¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, março 31, 2010
 
MÉTODO PRÁTICO PARA
RECEBER MENSAGENS
DO ALÉM-TÚMULO



Leitor me lembra que a entidade preferida de Chico Xavier era um senador romano que falava português ao invés de latim. E me pergunta: será que há algum cursinho de idiomas no Além?

Pelo jeito tem, e muitos. Chico Xavier recebia o espírito Emmanuel. Que antes de ter encarnado no cônsul Públio Lentulus Cornelius - conspirador e amigo e amigo de Sulla e Cícero, condenado à morte em 63 a.C. – encarnou em Simas, grão-sacerdote do templo de Amon-Rá, em Tebas. Segundo a milenar biografia de Emmanuel que consulto, Lentulus teria desencarnado em Pompéia, em 79, vítima das cinzas do Vesúvio, cego e já voltado aos princípios de Jesus.

Emmanuel renasceu em Éfeso, em 131, como o escravo Nestório. Em Chipre foi Basílio, romano filho de escravos gregos, que viveu como liberto em 233. Entre seus renascimentos, acabou encarnando inclusive no padre Manuel da Nóbrega, quando deve ter aprendido português. No início do século XXI – ó decadência! – teria reencarnado em uma cidadezinha no interior de São Paulo. Da glória do Egito e Roma imperiais ao universo caiçara brasileiro.

As escolas de línguas do Além, ao que tudo indica, são antiqüíssimas, inclusive anteriores à Era Cristã. Em um romance de Chico Xavier, Há dois mil anos, publicado em 1939, o patrício romano tem a oportunidade de se encontrar pessoalmente com Jesus, mas entre a opção de ser servo de Jesus ou servo do mundo, escolhe a segunda. O romance do médium tem significativas coincidências com A Vida de Jesus, de Ernest Renan, publicado em 1863 e traduzido ao português pela Lello & Irmão Editores, de Porto. Uma alma generosa teve a lembrança de colocá-las na rede. Les voilà:

Xavier:

Nuvens de aves cariciosas cobriam, em bandos compactos, aquelas águas feitas de um prodigioso azul celeste, hoje encarceradas entre rochedos adustos e ardentes.

Renan:

Revoadas de aves aquáticas cobrem o lago. As águas, de um azul-celeste, profundamente encravadas entre rochedos abrasantes, parecem, quando se olha para elas do alto da montanha de Safed, estar no fundo de uma taça de ouro.

Xavier:

Ao norte, as eminências nevosas do Hermon figuravam-se em linhas alegres e brancas, divisando-se ao ocidente as alevantadas planícies da Gaulanítida e da Pereia, envolvidas de sol, formando, juntas, um grande socalco que se alonga de Cesareia de Filipe para o sul.

Renan:

Ao norte, os barrancos cobertos de neve do Hermon se recortam em linhas brancas no céu; a oeste, os planaltos ondulados da Gaulonítida e da Peréia, absolutamente áridos e envolvidos pelo sol numa espécie de atmosfera aveludada, formam uma montanha compacta, ou, melhor dizendo, um longo terraço bem elevado que, desde Cesaréia de Filipe, corre indefinidamente para o sul.

Xavier:

Uma vegetação maravilhosa e única, operando a emanação incessante do ar mais puro, temperava o calor da região, onde o lago se localiza, muito abaixo do nível do Mediterrâneo.

Renan:

O calor nas margens é agora muito pesado. O lago ocupa uma depressão de 189 metros abaixo do nível do Mediterrâneo e participa, assim, das condições tórridas do mar Morto. Antigamente, uma vegetação abundante temperava esse calor excessivo; dificilmente se compreendia que uma fornalha como a que é hoje toda a bacia do lago, a partir do mês de maio, tenha sido o palco de uma atividade tão prodigiosa. Josefo, aliás, acha a região bastante temperada.

Eis o médium. Ou seja, receber mensagens do Além não é tão complicado. Basta ter em mãos uma tradução de um clássico. Se há cursos de língua no Além, Chico Xavier não parece ter tido a oportunidade de freqüentá-los. Foi preciso esperar a tradução de Renan ao português.

Outro aspecto que sempre me intrigou é que médiuns nunca psicografam obras em idiomas estrangeiros. Se o Emmanuel era poliglota, o Chico era tão monoglota quanto o Lula. Por que um espírito – ainda mais um espírito que reencarnou em tantas geografias – não transmite obras nas línguas dos países por onde vagou?

Mistério, profundo mistério.

terça-feira, março 30, 2010
 
RICOS TRABALHAM MAIS.
CORRUPTOS MAIS AINDA



Vige em nossos dias uma idéia de que os pobres trabalham mais do que os ricos. Deve ser herança dos dias de Marx, em que mineiros trabalhavam até 16 horas por dia debaixo da terra. Hoje, um operário trabalha oito horas. Cumprida sua jornada, volta para casa. O patrão fica gramando em seu escritório, tratando de aumentar – ou pelo menos conservar – seu patrimônio. Que o digam os autônomos, que não têm patrão. Toda hora é hora de trabalho.

Boa amiga me manda de Estocolmo pesquisa publicada no Aftonbladet pelo Svenskt Näringsliv, organização trabalhista que representa empresas, que analisa a divisão entre diferentes faixas de renda na Suécia e no resto do mundo. Contra uma concepção corrente, ficou demonstrado que os detentores de grandes salários, os proprietários de empresas e chefes trabalham consideravelmente mais horas por dia e têm menos tempo livre que os que recebem menores salários. Os chefes de departamento trabalham cerca de 20% a mais que seus subordinados. Os empresários trabalham ainda mais: tantas horas quanto um funcionário em tempo integral que jamais tira férias.

Segundo a pesquisa do Svenskt Näringsliv, um quarto dos que têm mais altos salários entre os suecos, na idade entre 20 e 74 anos, trabalha mais do que um quarto dos que recebem menos. Ao mesmo tempo, o quarto de menores salários tem significativamente mais tempo, mesmo levando em consideração o tempo para estudos, trabalho em casa e viagens.

Que a vida do rico é mais dura que a do pobre, no que diz respeito a trabalho, sobre isto não há dúvida alguma. Não por acaso, o rico é rico e o pobre é pobre. Sim, há os ricos por herança, aqueles que não precisaram trabalhar para acumular. Mas mesmo estes, se se descuidam, voltam à condição de pobres. Metendo minha esquiva colher neste distante caldo, ofereço uma brasílica contribuição ao estudo.

Faltou analisar uma condição das mais particulares. Sendo o Brasil rico nesta mostragem, penso que podemos oferecer uma achega à pesquisa sueca. Mais dura que a dos ricos, é a vida dos corruptos. Além de trabalhar arduamente para pôr a mão no alheio, têm depois de defendê-lo com unhas, dentes e advogados. Que o digam José Sarney, Fernando Sarney, Edemar Cid Pereira, Zé Dirceu, Delúbio Soares, Arruda, Maluf et caterva. Basta um vacilo e lá vão pelo ralo 100 milhões de dólares aqui, 20 milhões ali, 13 milhões acolá. Dormientibus non sucurrit jus. Imagine o leitor as noites sem sono desta operosa gente.

Constituir patrimônio é o de menos. O problema é ter de defendê-lo da fúria do Fisco e dos tribunais. Haja horas de trabalho com advogados, recursos, arabescos colaterais, para preservar a grana a duras corrupções amealhada, em Nova York, Uruguai, ilha Jersey, Suíça, China, Lichteinsten, Andorra, Bermudas, Cayman e demais paraísos fiscais da vida.

O operário que ganha seus modestos trocados pode dormir em paz, está livre de tais atribulações. Ser corrupto já é bem mais complicado. Exige competência, audácia, agilidade, horas extras de trabalho.

Não é ofício para quem gosta de vida mansa.

segunda-feira, março 29, 2010
 
CINEASTA CRIA SANTO


Aconteceu um mês após a morte de minha mulher. Estava reunido com amigos comuns, quando uma moça me noticiou:
- Falei ontem com a Tania.
Era uma espírita. E o que ela disse? – perguntei.
- Ela disse: seja feliz!
Me soou estranho aquele seja. Minha mulher era gaúcha e jamais falaria assim. Mas quem sou eu para duvidar? Se a moça disse que falou com ela, é porque havia falado. Perguntei se não podia falar de novo.
- Posso.
- Então tá. Por favor, pede pra ela o código do celular, que ela esqueceu de me passar antes de morrer.
A moça desconversou, emudeceu de repente e dentro de uns dez minutos pegou o filho e saiu da sala, sem se despedir de ninguém. Seja feliz é fácil. Código do celular é mais complicado.

Depois do fracasso de Lula, o filho do Brasil, que tenta vender como herói o personagem-título, será lançado na próxima sexta-feira Chico Xavier, filme de Daniel Filho. “Um santo, mas também era um homem", no dizer do diretor. O Brasil vive em eterna carência de heróis e santos. Se o herói não colou, tenta-se o santo. Daniel Filho espera um milhão e meio de espectadores.

Chico Xavier, o médium mineiro, é um seguidor de Hippolyte Léon Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec (1804 – 1869), que misturou evangelhos com a teoria do magnetismo animal do austríaco Franz Anton Mesmer, com mais algumas pitadas de budismo, no caso, a reencarnação. Mesmer era médico, estudava teologia e instituiu como terapia a picaretagem da imposição das mãos. Criação nada original, afinal já está nos Evangelhos. (Se voltarmos um pouco atrás, encontraremos a prática no Egito, no templo da deusa Isis, onde multidões buscavam o alívio dos sofrimentos junto aos sacerdotes, que lhes aplicavam a imposição das mãos). Curiosamente, Kardec, que é francês e está sepultado no Père Lachaise, em Paris, é praticamente desconhecido em seu país. Sua tumba está sempre cheia de flores, colocadas geralmente por brasileiros. Pergunte a um francês médio quem é Kardec. Ele não saberá responder.

Na França, a nova religião não vingou. Exportada para o Terceiro Mundo, adaptou-se muito bem no Brasil – maior nação espírita do mundo – e nas Filipinas. Havia no país uma certa elite que queria desvincular-se do catolicismo de Roma, mas não queria associar-se às religiões animistas africanas. A ficção criada por Kardec, cidadão francês, mais as teorias supostamente científicas do austríaco Mesmer, vinham a calhar. Assim se implanta no Brasil a nova crença.

Entre nós, o espiritismo fundiu-se à umbanda, em um estranho caldo que mistura crenças animistas com uma doutrina de origem francesa, salpicada por teorias de um médico austríaco. Já falei da origem desta fusão, que merece ser relembrada.

Segundo J. Alves Oliveira, em Umbanda Cristã e Brasileira, no dia 15 de novembro de 1908, o Caboclo das Sete Encruzilhadas se manifestou numa sessão espírita kardecista em Neves, São Gonçalo, município fluminense próximo ao Rio, então capital federal.

