¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, janeiro 21, 2011
 
GATOS PINGADOS QUEREM
PRESERVAR CINEMA FALIDO



Pertenço a uma geração aficionada pelo cinema. Em meus dias de universidade, havia um intenso movimento cinematográfico em Porto Alegre. O Clube de Cinema, tocado pelo Paulo Fontoura Gastal, nos trazia filmes que normalmente não chegavam às demais cidades do país. Na meia-noite das sextas-feiras, havia sempre uma pré-estréia de um bom filme. Sessão obrigatória para intelectuais, universitários e demais cinéfilos. Sábados e domingos eram preenchidos pela discussão do filme. Não se tratava, é claro, dos Harry Potters e Avatares da vida. Mas do que então se chamava cinema de autor. Os atores eram secundários. O que importava era se o diretor era o Fellini, o Kurosawa, Peckinpah, Monicelli, Godard, Antonioni, Bergman.

Tão aficionado fui pela coisa, que rumei à Suécia. Por várias razões, é verdade, mas uma delas era estudar cinema. Comecei o curso na Stockholms Universitet. Abandonei-o quando descobri que era meramente teórico, e de lá sairia sem sequer saber como abrir uma lata de negativos. Mas não consegui desligar-me da sétima e última das artes, como dizíamos então. Em meus dias de correspondente em Paris, fiz a cobertura de dois festivais de Berlim, três de Cannes e um outro de Cartago, na Tunísia. Estava até pensando no festival de Teerã, quando Khomeiny entrou lá a ferro e fogo, condenando tanto o cinema e a música como perversões ocidentais.

Hoje, já não curto tanto cinema. É que não se fazem mais Fellinis ou Kurosawas como antes. Nem mesmo Godards ou Antonionis, se bem que estes eu dispenso. Os três grandes filmes que vi nos últimos anos foi A Festa de Babete, de Gabriel Axel, Adeus, Lênin, de Wolfgang Becker e Slogans, de Gjergj Xhuvani. E o resto é silêncio.

Assim sendo, longe de mim apoiar o fechamento de um cinema. Me refiro ao Belas Artes, daqui de São Paulo, que se caracteriza pela exibição de filmes de arte e está por fechar as portas nos próximos meses. Devia fechar no final deste janeiro, mas obteve um sursis de mais três, enquanto se decide – ou não – por seu tombamento. Já comentei o caso, em maio do ano passado. A sala era subsidiada pelo HSBC e perdeu o patrocínio. No que eu já via algo que cheirava mal. Não vejo porque um cinema, atividade comercial, deva ser financiado por um banco. Mesmo que exiba filmes de arte.

Na época, o proprietário do cinema negociou com um grupo de restaurantes para obter receita e manter as atividades. "A idéia seria o cliente acrescentar um valor na conta, que iria para um fundo de ajuda ao espaço", dizia André Sturm, sócio da sala. A iniciativa partiu de 14 restaurantes, entre outros, Le Casserole, Arabia e Ici Bistrô.

O que me pareceu um desaforo. Não assisto cinema nacional há mais de trinta anos. Uma de minhas razões – não a mais importante – é que o cinema nacional é financiado pelo contribuinte. Ora, se já paguei pela produção, não me disponho a pagar para assisti-la. Só se vierem me buscar em casa de limusine e mesmo assim não sei se iria. Não bastasse o contribuinte pagar a produção de um filme, tem agora de pagar sua exibição. A idéia me pareceu revoltante e me prometi deixar de freqüentar restaurante que me cobrasse tal esmola. Pelo jeito, o projeto não foi adiante.

Não é que um cinema de arte esteja morrendo. Os cinemas de rua estão morrendo no Brasil todo. Em meus dias de adolescência, minha cidadezinha tinha três cinemas. Hoje não tem nenhum. Santa Maria, quando vivi por lá, tinha quatro ou cinco cinemas. Apesar de ser uma cidade universitária com 250 mil habitantes, chegou a não ter nenhum. Hoje tem três, de shopping. Porto Alegre, nos anos 60, tinha mais de sessenta cinemas. Hoje tem treze, a maioria em shoppings. Acontece que cinemas de shopping não exibem filme que preste. Só blockbusters ao gosto dos freqüentadores de shoppings.

Hoje existem as telas de 40 ou mais polegadas. Numa cidade como São Paulo, é desconfortável ir ao cinema. Se você vai de carro, terá de enfrentar o trânsito e marchar com estacionamento ou flanelinhas. Sem falar no risco de ser assaltado, se sair tarde do cinema. Metrô? Há um próximo ao Belas Artes. Mas e na outra ponta? Melhor ir na locadora e apanhar um DVD. É a organização das cidades que está matando as salas de exibição. Nem salas de filmes pornô resistem. A maioria delas virou templo evangélico. Onde antes se cultuava Onan, hoje se adora Jeová. O dinheiro que financiava o pecado, hoje engorda as burras dos pastores.

O Belas Artes voltou à baila nestes dias, quando seu fechamento era iminente. Alguns gatos pingados querem que o cinema, já falido, continue de portas abertas. O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) concedeu mais três meses de vida à sala, enquanto analisa seu tombamento. Mas vão tombar o quê? O prédio não tem valor histórico nenhum. Vão tombar então uma linha de programação? Isto é muito vago. Quando seu atual administrador morrer ou desistir do negócio, como se fará para manter a linha tombada? Concurso público? Ou ninguém pensou ainda em transferir o projeto do Belas Artes para outro endereço?

Se não há público para um cinema de arte em uma metrópole como São Paulo, então não há no país todo. Atividade comercial que depende do Estado é coisa do socialismo. Ora, o socialismo – se é que estou bem informado – já morreu. Tenho ouvido não poucas bobagens sobre o fim do Belas Artes. Transcrevo abaixo um dos poucos artigos sensatos sobre o assunto, que recebi de mãos amigas.