincidisse que ela fosse a única analfabeta da turma, eu estaria ferrado. As arianas me salvaram.

Olhando para trás, para os anos 50 e 60 – e lá já vai meio século – diria que tive uma educação de príncipe. Há alguns anos, remexendo antigos baús de minha mãe, encontrei um mural do ginásio Nossa Senhora do Patrocínio, que redigi de próprio punho. Claro que não escrevia como escrevo hoje, mas não havia um único erro de gramática. Naqueles dias, os professores não perdoavam uma vírgula. Saudades do professor Hugo Brenner de Macedo. Certa vez, descontou dois pontos na prova de um aluno, que havia escrito xeografia em vez de geografia.

Naquele ginásio de Dom Pedrito – cidadezinha perdida lá no fim do mundo, na época com 13 mil habitantes – estudei quatro anos de latim, mais quatro de francês e quatro de inglês. O espanhol, aprendi por osmose lá na Fronteira. Sem jamais tê-lo estudado, traduzi uns quinze livros do espanhol. Com o francês daqueles dias, consegui bolsa em Paris e defendi minha tese. Com o inglês do Patrocínio, fui escolhido como redator da Folha de São Paulo.

Na Universidade Federal de Santa Catarina, encontrei meninas em final de curso que grafavam “eu poço”. Professor algum as reprovava. Eu as reprovei. A crise surgiu quando reprovei a sobrinha de um deputado. Nossa! Veio o departamento todo em cima de mim, mais o grêmio de alunos e inclusive a reitoria. Havia uma conspiração toda para aprovar uma analfabeta, só porque era sobrinha de um deputado. Mais tarde, só bem mais tarde, fui saber que já haviam sido emitidos trezentos convites para sua festa de formatura. Seria a festa do ano em Florianópolis. Não foi.

Naquele dia, eu tinha vôo marcado para Paris e arrisquei perder a viagem na reunião de departamento. Perco dois mil dólares, decidi, mas esta moça eu não aprovo. Meu vôo era às duas da tarde e tive sorte. As professoras, quase todas mães, tinham de pegar seus filhos no colégio ao meio-dia, e a reunião não foi muito longe.

Enfim, divago. O fato é que o ensino, nas últimas décadas, sofreu uma brutal deterioração em todos os níveis. Espanta ler que os jornais se espantem porque crianças não saibam mais as operações básicas.

Hoje, nem adultos as sabem.