“Foi um escândalo" – escreve Matinas Suzuki, na Folha de São Paulo -. “Embora haja indícios de incorporações de espíritos de índios e de escravos negros nas diversas formas de macumba que existiam no Rio de Janeiro do século 19, os kardecistas não os admitiam por considerá-los espíritos marginais e pouco evoluídos. Quem recebeu o caboclo indesejado, e logo em seguida o preto-velho Pai Antônio, foi Zélio Fernandino de Moraes, um rapaz de 17 anos que se preparava para entrar para a Escola Naval”.

O achado do Zélio Fernandino parece ter vindo de encontro a alguma inconsciente aspiração brasílica e fez escola. Assim como os católicos se apossaram do livro judaico, os umbandistas reivindicaram para si o mediunismo, trouvaille de Allan Kardec. Segundo Alves Oliveira, o caboclo teria assim se revelado: "Se julgam atrasados esses espíritos dos pretos e dos índios [caboclos], devo dizer que amanhã estarei em casa deste aparelho [o médium Zélio de Moraes] para dar início a um culto em que esses pretos e esses índios poderão dar a sua mensagem e, assim, cumprir a missão que o plano espiritual lhes confiou".

O espiritismo então abrasileirou-se, para desalento de seus mentores europeus. E gerou este misto de escroque e místico, Chico Xavier, que agora será vendido como santo nas telas do país.

domingo, março 28, 2010
 
QUEM GRITA É A IMPRENSA


Em artigo no Estadão, Eugenio Bucci afirma: “Antes de prosseguirmos, faço um esclarecimento. O leitor há de ter notado que venho usando a palavra denúncia sempre entre aspas. Explico-me. O termo "denúncia", que a pesquisa adotou sem maiores reservas, é impreciso e pode apequenar o papel da imprensa. Denúncia quer dizer acusação. Se o jornalismo for visto como tribuna acusatória, será péssimo para os jornais, para os leitores e para a democracia”.

De fato, acusação é função do Ministério Público, do Congresso, dos tribunais, da polícia. Ocorre que quem mais tem denunciado falcatruas, crimes financeiros, corrupção e até mesmo o tráfico de drogas é a imprensa. Foi a imprensa que levantou o caso do mensalão, os desmandos dos Sarneys, os dólares na cueca, as propinas de Arruda e sua quadrilha. Se Arruda está hoje na cadeia – onde não esquentará banco, é verdade – isto se deve à difusão pela imprensa das fotos e vídeos em que recebe seu quinhão. Diria até mesmo que a condenação do casal Nardoni se deve à televisão e aos jornais, que mobilizaram a opinião pública. Estivessem sendo julgados longe dos holofotes, uma pena mais branda, meramente pedagógica, não seria de espantar.

Mesmo quando a denúncia surge do Ministério Público, é o respaldo dos jornais que lhe dá sustentação. Enquanto a maracutaia rola apenas nas salas da burocracia judiciária, os corruptos dormem o sono dos justos. Basta um bom advogado, mais um juiz barato e a pendenga se resolve. O problema surge quando a maracutaia vai para a primeira página dos jornais. Aí, o julgamento é da opinião pública. Não por acaso, Lula vive se queixando da imprensa.

Foi a imprensa que denunciou, em primeira mão, tanto os crimes da ditadura quanto as corrupções de Maluf ou do PT. É a imprensa que flagra assaltos, traficantes vendendo sua muamba ou drogados perambulando quais zumbis pelas ruas de São Paulo. A imprensa tem exercido uma função que compete à polícia, que só toma providências após as denúncias dos jornais. Claro que jornalista não pode prender, acusar nem julgar. Mas denunciar é o que mais a imprensa tem feito.

Mas Bucci admite: “É verdade que, por vezes, as evidências de corrupção são tão clamorosas que a mera publicação de uma reportagem, por mais sóbria que seja, assume ares de denúncia contundente. Tudo bem, isso acontece, mas, aí, quem acusa são os fatos, não o jornalista. Repórteres não existem para fazer "denúncias". A finalidade do seu trabalho é fazer reportagem”.

Ok! Mas os fatos não vão andando até a redação do jornal. É preciso quem os busque, investigue, priorize. Como dizia como dizia um certo Panizza, na Idade Média: “o que acontece em segredo não aconteceu. Só o que grita é pecado”. Parafraseando Panizza: o que rola apenas nos meandros da Justiça não aconteceu. Só o que grita é crime. Quem grita é a imprensa.

O caso mais emblemático é o do acobertamento dos padres pedófilos pelo papa. Se a denúncia permanecesse no silêncio dos tribunais ou nos corredores do Vaticano, Bento não estaria hoje pedindo desculpas às vítimas. Não fosse o New York Times e a repercussão de suas denúncias na imprensa internacional, não estaria hoje o arcebispo de Westminster, Vincent Nichols, afirmando à BBC que o papa Bento XVI não vai renunciar ao cargo diante da série de escândalos de abuso sexual infantil envolvendo clérigos em vários países. Que não vai renunciar, disto sabemos. Como disse lorde Acton, o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Mas é bom sinal que um cardeal precise dizer à imprensa que Sua Santidade não renunciará.

São os jornais que têm denunciado crimes de guerra, as mentiras de Bush sobre
o Iraque, os genocídios na África, as relações do PT com as FARC. Tenho sérias restrições à imprensa, ou melhor, à forma como hoje a imprensa é feita. Deixei
isto claro em meu ensaio Como ler jornais. Se jornalismo é ruim, pior sem ele.

Denúncias não apequenam o papel da imprensa. Denúncias têm sido a função mais importante dos jornais. Imprensa é o último recurso do cidadão, quando tanto a Justiça como a polícia o abandonam.

sábado, março 27, 2010
 
BENTO NÃO SABIA.
LULA TAMBÉM NÃO



Fala ao Le Monde, edição de hoje, quem entende do riscado, Marco Politi, escritor e vaticanista, autor de His Holiness: John Paul II and The Hiden History of Our Time:

“O ciclone agora chegou ao centro da Igreja. De início, os escândalos de pedofilia diziam respeito a continentes longínquos, Austrália, Estados Unidos ou Canadá. Depois a tempestade chegou à Europa, especialmente na Irlanda, antes de atingir a Alemanha, o país de origem do papa. Depois, foi a diocese de Joseph Ratzinger que foi enlameada. Agora, o Vaticano foi atingido”.

Para o vaticanista, Bento XVI se encontra em uma encruzilhada. Face às novas revelações, só existiriam duas soluções: “seja ele faz marcha a ré, seja ele aceita efetivamente de fazer toda luz sobre as affaires de pedofilia na Igreja. Mas para isto seria necessário que ele abra os arquivos”.

Sua Santidade abrirá os arquivos que a condenam? Claro que não. A Igreja só agora está abrindo os arquivos dos dias do nazismo, não será amanhã que abrirá arquivos de crimes de ontem. Muito menos os que incriminam seu líder.

Leitor que me acompanha diz que minha acepção de crime se aplica apenas quando é a igreja que pratica a pedofilia. Que com Roman Polanski fui benevolente. Que uso de dois pesos e duas medidas. Não é bem assim. Polanski não fez voto de castidade. Além disso, a relação foi consensual, a menina tinha 13 anos e vivia numa sociedade onde aos 13 anos muita gente pratica sexo.

A propósito, a idade de consenso sexual na Espanha é de 13 anos. Será a Espanha uma nação de pedófilos? Falar nisso, há mais de meio milhão de adolescentes grávidas no Brasil. Isso sem falar nas que tiveram relações e não engravidaram, cujo número provavelmente é maior. Teremos mais de meio milhão de pedófilos? Onde está a justiça que não os pune?

Padre faz voto de castidade. Não pode ter relações com ninguém, seja de que sexo for. Nem que sejam maiores de idade. Não que cometa crime, neste caso. Mas está sendo hipócrita. Comete algo pior. Está transgredindo um voto feito ao Senhor. Seja como for, Maria foi engravidada aos 13. Quem foi mesmo o pedófilo?

Ante as acusações, o Vaticano reage com argumento que nos é familiar: o papa não sabia. Lula também não. Sarney muito menos. O Vaticano, como a Presidência da República e o Congresso Nacional, tornou-se reduto de impunidade.

 
ATÉ AÍ FALTA O NEVES


Acabou há poucos minutos o BBB do Judiciário. Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá foram condenados, respectivamente, a 31 e 26 anos de prisão pelo assassinato da menina Isabella.

Pimenta Neves continua livre como um passarinho.

sexta-feira, março 26, 2010
 
PODE UM PAPA RENUNCIAR?


As normas da Igreja “jamais proibiram a denúncia dos abusos de menores às autoridades judiciárias”, disse ao Osservatore Romano o padre Federico Lombardi, manifestando a posição do Vaticano sobre as acusações de acobertamento dos padres estupradores por Sua Santidade Bento XVI. Não proíbem nem poderiam proibir. Não vivemos na Idade Média, quando a Igreja dispunha da Inquisição para silenciar quem quer que a denunciasse.

Ocorre que não é isto o que se discute. O que se discute é porque as autoridades eclesiásticas, o atual papa inclusive, não denunciaram estes abusos às autoridades civis, já que deles tinham conhecimento. Encurralado, o Vaticano sai pela tangente. Para o jornal da Santa Sé, as acusações do New York Times são “uma evidente e ignóbil tentativa de atingir, a todo custo, Bento XVI e seus mais próximos colaboradores”. Mutatis mutandis, é o que diz o Lula da imprensa brasileira. Ora, não é tentativa. São os fatos que apontam para o Sumo Pontífice.

Escrevia eu ontem que quem acoberta dois, acoberta dez, cem ou quantos forem necessários. Não seria de espantar que surgissem, nos próximos dias ou meses, novas denúncias da cumplicidade criminosa de Sua Santidade. Não foi preciso esperar 24 horas. El País noticia, em sua edição de hoje, o caso de abusos sexuais nos Instituto Provolo, de Verona, onde durante trinta anos vários religiosos abusaram de centenas de meninos, desta vez não apenas surdos, mas surdo-mudos.

Surdo-mudo é mais discreto. Mesmo assim, 67 ex-alunos, que agora têm entre 50 e 70 anos, foram violados, às vezes debaixo do altar e no confessionário. As vítimas apontaram para 25 padres e religiosos, dos quais treze ainda estão vivos e sete continuam no Instituto. A denúncia em verdade não é nova. Surgiu pela primeira vez há um ano na revista L’Espresso.

O que há de novo é que a Congregação para a Doutrina da Fé já tem em mãos o processo instruído pela diocese local, segundo as normas do Direito Canônico. Mas, segundo a associação das vítimas, nenhuma delas foi escutada. O único expediente de expulsão foi aberto contra um padre que confessou à revista os abusos que havia cometido.

Me pergunta um leitor se um papa pode renunciar. Pode. Está previsto no Código de Direito Canônico 332 § 2: "Se acontecer que o Romano Pontífice renuncie ao seu múnus, para a validade se requer que a renúncia seja livremente feita e devidamente manifestada, mas não que seja aceita por alguém".

Acontece que um papa jamais renunciará àquilo pelo qual tanto lutou durante toda sua vida. Vide João Paulo II, que morreu estertorando mas não largou o osso, nem mesmo para tratar de sua saúde. Chegou a pedir para morrer – “deixem-me encontrar com o Pai” – mas não renunciou. Um pontificado não é obra do acaso. É fruto de um longo esforço, de muita política, alianças e lutas internas. Não seria de espantar que fosse precisamente o acobertamento dos abusos sexuais em seus dias de cardinalato um dos fatores que levou Bento à cadeira de Pedro.

O que está faltando é indiciar Ratzinger junto à Justiça laica. Como acobertador de abusos sexuais é cúmplice de um crime. Está incurso nos Códigos Penais de qualquer país ocidental. Mas é claro que tribunal algum vai cometer essa indelicadeza com o vice-Deus.

No entanto, a edição on line do semanário alemão Der Spiegel já se pergunta porque este papa ainda está no cargo.

quinta-feira, março 25, 2010
 
A QUAL INSTÂNCIA O VICE-DEUS
APRESENTARÁ SUA RENÚNCIA?



O cerco se fecha. A edição do New York Times de hoje revela que várias autoridades do Vaticano, entre elas o então cardeal Joseph Ratzinger, encobriram o abuso sexual de 200 crianças surdas por um religioso de Wisconsin, o padre Lawrence Murphy. Em 1996, Ratzinger não respondeu a duas cartas sobre o caso, enviadas pelo arcebispo de Milwaukee, denunciando os crimes.

A notícia repercutiu na primeira página dos mais importantes jornais da Europa, desde o Suddeutsche Zeitung ao Corriere della Sera, passando pelo Libération, Le Monde e El País. Só não encontrei nada no Osservatore Romano, que dá sua primeira página à uma audiência de Sua Santidade dedicada a São Alberto Magno, à celebração da Anunciação na tradição sírio-ocidental, ao encontro entre Obama e Netanyahu e a um plano de desenvolvimento de um bilhão de dólares na Índia.

A affaire envolve também o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, que em fevereiro deste ano afirmava ser necessário que os padres pedófilos “reconheçam suas culpas, já que das provas pode surgir a renovação interior”. Na época das cartas do arcebispo de Milwaukee, Ratzinger presidia a Congregação para a Doutrina da Fé e Bertone era seu vice. Oito meses depois da denúncia, cardeal Bertoni encarregou os bispos de Wisconsin de instruir um processo canônico secreto que teria podido levar ao afastamento do padre Murphy.

Bertone, segundo o NYT, encerrou o processo depois que padre Murphy escreveu pessoalmente ao então cardeal Ratzinger que não deveria ser submetido a processo porque estava arrependido e em precárias condições de saúde: “Quero simplesmente viver aquilo que me resta na dignidade de meu sacerdócio”, escreveu o padre, já perto de sua morte, o que ocorreu em 1998.

Então tá! Se estava arrependido, não precisa levar a frente o processo. Não se tratou exatamente, no caso, de uma ação entre amigos. Mas de uma ação entre cardeais. Vai, meu filho, teus pecados te são perdoados.

Esta é a segunda denúncia, em menos de uma semana, a apontar diretamente para o sucessor de Pedro. Sábado passado, Elke Hümmeler, na Baviera, citava 120 relatos de abusos feitos desde que um padre foi transferido em 1980 para trabalhar com crianças em Munique, mesmo sendo suspeito de ter cometido abusos na cidade de Essen. A arquidiciose bávara foi presidida entre 1977 e 1982 por quem? Pelo cardeal Joseph Ratzinger. O sacerdote, em vez de ser denunciado à polícia, foi submetido a sessões de terapia, endossadas pelo atual pontífice.

Quem acoberta dois, acoberta dez, cem ou quantos forem necessários. Não será de espantar que surjam, nos próximos dias ou meses, novas denúncias da cumplicidade criminosa de Sua Santidade.

Ontem ainda, Bento aceitou a demissão de John Magee, bispo irlandês de 74 anos, secretário de três papas e acusado de encobrir casos de pedofilia na diocese de Cloyne. Em carta pastoral, o papa pediu perdão – mas não punição – pelo acontecido.

Magee pediu demissão ao vice-Deus. Pergunta que se impõe: a quem pedirá demissão o vice-Deus? Ao Big Boss?

 
AUTOMÓVEL TEM DE SER IMPORTADO,
LITERATURA SÓ PODE SER NACIONAL



Bruno Bolson Lauda me pergunta: “E se coubesse a ti fazer uma lista de leituras para crianças e adolescentes no ensino fundamental e médio, quais livros escolherias e em que ordem? Incluirias algum autor brasileiro?”

Claro que incluiria. Esta pergunta me foi feita há oito anos, por Lisa Sedrez, doutoranda gaúcha na universidade de Stanford, Califórnia. Queria saber quais seriam as minhas dez obras escolhidas - entre autores nacionais, bem entendido - que um jovem brasileiro deveria ter lido ao fim do seu segundo grau, de forma a entender a literatura brasileira. Me restrinjo a leituras para jovens. Não vou entrar na área de literatura infantil.

Eu começaria pelo Quixote. Continuaria com as Viagens de Gulliver. Mais Crime e Castigo. Depois, A Montanha Mágica. Mais contemporaneamente, 1984. Para não ficar só em ficções, eu ajuntaria Assim Falava Zaratustra. E aí surge um problema, pois não me desagradaria juntar mais alguns de Nietzsche, que poderiam ser o Anticristo ou O Crepúsculo dos Deuses. Mas deixemos estes de lado. Em matéria de História: A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges, que nos mostra o mundo pagão, antes de ser contaminado pela peste cristã. E, para ter uma idéia de Ocidente, Um Estudo de História, do Toynbee.

Para manter firme a crença das gerações futuras no gênero humano, eu indicaria Fernão de Magalhães, do Stephan Zweig, e Schliemann, História de um Buscador de Ouro, do Emil Ludwig. E aqui já se foram os dez. Mas não me desagradaria ainda acrescentar O Julgamento de Sócrates, de I. F. Stone e alguns dos Diálogos de Platão, para contemplar o nascimento do pensamento ocidental.

Como esqueci de pôr um pouco de poesia em minha listinha, lá vai: José Hernández e Fernando Pessoa. Lidos estes autores, o estudante brasileiro estaria apto a fazer um juízo de valor da literatura brasileira. Só comparando se pode valorar. Depois deste confronto, se sobrar espaço para os Machados e Clarices da vida, até pode se pensar no assunto.

Ora, direis, de nacionais estes autores nada têm. Pois têm, digo eu. No momento em que uma literatura é traduzida ao brasileiro, ela passa a fazer parte do imaginário nacional. Quixotesco ou platônico são palavras que pertencem ao vernáculo, enquanto diadorinesco ou brascubano ainda não encontraram lugar em nossa língua. Machadiano existe, é verdade, mas é conceito exclusivamente literário. Muito antes de saber quem é Bentinho, temos uma idéia bastante precisa do que seja o Quixote. Muito antes de existir Machado, Cervantes já fazia parte de nosso acervo. E muito antes de Cervantes, Platão. Estes autores faziam parte da literatura brasileira, antes mesmo que literatura brasileira existisse. O Brasil não nasce na floresta. Nasce na Europa.

Me perguntou então a doutoranda gaúcha: "Quantos dos títulos que citaste podem ser lidos (e entendidos) pela massa dos adolescentes? Sem que eles cometam suicídio no segundo livro?"

Vou repetir aqui, sucintamente, o que respondi em 2002. Minha interlocutora subestimava os adolescentes. Exagerei no Toynbee, confesso. Ocorre que, ao citá-lo, eu não tinha em mente os dez volumes do ensaio original. Mas uma excelente síntese em 600 páginas, da Martins Fontes. Em papel A3, é verdade, mas o tamanho de um livro não deveria assustar um jovem. O ensaísta é claro, como deve ser todo bom escritor, nada dessas interpretações marxianas que exigem um glossário para serem entendidas. O mesmo diga-se de Fustel de Coulanges, que adoro ler no original. Tem uma frase enxuta e elegante, nada do francês confuso e quase gongórico dos autores contemporâneos.

Por outro lado, é mais fácil para um adolescente seguir a lógica límpida de Sócrates em Teeteto do que encontrar norte no mar enevoado de um Guimarães Rosa. Se uma pessoa já na adolescência sabe distinguir doxa e episteme, jamais será, quando adulta, presa fácil das falácias de padres, políticos, psicanalistas e demais vendedores de vento. Não era para os jovens que Sócrates falava? Seriam os jovens de Atenas mais atilados que os contemporâneos? Que mais não seja, O Julgamento de Sócrates nada tem de hermético e nos mostra uma tragédia muito mais grandiosa que a do judeu aquele, inculto e conformista, crucificado pelos judeus.

Lendo Swift, um adolescente tem uma visão mais lúcida da sociedade hodierna do que visitando os sociólogos e historiadores ideologizados dos dias atuais. As Viagens de Gulliver, obra tida erradamente como literatura infantil, é a mais fagedênica denúncia da estupidez humana e não pode faltar ao conhecimento de qualquer pessoa medianamente culta. Se os adolescentes de hoje tivessem lido 1984, saberiam que Big Brother não é exatamente uma câmera que vigia o dia-a-dia de pobres de espírito. O personagem de Orwell é muito mais. É a Stasi, é a KGB, é o Estado totalitário, é o mais perfeito retrato das tiranias comunistas do século passado, mas isto os senhores formadores de opinião preferem calar, pois remete a uma história recente, dolorosa e ainda não remida.

Há livros que você lê na adolescência. Inútil lê-los mais tarde. Nietzsche, por exemplo, deve ser lido antes dos vinte anos, quando o jovem ainda não perdeu seu potencial de sonho. Ler Nietzsche aos 50 é tão trágico como conhecer Paris aos 50: "meu Deus, como é que fui perder isso em minha juventude?"

Se alguém quer comprar um carro, prefere o importado. Quando queremos um bom vinho, buscamos vinho importado. Uísque, idem. Por que razões literatura tem de ser nacional? Por que eu, brasileiro, tenho de ler literatura brasileira? E seu eu fosse ugandês, teria de ler literatura ugandesa? Em que tábuas sagradas está escrito isso?

Nem só a Petrobras deve ser privatizada. A Livrobrás também. Abaixo o livro estatal!

quarta-feira, março 24, 2010
 
UMA DAS MAIS LUCRATIVAS
CORRUPÇÕES NACIONAIS



Pois, meu caro Tamas, as leituras obrigatórias constituem a praga maior do ensino nacional. Primeiro, porque obrigatórias. A nenhum estudante deve-se impor livros de leitura obrigatória. Tenho um grande aliado nesta minha postura, Jorge Luís Borges. Para o autor argentino, ninguém deveria ser obrigado a ler nada. Como algo se há de ler, eu sugeriria uma lista bem ampla, na qual o aluno escolhesse o que mais lhe agradasse. Deixando ainda aberta a possibilidade de o aluno também sugerir leituras. Foi o que fiz em meus dias de magistério. Claro que não aceitaria um Paulo Coelho como sugestão.

A praga tem outros desdobramentos. A leitura imposta será geralmente de um autor nacional. Toda aquela grande – e eterna – literatura que foi feita antes de que Brasil fosse Brasil fica de fora. Certa vez, passeando com uma sobrinha por Madri, levei-a até a Plaza España, para mostrar-lhe aquele monumento clássico do Quixote montado no Rocinante, ladeado por Sancho Pança e seu burrico. Antes de ir adiante, algumas palavrinhas sobre a sobrinha. É moça inteligente e atilada, fez curso de Relações Públicas em Santa Maria e na época já geria muito bem sua vida, com um bom emprego em São Paulo. Para minha perplexidade, me perguntou o que jamais eu pensara ouvir: quem são aqueles dois?

Mas Machado de Assis ela sabia quem era. Ora, o Quixote era meu velho conhecido desde os bancos escolares. Não é que seja uma falha do ensino o desconhecimento de Cervantes. É algo bem mais grave. É um crime de lesa-literatura. Não consigo conceber que alguém saia da universidade sem ter pelo menos uma idéia do Cavaleiro da Triste Figura.

Um outro aspecto da praga é o espírito corporativo dos escrevinhadores nacionais. Vivemos em uma cultura de compadrismo. Nenhum autor será incluído nas leituras obrigatórias se não tiver as costas quentes junto ao MinC ou às universidades. Sem beijar a mão de um padrinho, nada feito. A leitura obrigatória se torna um coto de caça reservado, muitas vezes transmitido de pai pra filho. Vide os Verissimos. Primeiro, o pai era leitura obrigatória. Agora é o filho. E se o filho do filho escrevesse, certamente também participaria da guilda.

Isso sem falar nos compromissos ideológicos. Nenhum autor terá lugar junto aos amigos do rei se não tiver um dia feito um aceno a Machado. Se você um dia tiver escrito que o Machadinho é um escritor de segunda categoria, tire o cavalinho da chuva. Terá também de fazer um gesto qualquer de repúdio ao regime militar que, em 64, salvou o país de ser uma imensa e paupérrima Cuba. E atenção: se tiver um dia sussurrado uma palavrinha qualquer contra a ditadura cubana, considere-se leproso. Conveniente também jamais ter criticado a ditadura soviética. Tampouco use essa palavrinha inconveniente, mensalão. Fica feio para um escritor que pretenda fazer carreira.

Cumpridos estes requisitos, você – escritor que não conseguiria vender seus livros nem mesmo para seus familiares – você terá enormes tiragens, fará boa fortuna e gozará das mordomias que os reis oferecem a seus cortesãos. Ou seja, você fará parte de uma das mais lucrativas corrupções nacionais.

Corrupção que nenhum jornal denuncia.

 
SOBRE LEITURAS OBRIGATÓRIAS


De Tamas Ribeiro, recebo:

Olá, Janer, tudo bem?

Escrevo esse e-mail para comentar sobre a reportagem que saiu no caderno Megazine, suplemento direcionado a adolescentes do jornal O Globo (segue o link de uma parte da reportagem (http://tinyurl.com/yzj5myp). O assunto é interessante e já foi alvo do seu blog: leitura nas escolas.

A discussão começou por causa de um artigo de Zuenir Ventura (http://tinyurl.com/yz4lynn), no qual ele critica a escolha dos livros feitas pelas escolas, como, por exemplo, José de Alencar e Aloísio de Azevedo. Em seguida, faz um apelo por uma escolha de autores mais interessantes como Rubem Braga ou Fernando Sabino.

Mas voltando à reportagem, um ponto interessante são os livros adotados pelas principais escolas do Rio de Janeiro no ensino médio: na sua grande maioria literatura brasileira (os ditos “clássicos” e um ou outro contemporâneo) e alguns parcos clássicos universais como Kafka, Cervantes e Sófocles.

Mas o que chama atenção não é essa escolha para lá de discutível das escolas (o que é até desculpável, pois estas são praticamente obrigadas a adotar os livros que caem no vestibular), muito menos as respostas dadas ao principal questionamento da reportagem (“a leitura obrigatória de clássicos é capaz de incentivar um aluno a ler ou vai afastá-lo da literatura?”), mas sim os comentários dos ditos experts da área sobre os livros a serem estudados: todos defendendo o uso da literatura brasileira, seja de clássicos ou de autores contemporâneos, sem quaisquer menções a autores estrangeiros.

Um coordenador de uma famosa escola carioca defende o uso de Vidas Secas, enquanto outros professores defendem apresentações teatrais de obras de Verissimo (?!?!). O pior é quando os escritores nacionais começam a dar palpite. Thalita Rebouças, famosa por escrever livros para adolescentes (ou seja, porcarias), defende o uso de escritores nacionais como Luis Fernando Verissimo, Fernando Sabino e João Ubaldo Ribeiro:

“- Esses três, sim, deveriam ser leitura obrigatória! De histórias curtas, os alunos passariam para os romances. Não dá para empurrar tantos clássicos sem dar aos adolescentes uma contrapartida, um livro com o qual ele se identifique - diz a escritora, que já teve obras adotadas por escolas brasileiras e portuguesas.”

João Paulo Cuenca, colunista medíocre do mesmo suplemento do qual saiu a matéria, chega ao cúmulo de se auto-recomendar para as escolas (na certa de olho em algum polpudo edital do governo):

“O ensino transforma a literatura em matéria, afastando-a da vida. Vira decoreba, como fórmulas de química. Os jovens lêem o que os professores mandam ou essas porcarias que o mercado atira, como Harry Potter e Crepúsculo. As escolas deveriam misturar imortais como João Cabral de Melo Neto e Nelson Rodrigues com escritores brasileiros vivos como Sérgio Sant'Anna, Bernardo Carvalho, Daniel Galera e até mesmo eu.”

Conclusão: literatura para essa turma se resume a esse país atrasado e provinciano. Citando Alexei Bueno, é como se Homero tivesse existido apenas para justificar Mário de Andrade. E na minha modesta opinião, já que é para a leitura ser obrigatória, que pelo menos se leiam livros clássicos interessantes e relevantes, como as tragédias gregas, Kafka, Dostoievski, Shakespeare, Pessoa, entre muitos outros. Assim, se não os alunos não gostarem, pelo menos leram algo que pode realmente acrescentar à sua formação como ser humano.

Mas o que é mais irritante é essa mania de achar que o Brasil é o centro do mundo. O que só prova a mediocridade desses especialistas. Na certa, lêem só por causa da profissão e não sabem realmente o que é um bom livro, preferindo as modas literárias ditadas pelo vestibular, pela mídia, pela academia ou pelo seu seleto círculo de amigos. Enfim, triste é o país (e os alunos) que depende dessa corja corporativista para escolher suas leituras.

Abraços.

terça-feira, março 23, 2010
 
SAMBA DO RÉCORTER
TUCANOPAPISTA
HIDRÓFOBO DOIDO


Lemos hoje na coluna do récorter tucanopapista hidrófobo:

“Leiam trecho de uma reportagem da VEJA desta semana:

A alagoana Arapiraca deve seu nome a uma madeira de poderes energéticos e sua fama ao fato de ter sido a capital nacional do tabaco até os anos 90. Na semana passada, passou a ser conhecida também no exterior. Foi citada em reportagens de alguns dos maiores jornais do mundo depois que se soube que um de seus padres, monsenhor Luiz Barbosa, de 82 anos, mantivera um tórrido relacionamento amoroso com o ex-coroinha Fabiano Ferreira, de 20 anos. As cenas mais vibrantes do romance foram registradas em um DVD que pode ser adquirido por 2 reais em qualquer esquina de Arapiraca. Nele, vê-se o monsenhor e o coroinha fazendo sexo oral um no outro simultaneamente.

20 anos! Pedofilia? Diria que, com 15 (e até menos), um rapaz costuma saber se alguém pretende fazer coisas, digamos, indevidas com o seu passarinho, não é mesmo?”

Perguntinha que se impõe: quem falou em pedofilia? O recórter tucanopapista, atucanado em seu afã de defender o papismo, não consegue sequer ler matéria da revista em que escreve. O título da reportagem é:

Ferveção em Arapiraca

Linha fina:

Vídeo que mostra padre e ex-coroinha fazendo sexo alvoroça a cidade alagoana

Em momento algum o repórter usa a palavra pedofilia. Em sua paranóia, o recórter chega a ler o que nunca foi escrito. Veja vai mal. Um correspondente plagiário em Paris e um manipulador de suas próprias reportagens na redação.

 
UM HOMEM DE MAL
COM SEU SÉCULO



De amiga muito querida recebi um “hermoso regalito”, La Resistencia, de Ernesto Sábato. Verdade que junto com o livro veio um Steinhaeger elegantemente embalado em um estojo de madeira. Mas destilado não se discute, se bebe. Vou discutir então apenas o discutível.

Publicado em 2006, quando o escritor argentino tinha 95 anos (neste ano completará 99), é o único livro de Sábato que eu ainda não havia lido. Neste ensaio, ao melhor estilo de Montaigne, que toma a si mesmo como centro de suas reflexões, o autor se sente desconfortável no século que percorreu de ponta a ponta. Inconformado com a época em que vive, Sábato manifesta o desejo de uma paralisação do tempo.

Sua primeira queixa diz respeito à televisão: “A televisão nos tantaliza, ficamos como que cativos dela. Este efeito entre mágico e maléfico é obra, creio, do excesso de luz, uma intensidade de luz que nos prende. Não posso senão recordar o mesmo efeito que produz a luz nos insetos, e ainda nos grandes animais. E então, não só nos custa abandoná-la, como também perdemos a capacidade para olhar e ver o cotidiano”.

De fato, nada mais medíocre que a cultura televisiva. Mas medíocre também é a cultura dos jornais e do universo dos best-sellers. Ninguém é obrigado a ter televisão em casa. E, se tiver, TV tem dois botões: on e off. Ocorre que o aparelhinho nos traz notícias, muitas vezes em tempo real, como também bons filmes e documentários. Conheço não pouca gente que tem TV em casa – entre eles este que vos escreve – e não se deixa prender pela luminosidade da telinha. Jamais troquei a companhia de meus amigos, a boa charla em um bar ou mesmo em minha casa pela luminosidade do vídeo. Não ligo televisão quando tenho visitas. Posso oferecer alguma ópera em DVD, mas aí já não é mais televisão.

Claro que a TV nos oferece uma vasta gama de programas estúpidos, a começar pelas novelas e BBBs da vida. Nada mais medíocre que um programa de auditório. Mas não sou obrigado a assisti-los. De minha parte, há muito deixei de ver televisão nacional. Procuro algum filme ou documentário interessante na madrugada, nos canais estrangeiros. Durante o dia, televisão para mim é heresia. A última vez em que a liguei durante o dia foi há nove anos, no 11 de setembro de 2001. Mas os jornais também nos jogam na cara toneladas de lixo. Nem por isso vamos condenar o jornalismo. O lixo é universal e se infiltra por todos os poros do mundo contemporâneo.

Por outro lado, Sábato não se adapta à era informática. “Está mais a nosso alcance um desconhecido com o qual falamos através do computador. (...) É muito significativo que se tenha de buscar um gesto amigo por telefone ou por computador, e não se o encontre em casa, no trabalho, ou na rua, como se fôssemos internos de alguma clínica cercada por grades que nos separa das pessoas a nosso lado. E então, tendo sido privados da proximidade de um abraço ou de uma mesa compartilhada, nos sobraram os meios de comunicação".

Claro que o desconhecido com o qual falamos através do computador está mais a nosso alcance. De meu vizinho, não sei quais são seus gostos, preferências literárias ou musicais. De meu atual vizinho de parede-meia, só fiquei sabendo que é aficionado de música erudita pelos trinados de sua mulher, que é mezzo soprano. Na Internet, com um só clique, posso encontrar quem gosta de Sábato ou de Mozart, de tango ou literatura grega, de Martin Fierro ou de Nietzsche, de culinária francesa ou catalã. (Já encontrei cultores do tango em Rautavaara, aldeia do norte da Finlândia, com 16 mil habitantes). A Internet não veio para isolar, mas para aproximar pessoas.

Nos últimos anos, encontrei e reencontrei não poucos amigos – e até mesmo namoradas - via computador. Pessoas que havia perdido há décadas nas vielas da vida e que gostaria de voltar a ver, só as encontrei graças à rede. Não fosse a Internet, estariam perdidas para sempre no tempo e no espaço.

O computador aproxima pessoas desconhecidas que nutrem afinidades de pensamento. Se leio reflexão que me interesse, posso entrar em contato com o autor no minuto seguinte. E vice-versa. As crônicas que escrevo às vezes são contestadas poucos minutos depois de publicadas. A Internet agiliza as trocas intelectuais. Houve época em que, para ter acesso a um livro de Sábato, tínhamos de ir a Buenos Aires. Hoje, dois ou três cliques e temos toda sua obra em casa. Quando conheci Sábato, nos anos 70, uma comunicação levava pelo menos cinco dias para ir de Porto Alegre a Santos Lugares ou fazer o caminho inverso. Hoje, estivesse Sábato conectado, poderíamos estar conversando em tempo real.

Isso que nem estou falando no livro eletrônico. Hoje, se você vive em uma aldeia desprovida de biblioteca e quer ler Platão ou Homero, desde que tenha telefone e computador, você os recebe em segundos e mais: sem pagar um vintém.

Sábato, que viveu boa parte de sua vida em Santos Lugares, manifesta certa ojeriza às metrópoles. Fala das "multidões de seres humanos que pululam pelas ruas das grandes cidades, sem que ninguém os chame por seus nomes". Pretenderá que alguém em uma multidão conheça por seus nomes os demais integrantes da multidão? Sem falar que disto ele não pode queixar-se. Se alguém enviar uma carta para “Ernesto Sábato, Santos Lugares”, não precisa nem pôr endereço que a carta chega a seu destinatário. Já o anonimato, este é inerente às grandes cidades. Sem falar que tem suas vantagens. Viver em uma pequena comunidade, onde não há anonimato algum, tem um certo charme, mas também pode ser bastante complicado.

A impressão que este último ensaio de Sábato nos deixa é que o autor, se conseguiu atravessar o século passado, não conseguiu aceitá-lo. É homem que se sente mal em sua própria época. É como se se recusasse a admitir um dos dados de nosso tempo, a estupidez das massas. Ora, o mundo só pode ser aceito como é. Já está lá, em Siglo XX, cambalache, de Discépolo, tango tão caro a Sábato:

Que el mundo fue y será una porquería
ya lo sé...
(¡En el quinientos seis
y en el dos mil también!).
Que siempre ha habido chorros,
maquiavelos y estafaos,
contentos y amargaos,
valores y dublé...
(...)
¡Hoy resulta que es lo mismo
ser derecho que traidor!...
¡Ignorante, sabio o chorro,
generoso o estafador!
¡Todo es igual!
¡Nada es mejor!
¡Lo mismo un burro
que un gran profesor!


De nada adianta sonhar com utopias. De minha parte, procuro eliminar de minha vida esse lado medíocre e me refugio em meu pequeno círculo de amigos, meus livros, minhas óperas, viagens. Em A Gaia Ciência, Nietzsche formula sua teoria do “amor fati”, a aceitação plena da vida: "Não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo".

Discépolo entendeu Nietzsche. Sábato também terá entendido, mas rejeita seu fatalismo. De qualquer forma, sempre um autor que nos faz pensar.

segunda-feira, março 22, 2010
 
PEDOFILIA É CRIME?

Me escreve Cleber Mira, leitor atento:

Olá Janer,

A respeito de seu último artigo "BENTO CONVIDA CRISTANDADE A PERDOAR
PADRES PEDÓFILOS" gostaria de apontar um problema. Em seu texto você escreve "Pelo jeito, não entra no bestunto pontifício que pedofilia não é uma questão de pecado. Pedofilia é crime."

Eu não sei como é registrado o crime na legislação irlandesa, mas certamente pedofilia não é crime na legislação brasileira. "Abuso sexual contra menores" é crime. Considerar crime a pedofilia é instituir o crime de consciência ou considerar alguém criminoso apenas por ser doente. Quem irá julgar o que passa na cabeça de alguém? Se alguém for diagnosticado com esse problema psiquiátrico deve ser imediatamente conduzido à delegacia?

A maior parte da imprensa brasileira caiu nessa cilada da expressão "crime de pedofilia" e nem atenta a esse detalhe. Só estou apontando esse problema por considerar que até agora você era um dos pouquíssimos que não haviam adotado essa expressão idiota.

Quanto ao resto do artigo está perfeito!

Abraços,

Cleber


Meu caro Cleber, nessa cilada não caí. Desde há muito afirmo que não existe a tipificação de pedofilia na legislação brasileira. Mas, no caso, a questão se trata da Irlanda, Alemanha e Áustria. Também não sei qual seja a definição legal do crime por lá, mas é como a imprensa estrangeira está tratando o caso. Na Espanha, curiosamente, os jornais falam em pederastia. Já em 11/05/2002, escrevi, na crônica "Animais midiáticos":

“Ou a pedofilia. Em crônica passada, afirmei que basta um crime entrar em moda no Primeiro Mundo, dia seguinte vira epidemia no Brasil. Rádio, televisão e jornais falam em pedofilia, padres pedófilos e o animal midiático toma ares de santa indignação contra o crime de pedofilia. Mas que crime? Não existe crime sem lei que o defina, e não existe lei no Brasil que defina o crime de pedofilia. Temos abuso sexual, estupro, sedução de menor.

“Mas pedofilia, não. Em sua insciência, o animal midiático não faz distinção entre ética e direito. Se considera algum gesto imoral, conclui que esse gesto deve ser criminoso. Incesto é imoral? Então é crime. Fica desbussolado se alguém lhe diz que, no Brasil, incesto não constitui crime. Qualquer pai ou mãe pode ter relações sexuais com o filho ou filha e, desde que o filho não seja menor ou não seja forçado, a Justiça nada tem a ver com isso e só pode desejar bom proveito às partes. Recentemente, no Nordeste, um pai foi preso por ter relações com a filha. O coitado, em sua ignorância da lei, talvez tenha até assumido a idéia de que estava cometendo um crime”.

E mais vezes devo ter escrito sobre o assunto. Em todo caso, resolvi dar uma olhadela nas legislações do Ocidente, para ver se pedofilia era tipificada como crime. Nada encontrei. Minha pesquisa, devo confessar, foi um tanto perfunctória. Encontrei tipificações equivalentes a violação, estupro, abuso sexual, corrupção de menores, prostituição infantil, pornografia infantil, proxenetismo, ultrajes ao pudor. Ou consent no defense, sexual interference, invitation to sexual touching, sexual exploitation, incest, corrupting morals, child pornography, sexual assault, sexual assault with a weapon. Ou viol, agressions sexuelles, atteintes sexuelles. E por aí vai. Nada de pedofilia. Se algum leitor mais atento encontrar pedofilia em algum código, favor comunicar-me.

A palavra pedófilo, que deriva do grego, teria sido cunhada em sua forma latina em 1886, na Psychopathia sexualis, do psiquiatra austríaco Krafft-Ebing. Já pedofilia, daí derivado, seria utilizado a partir dos anos 70. Ao que tudo indica, nem a imprensa internacional é precisa quando fala em pedofilia como crime. As definições legais são mais restritas. Pedofilia seria então uma palavra genérica, que abrange todos os crimes sexuais tipificados legalmente, quando têm como vítima uma criança.

Pelo jeito, até a imprensa internacional caiu na cilada.

domingo, março 21, 2010
 
BENTO CONVIDA CRISTANDADE
A PERDOAR PADRES PEDÓFILOS



Nestes dias em que uma colunista da Folha de São Paulo já propõe uma estátua ao santo bispo Glauco, cartunista drogado do jornal e detentor de uma franquia dessa vigarice chamada Santo Daime, bem que gostaria de mudar de assunto. Mas o Bento não me deixa mudar de assunto. Após seu pronunciamento anódino sobre os padres pedófilos da Irlanda, Sua Santidade volta a proferir sandices.

No Angelus deste domingo, proferido na praça São Pedro, pediu “perdão para o pecador, intransigência com o pecado”. Está se referindo aos abusos sexuais dos ministros da Igreja irlandesa. Pelo jeito, não entra no bestunto pontifício que pedofilia não é uma questão de pecado. Pedofilia é crime. Pecado se perdoa com um ato de contrição, três pais nossos e dez aves marias. Crime se pune com cadeia. Ao acobertar pedófilos, tanto João Paulo II como Bento XVI livraram seus sacerdotes da Justiça penal.

Em sua primeira homilia após a pastoral em que manifestou suas desculpas esfarrapadas pelas vítimas do clero irlandês, Bento evocou aquela passagem dos evangelhos em que Cristo diz: “quem estiver livre de pecado, que atire a primeira pedra”. No que a mim diz respeito, se nutrisse algum ódio por adúlteras, levaria um saco de pedras. Porque pecado é coisa de quem crê na noção de pecado. Como não creio, não tenho pecado algum. Sou um santo homem, pronto para a canonização. Pena que tampouco creio em santos.

Por outro lado, Sua Santidade deixou de lado uma safadeza do Cristo. Ele centra seu perdão na adúltera. Culpada é a mulher. Sobre com quem ela pecou, nenhuma palavrinha. Para Cristo, em caso de adultério, só a mulher peca.

“Temos que aprender a ser intransigentes com o pecado, começando pelos nossos, e indulgentes com as pessoas” – acrescentou – convidando os fiéis a “aprender de Jesus e não julgar e condenar o próximo”. Ora, neste “indulgentes com as pessoas” há um convite explícito a perdoar os padres pedófilos. Por outro lado, desde há muito venho desconfiando que Bento não leu com atenção a Bíblia. Muito menos o Apocalipse: “Depois vi um grande trono branco e aquele que nele estava assentado… Vi também os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono, e… os mortos foram julgados de acordo com o que tinham feito, segundo o que estava registrado nos livros".

As pessoas cujos nomes não estiverem no Livro da Vida receberão o castigo eterno. Já está em Mateus: “E irão estes para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna. O julgamento se repete no Apocalipse: "E aquele que não foi achado escrito no Livro da Vida foi lançado no lago de fogo". Mais ainda: “Quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicários, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre, o que é a segunda morte".

Se isto não é julgamento, que será então? Quem vem para julgar? O Cordeiro. Quem é o Cordeiro? É Cristo ressuscitado, é o Senhor dos Senhores, o Rei dos Reis. Não há indulgência com pecador algum. Pecadores vão todos para o lago que arde com fogo e enxofre.

O que só confirma minha antiga suspeita, que Bento não tem familiariade alguma com os textos sagrados. O papa está negando nada menos que o Juízo Final. No que depender de Sua Santidade, ao arrepio do Livro, todo padre pedófilo será poupado do lago que arde com fogo e enxofre.

sábado, março 20, 2010
 
BENTO XVI CONDENA PEDÓFILOS IRLANDESES
MAS SILENCIA SOBRE RATISBONA E MUNIQUE



Leio nos jornais que a arquidiocese alemã de Munique está recebendo um tsunami de denúncias de abuso de menores praticados por membros da igreja. A informação é de Elke Hümmeler, que cita 120 relatos de abusos feitos desde a confirmação, há duas semanas, de que um padre foi transferido em 1980 para trabalhar com crianças em Munique, mesmo sendo suspeito de ter cometido abusos na cidade de Essen. A arquidiciose bávara foi presidida entre 1977 e 1982 pelo cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa Bento XVI. O sacerdote, em vez de ser denunciado à polícia, foi submetido a sessões de terapia, endossadas pelo atual pontífice.

"É como um tsunami de denúncias", disse Hümmeler. "Acredito que nunca ficamos tão chocados". A denúncia da conivência do papa com um padre pedófilo surge logo após descoberta não menos grave. Os meninos-cantores da catedral de Regensburg (Ratisbona) eram pasto dos padres que os educavam, entre 1958 a 1973. O coral foi dirigido, de 1964 a 1994, por padre Georg Ratzinger, irmão do Bento.

Em carta dirigida aos fiéis irlandeses e divulgada hoje pelo Vaticano, Sua Santidade se disse envergonhada pelos abusos cometidos no seio da Igreja Católica da Irlanda. Criticou ainda a postura das autoridades eclesiásticas dessa diocese e ordenou aos bispos que ajudem as autoridades civis.

"Expresso abertamente a vergonha e o remorso que todos provamos", disse o Papa, esclarecendo às vítimas que este também é um "grande dano" à Igreja e "à pública percepção do sacerdócio e da vida religiosa. A Justiça de Deus exige que assumamos nossas ações sem ocultar nada. Reconheçam abertamente a sua culpa, submetam-se às exigências da Justiça", determinou aos envolvidos nas agressões. Dirigindo-se aos padres pedófilos, Bento XVI reiterou que estes devem responder por seus crimes, "perante ao Deus onipotente e também frente aos tribunais devidamente constituídos".

Sobre os abusos no coral de Ratisbona quando dirigido por seu irmão e sobre a proteção a um padre pedófilo durante seu cardinalato em Munique, Bento não disse água.

 
PRIMEIRA-CAIPIRA INVOCA
PROFETA ERRADO EM ISRAEL



Leio na Folha de São Paulo, na coluna de Mônica Bergamo:

"Em visita a Israel com o presidente Lula, a primeira-dama, Marisa Letícia, esteve no Muro das Lamentações. Em cena registrada por Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial da Presidência [que estava do outro lado do muro, já que homens e mulheres ficam em partes separadas], dona Marisa deixou um pedido "bem especial" para Lula: "Mas é segredo. Só Jesus vai ler meu bilhete".

Jesus? A Primeira-Caipira, ao que tudo indica, nem entendeu que país visita.

 
MINISTRO RACISTA DEFENDE
COTAS PARA O LEGISLATIVO



Desde há muito tenho denunciado a mentira racial de que o Brasil é a segunda nação negra do mundo, depois da Nigéria. Mal foi eleito, o Supremo Apedeuta saiu arrotando urbi et orbi este sofisma. Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores e mandalete oficial, prestou-se a corroborar a safadeza: “Como declarou o presidente Lula, o estreitamento das relações com a África constitui para o Brasil uma obrigação política, moral e histórica. Com 76 milhões de afrodescendentes, somos a segunda maior nação negra do mundo, atrás da Nigéria, e o governo está empenhado em refletir essa circunstância”.

Ora, segundo o IBGE, no censo de 1999, a população negra do Brasil era de apenas 5,4%. Com o acréscimo de 39,9% do contingente de mulatos, o Brasil estaria perto de ser definido como um país majoritariamente negro, como aliás é hoje considerado por muitos americanos e europeus. É o efeito de um monstrengo jurídico, de autoria do senador Paulo Paim, o projeto de lei n° 3.198/2000, também chamado de Estatuto da Igualdade Racial. De uma só tacada, Paulo Paim extermina legalmente os mulatos do território pátrio: “Para efeito deste Estatuto, consideram-se afro-brasileiros as pessoas que se classificam como tais e/ou como negros, pretos, pardos ou definição análoga”.

Nesta armadilha de Paim, acabou caindo até mesmo o lúcido El País, que diz em sua edição de hoje:

“El Gobierno de Brasil, el segundo país con mayor población negra del mundo, tras Nigeria, ha emprendido una serie de medidas destinadas a acabar con las desigualdades raciales, desde las políticas de cuotas en las universidades públicas a medidas destinadas a promover el acceso a la salud y a los servicios básicos de esta población, pasando por la inclusión de la historia afrobrasileña en la educación primaria”.

Como fez o Planalto, o jornal espanhol extingue o mulato no Brasil. Em entrevista com Edson Santos, ministro de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, transcreve suas bobagens. Ao mesmo tempo em que se contradiz: “En los últimos años ha aumentado el porcentaje de brasileños que se definen como negros o mulatos hasta alcanzar el 50,6% de la población, según datos del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE)”.

Quer dizer: agora temos negros e mulatos. Mas para afirmar que o Brasil é a segunda maior população negra do mundo, os mulatos são dispensados. El País parece ter aderido a one drope rule, definição ianque que divide a população do país em preto e branco e abole legalmente a miscigenização.

Para o ministro racista, a relação com a África, por conta do tráfico de escravos, foi muito mais intensa que com os demais países da Europa. Além de omitir que os chefes de tribos africanos foram grandes responsáveis pelo tráfico, ao vender escravos ao Ocidente, Edson Santos passa a idéia de que nossa cultura foi formatada pela cultura escravagista da África e não pelas idéias de Estado de direito, liberdade, igualdade e democracia provindas da Europa. Segundo o ministro, o Brasil deve aos negros 350 anos de sua economia, porque apoiados no trabalho escravo. Ora, ocorre que o Brasil república não conheceu a instituição da escravatura. A Lei Áurea é de 1888 - coincidentemente da mesma época em que nos EUA vigiam as hediondas leis Jim Crow. A república foi proclamada em 1889. Se os negros querem indenização, a conta deve ser enviada a Portugal.

Mas o melhor da entrevista vem agora. Ao afirmar que 50% da população brasileira se declara negra – o que é grossa mentira – deplora que só 5% da representação parlamentar seja composta por negros. “Há 513 deputados no Congresso e só há vinte que se declaram negros. No Senado são 81 senadores e há dois que se declaram negros. Somos ainda uma exceção à regra da composição do Parlamento brasileiro”.

Que regra? Pelo que me consta, fora a eleição por voto, não há regra alguma que defina a composição do Parlamento. No fundo, o que o ministro está defendendo é estender a política de cotas na universidade ao Legislativo.

Isso sem falar que a representação negra no Parlamento, conforme os dados do IBGE, corresponde quase que exatamente ao percentual da população negra no Brasil.

sexta-feira, março 19, 2010
 
164 MIL SERVIDORES
SERÃO PREMIADOS
COMO CORRUPTOS



Em 1989, denunciei em cerca de vinte artigos, na imprensa catarinense e gaúcha, os desmandos administrativos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E por que a UFSC? Porque nela trabalhei e sabia do que falava. Denunciei 73 professores que faziam turismo no exterior. Quatro ou cinco anos em Paris ou Londres, despesas pagas para o bolsista e toda a família, mais salário e seguro saúde. Denunciei também outros tantos professores com dedicação exclusiva que mantinham consultórios ou escritórios privados, em geral médicos, dentistas e advogados. Houve inquérito administrativo, comissões de inquérito, entrega de folhas de pagamento à Receita Federal, etc. E tudo deu em nada.

Fui processado pelo então reitor, Bruno Schempler, pelas alusões que fiz à UFSCTUR, a mais generosa agência de viagens do país. Diga-se de passagem, a reitoria da UFSC é a única que conheço que tinha em seu prédio uma agência de turismo para uso exclusivo de seu corpo docente. O juiz que recebeu o processo, deu-me 48 horas para retratar-me ou comprovar minhas denúncias. Comprovei-as em 24 horas e o juiz desmanchou o processo. O Magnífico Reitor teve de tirar o cavalinho da chuva.

Não lembro agora quantos eram os professores com emprego duplo. Se não me falha a memória, seriam cerca de trezentos. Só na UFSC. Devo ter sido o único professor, na história da universidade brasileira, a denunciar como corrupta a universidade onde trabalhou. De lá para cá, 21 anos se passaram. Leio na Folha de São Paulo de ontem:

GOVERNO INVESTIGA 164 MIL SERVIDORES POR EMPREGO DUPLO

Segundo a repórter Julianna Sofia, da sucursal de Brasília, o governo federal descobriu indícios de irregularidade na ocupação de cargos por 164 mil servidores que também atuam no funcionalismo público de 12 Estados e do Distrito Federal.

“As suspeitas surgiram a partir de um levantamento inédito feito com o cruzamento da base de dados da União com os cadastros dos governos locais, e a regularização dos casos pode gerar uma economia de R$ 1,7 bilhão por ano. A Constituição permite que servidores públicos acumulem cargos somente se estiverem enquadrados na carreira jurídica, forem profissionais de saúde ou professores. A regra não vale para os funcionários contratados sob regime de dedicação exclusiva -condição comum entre os professores universitários. (...) O levantamento ainda apontou a existência de 17 servidores com cinco vínculos no funcionalismo, outros 252 com quatro cargos e 3.800 funcionários que estavam aposentados por invalidez em um órgão, mas em atividade em outro. Houve também a descoberta de 341 servidores ativos, aposentados e afastados em determinado órgão, que eram instituidores de pensão em outra repartição. Ou seja, já teriam morrido, gerando o benefício de pensão para a família”.

Pelo que sei, professor algum da UFSC foi punido por sua prática corrupta. Ninguém foi exonerado. Muito menos obrigado a devolver qualquer salário. Neste país nosso, em matéria de corrupção, quando se puxa um fio vem um novelo atrás. Se bem conheço os bois com que lavro, mais 164 mil servidores no país serão contemplados com a impunidade.

 
CADÊ A PAPISA JOANA?


Isso sem falar na crônica sexual dos papas. Comentei a história há quatro anos. A cortesã mais famosa do Vaticano foi certamente Lucrécia Bórgia, amante do pai, o papa Alexandre VI, e também de seu irmão, o cardeal César Bórgia. Rodrigo de Bórgia, como se chamava o pontífice eleito em 1492, graças à compra dos votos dos cardeais, foi quem patrocinou o famoso baile das castanhas, em que sessenta prostitutas nuas dançaram para os cardeais no Vaticano. Foram jogadas castanhas ao chão, e as bailarinas tinham de apanhá-las. Mas não com as mãos, diga-se de passagem. Foram concedidos prêmios aos homens que copulassem com mais mulheres naquela noite memorável.

Se o leitor quiser uma abordagem ficcional sobre Alexandre VI, pode procurar nas locadoras o belíssimo filme Contos Imorais, de 1974, do cineasta polonês Walerian Borowczyk. Enquanto Savonarola queima na fogueira, por ter denunciado os hábitos libertinos do Vaticano, uma Lucrécia nua (interpretada pela radiante Florence Bellamy), espichada sobre um corrimão do Vaticano, atende ao mesmo tempo o papa e o cardeal, estes devidamente paramentados com as vestes eclesiásticas. Tudo muito sacro e solene.

Isso sem falar no papado de Sérgio III, que inaugurou o período chamado pelos historiadores de pornocracia, como também de "reinado das prostitutas". Mas o melhor da crônica é a história da papisa Joana. Segundo cronistas, no século IX uma mulher teria assumido a curul pontifícia, como sucessora do papa Leão IV, com o nome de João VIII. Originária da Alemanha, vestiu-se de homem e assumiu o nome de João da Inglaterra. Ficou na história como a papisa Joana. Em uma procissão da basílica de São Pedro até Latrão, acometido das dores do parto, o papa caiu do cavalo e fraturou o crânio, tendo morte imediata.

A partir daí, as eleições papais exigiram a verificação do sexo do candidato. Antes da sagração, o eleito era instalado numa cadeira furada, o estercorário. O camerlengo passava então a mão pelo buraco, para examinar os documentos. Em caso positivo, proferia as palavras rituais: habemus papam. Para a Igreja, tanto a papisa quanto o estercorário não passam de lenda, logo esta Igreja que considera como fato a virgindade de Maria e sua assunção aos céus. Si non è vero è ben trovato. Lenda ou fato, vale a imagem.

Falar nisso, está faltando um filme nas telas do Brasil. Ano passado, o cineasta alemão Sönke Wortmann filmou o romance histórico A Papisa Joana, de Donna Woolfolk Cross, publicado em 1996. O filme foi concluído em julho passado e entrou nas telas alemãs em outubro. Cá neste país, sempre apressado em lançar abacaxis politicamente corretos tipo Avatar, sequer se ouve falar do filme de Wortmann.

Para os leitores que quiserem mais informações, avanço alguns títulos. Devo ter mais em minha biblioteca, mas estes já dão uma boa idéia do assunto:

Histoire de l'inquisition au Moyen Âge, de Henry Charles Lea, Paris, Robert Lafont, 2004 - um clássico, o precursor de toda a literatura sobre a Inquisição. 1458 páginas. Recomendo vivamente.

Enciclopedia de los herejes y las herejías, de Leonard George, Barcelona, Ediciones Robinbook, 1998.

La véritable histoire des papes, Jean Mathieux-Rosay, Paris, Jacques Grancher, 1991.

La chair, le diable et le confesseur, de Guy Bechtel, Paris, Librairie Plon, 1994.

The Female Pope, por Rosemary & Darroll Pardoe, Wellingorough, Crucible, 1988. Tradução ao espanhol: El Papa mujer - El misterio de la Papisa Juana, Barcelona, Ediciones Martinez Roca, 1990.

La Papisa Juana, de Emmanuel Royidis, Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 1973.

quinta-feira, março 18, 2010
 
MINC FINANCIARÁ
VAIDADES EM PAPEL



O contribuinte, que já financia o teatro e o cinema nacionais, passa agora a financiar revistas culturais. Leio no Estadão que um edital de apoio do Ministério da Cultura (MinC) está causando protestos no meio intelectual. Trata-se do Edital de Periódicos de Conteúdo Mais Cultura, lançado em 30 de setembro, e que teve 26 publicações habilitadas no último dia 19 de fevereiro. Dessas, apenas quatro serão escolhidas.

Tais revistas, que normalmente apenas são lidas pelos que nelas escrevem, só servem para afagar a vaidade de grupelhos regionais ou difundir ideologias. O edital destina-se a abastecer bibliotecas públicas, e pontos de cultura e de leitura, que desconheço o que sejam, mas ao que tudo indica servem para desencalhar publicações que ninguém lê. Dois milhões de reais serão destinados a publicações de “natureza cultural”. Foram escolhidas as revistas Rolling Stone, Caros Amigos, Brasileiros, a Piauí, Le Monde Diplomatique (não confundir com Le Monde, que é gente de boa família) e a revista de inglês Speak Up.

Ora, a primeira é uma revista que difunde não cultura, mas o mundo do show-business. A segunda é um panfleto que reúne velhos comunossauros da alta classe média paulistana e já recebe subsídios da Petrobras e Banco do Brasil. Brasileiros, não conheço. A Piauí, eu a vejo amarelecer nas bancas sem que ninguém a compre. Quanto ao Monde Diplomatique, é a tradução do jornal homônimo francês, dirigido por Ignace Ramonet, outro velho comunossauro francês, defensor de Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales e demais viúvas de Moscou. Ou seja, o MinC vai patrocinar, com o meu, o seu, o nosso, um jornal francês que defende a escória da humanidade.

Os concorrentes não habilitados estão furiosos com os critérios do edital, afinal não conseguiram enfiar a mão em nosso bolso. Segundo o Estadão, diversas revistas alternativas importantes, que penam horrores para chegar a parcos leitores, não foram habilitadas. Gracinha! São alternativas e querem mamar nas tetas do Estado. A falta de apoio teria vitimado várias, caso da Ontem Choveu no Futuro, de Campo Grande, que só teve um número; a Entretanto, do Recife; a Babel, de Santos; a Etcetera e a Oroborus, de Curitiba, e a Pulsar, do Maranhão. Outras, como a Polichinelo do Pará e a Azougue e a Inimigo Rumor, do eixo Rio-São Paulo, resistem a duras penas.

Rodrigo Garcia Lopes, editor da Coyote, desconhecida revista de Londrina, que só existe graças a subsídios do município, está frustrado com o resultado. "O edital privilegia revistas comerciais, que estão no mercado, e acaba inviabilizando revistas de conteúdo realmente cultural, de criação. Será que a Rolling Stone, a Speak Up e uma revista como a Piauí, que têm uma infraestrutura por trás, um instituto, realmente precisam de incentivo fiscal? É como se fizesse uma política agrária para o latifúndio e deixasse o pequeno agricultor morrer à míngua. Isso é um erro terrível, num governo popular e democrático como este."

Está querendo dizer que uma revistinha literária tem a mesma importância que a agricultura. Que poesia de meninos desocupados é tão importante quanto trigo ou soja. Alguém ouviu falar dessas revistas? Seus editores pretendem vender publicações que não têm leitores que as sustentem nem justifiquem suas existências. Ficarão mofando em bibliotecas, para afagar a vaidade de escritores sem público. Tudo isto nestes dias de Internet, em que uma publicação virtual tem custo zero e pode ser lida em qualquer lugar do mundo.

O MinC informou que pretende reavaliar o edital numa próxima edição, mas manteve a decisão da comissão julgadora. Também estuda ampliar o volume de recursos para o patrocínio da mediocridade nacional. Traduzindo: o contribuinte será assaltado com mais virulência para a difusão de vaidades em papel.

 
SOBRE ARGENTINOS


Uma das coisas desagradáveis, não só em São Paulo como no país todo, são as cartas de vinhos hostis de certos restaurantes. Para brasileiros provincianos, que jamais saíram do país e que desconhecem os preços de vinhos na Europa, deve até inflar o ego pagar 300, 400, 500 reais – ou 5.000 ou 10.000, se quiserem – por uma garrafa. Não é meu caso. Prefiro ir à Europa.

O suplemento Paladar do Estadão de hoje traz uma lista de vinhos bascos, com preços traduzidos em reais, na Espanha, de importador e no Brasil. Les voilà:

Espanha - Importador - Restaurante (SP)

Contino 55 - 158 - 295
Ardanza 50 - 198 - 262
Viña Real 34 - 132 - 220
Riscal 35 - 115 - 152
Cañas 30 - 104 - 180

Ou seja, da Espanha até o importador, o preço triplica ou quadruplica. Do importador ao restaurador, dobra ou quase dobra. O Contino, por exemplo, que na Espanha sai 55 reais, num restaurante de São Paulo custará 295. Mais que quintuplica. 295 menos 55, igual a 240 reais. Considere esta diferença em cinco garrafas de vinho. Dá 1.200 reais. Que é praticamente o que custa um vôo São Paulo-Madri-São Paulo, que está em torno de U$ 700. Uma vez na Espanha, você poderá tomar 54 garrafas de Contino pelo que pagaria por dez em um restaurante em São Paulo. Em restaurantes centenários, cheios de charme e de história. E depois os restauradores se queixam de que tomar vinho não é hábito usual de brasileiros.

Me recuso terminantemente a pagar 300 reais por um vinho no Brasil. Prefiro viajar e esbaldar-me in loco, lá onde a vinha foi plantada e colhida. Para quem não viaja, pode parecer insólito. Mas é mais barato comer e beber em Madri, Roma ou Paris do que em São Paulo. Eu, que abomino vinhos nacionais, lá só tomo vinhos nacionais.

Conheço que pessoas que viajam para comer e beber. É uma idéia. Diga-se de passagem, é mais ou menos o que tenho feito nos últimos anos. Com uma ressalva: talvez nem tanto para comer e beber, mas para revisitar cafés e restaurantes onde um dia confraternizei, filosofei, namorei, li e escrevi. Em suma, lugares onde fui feliz.

De uma amiga, daquelas que viajam para comer e beber e fazem um diário gastronômico, anotando e dando notas ao que foi comido e bebido, recebi uma lista de excelentes argentinos, publicada pelo boletim eletrônico Argentine Wines, a preços humanos. Isto é, abaixo de 25 pesos (menos de sete dólares ou 15 reais). Degustei alguns, aprovei e os repasso ao leitor chegado ao sangue das uvas.

Os preços indicados são em pesos argentinos para compra em lojas especializadas.


1. FINCA EL PORTILLO MALBEC 2008
Bodega Salentein - Mendoza - $ 19
Una delicia frutal, de carácter suave y aromas refrescantes. Sencillo y fácil de beber, es una explosión de frutas rojas con taninos dulces que acarician el paladar. Ideal para regalarse a diario y muy recomendable para reuniones informales.

2. NIETO SENETINER BONARDA 2006
Bodega Nieto Senetiner - Mendoza - $ 25
Frescura y simpleza son las cualidades de este Bonarda que regala fruta con mucha generosidad. Suave pero con cuerpo, con taninos maduros pero firmes, tiene lo que un vino necesita para acompañar las comidas de cada día, es agradable y fácil de beber.

3. SANTA JULIA TEMPRANILLO 2008
Bodega Familia Zuccardi - Mendoza - $ 17
Riquísimo, se destaca por su frescura y delicioso sabor. Es suave, con taninos dulces y equilibrada acidez, gracias a la excelente madurez de la fruta. Ideal para compartir con amigos durante todo el año.

4. SAURUS PINOT NOIR 2008
Bodega Familia Schroeder - Neuquen - $ 23
Amable, frutal y muy buen exponente de la cepa. Desprende aromas intensos a frutas rojas y su sabor es suave, jugoso, ágil y redondo. Ideal para acompañar pastas frescas con tomate o abadejo con vegetales de estación en cualquier época del año.

5. QUARA CABERNET SAUVIGNON 2008
Bodega Finca Quara -Salta - $ 14
Joven, moderno y digno del nuevo mundo, al beberlo se sienten los taninos maduros y un leve tostado. Su estructura suave armoniza con el delicado aporte del roble y brinda una agradable sensación de dulzura.

6. SANTA FLORENTINA SYRAH 2008
Bodegas La Riojana - La Rioja - $ 15
De carácter amable y especiado, con aromas de gran frescura. Liviano, de cuerpo ágil, taninos suaves y sensaciones dulces. Simple, rico y fácil de beber, ideal para acompañar almuerzos y cenas de todos los días.

7. CALLIA ALTA MALBEC 2008
Bodegas Callia - San Juan - $ 16
Tinto fresco y elegante que se destaca por sus taninos dulces y aromas a fruta confitada con toques especiados y notas de regaliz, sabor profundo y final aterciopelado. Es tan versátil que acompaña desde pastas hasta carnes grilladas.

8. ALMA MORA SYRAH 2008
Bodega Finca Las Moras - San Juan - $ 15
Se distingue por su frescura y carácter informal, sus intensos aromas florales y su cuerpo suave y liviano, con taninos dulces y acidez bien integrada a la fruta. Riquísimo y con estilo propio. Ideal para conocer y recomendar.

9. LURTON BONARDA 2007
Bodega François Lurton - Mendoza - $ 25
Delicioso y amable, de cuerpo ágil, taninos suaves y sabor persistente. Su firme acidez le permite ser un buen compañero de empanadas de todos los gustos, aunque es tan versátil y agradable de beber que acompaña muy bien las comidas de todos los días.

10. CRISTOBAL 1492 MALBEC 2007
Bodega Don Cristóbal 1492 - Mendoza - $ 25
Moderno, delicado y muy bien elaborado. Sus intensos aromas frutados se mezclan con dejos especiados y su sabor se prolonga por largo tiempo; en la boca es exquisito, suave, fresco y frutado, con taninos dulces y equilibrada acidez.

Tim-tim, leitor!

quarta-feira, março 17, 2010
 
HIENAS COMEM NO
RASTO DOS LEÕES



Em 29 de agosto de 2009, escrevi:

MARINA MORENA MARINA,
VOCÊ SE PINTOU


Não sei se o leitor notou, mas todos os eventuais candidatos à Presidência da República em 2010 são de extração marxista. José Serra, que hoje posa de tucano liberal, foi um dos fundadores da Ação Popular (AP), um dos braços marxistas da Igreja Católica. Dilma Roussef, hoje petista, foi terrorista dos quadros do COLINA e da VAR-Palmares. Já Ciro Gomes, que declarava em meados de agosto estar pessoalmente decidido – “eu já escolhi. Sou candidato à Presidência” – fez percurso inverso. Iniciou sua carreira na Aliança Renovadora Nacional, a famigerada Arena que deu sustentação à ditadura militar, girou bolsinha no PPS, atual nome de guerra do antigo Partido Comunista Brasileiro e hoje faz ponto no PSB, também de origens marxistas. (...)

Agora vem o melhor. De católica-marxista fervorosa, Marina morena migrou para a Assembléia de Deus. Interrogada sobre se é partidária do criacionismo, em oposição ao evolucionismo, saiu pela tangente: “Eu creio que Deus criou todas as coisas como elas são, mas isso não significa que descreia da ciência. Não é necessário contrapor a ciência à religião. Há médicos, pesquisadores e cientistas que, apesar de todo o conhecimento científico, crêem em Deus”.

(...) É hora de evocar Caymmi: “Marina morena Marina, você se pintou”. Era vermelha e virou verde. Pelo menos por fora. Por dentro, continua vermelha e obscurantista.

Escreve hoje em sua coluna, sete meses depois, o recórter chapa-branca tucanopapista hidrófobo de Veja:

MARINA MORENA, MARINA, VOCÊ SE PINTOU!

quarta-feira, 17 de março de 2010 | 20:14

É preciso ler primeiro o post abaixo, que dá conta do esforço de Marina junto aos formadores de opinião — alguns, a minoria, de apelo popular.


O recórter chapa-branca tucanopapista hidrófobo tem boa memória. É a chispa da ferradura quando bate na calçada, como diria Agripino Grieco.

 
SÓ O QUE GRITA É PECADO


Não bastasse esse brilhante latinório puxado do fundo do baú, os delicta graviora, monsenhor Charles Scicluna encontrou outra palavrinha para minimizar as acusações de pedofilia feitas aos ministros da Santa Madre. "Cerca de 60% dos casos, tratam-se de atos de efebofilia, isto é, atração física por adolescentes do mesmo sexo. Em 30%, relações heterossexuais e para os 10% restantes, verdadeira pedofilia". Monsenhor parece balizar a gravidade dos delicta graviora por faixa etária. Como se fosse mais ou menos criminoso violar uma criança ou um adolescente. O complacente monsenhor ainda afirma que, em nove anos, os casos do padres acusados de pedofilia são então cerca de 300, sobre "400 mil padres diocesanos e religiosos no mundo. Certo, mas é preciso constatar que o fenômeno não é tão expandido como se pretende fazer crer".

Não é bem o que nos conta a imprensa. A Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana está gastando bilhões de dólares com indenizações às famílias das vítimas. Só em 2008, a Igreja Católica dos Estados Unidos gastou US$ 430 milhões com indenizações por abuso sexual cometido por padres.

Vítimas de abuso sexual cometido por padres em Los Angeles receberam mais de US$ 1,5 bilhão — mais do que qualquer outra diocese dos Estados Unidos já pagou em indenizações. A Arquidiocese de Portland, no Oregon, decretou falência, tornando-se a primeira diocese da Igreja Católica americana a tomar esta medida por causa das acusações de abuso sexual. O pedido de falência teve a intenção de paralisar uma ação de abuso cometido por um padre que estava sendo julgada em Portland. A ação envolvia Maurice Grammond, acusado de molestar mais de 50 garotos na década de 1980. Autores de duas ações envolvendo Grammond pediram uma indenização de mais de US$ 160 milhões.

Isso sem falar nas indenizações que foram negociadas na Irlanda, Alemanha e Áustria. As bolas da vez, agora, são a Suíça – com cerca de sessenta acusações de abusos sexuais – e a Itália, onde está a raiz da infâmia.

Mas que ninguém se surpreenda com estes fatos. Constituem velha tradição da Santa Madre. No século XVII, na mesma Regensburg (Ratisbona) em que o irmão de Sua Santidade regia um coral de meninos submetidos a abusos sexuais, dizia o missionário franciscano Bertoldo: “É bastante freqüente que os bispos tenham filhos, muitos ou poucos”. Um tal de Enrique, bispo de Basiléia, deixou em sua morte vinte rebentos. O bispo de Lüttlich – que, a bem da verdade, acabou sendo destituído – deixou sessenta e um. Cifra de enrubescer o bispo presidente do Paraguai.

As amantes de religiosos chegaram a entrar para a história das artes. Káthe Stolzenfels e Ernestine Mehandel, concubinas do cardeal Alberto II, de Mannheim (Mogúncia, em português) foram imortalizadas por Durero, como as filhas de Lot. Káthe foi ainda homenageada por Grünewald, ao ser retratada como “Santa Catarina no matrimônio místico”. E Lukas Cranach pintou Ernestine como Santa Úrsula e o próprio cardeal como São Martim.

Verdade que alguns padres foram punidos por seus excessos. Mas nem tudo é pecado na Igreja. Alexandre II ensina a seus sacerdotes em 1065: não tratamos nada além dos casos conhecidos e notórios. O que acontece em segredo só Deus sabe, e é ele quem tem de considerá-lo. Ou, como dizia um certo Panizza: o que acontece em segredo não aconteceu. Só o que grita é pecado.

Estes dados, eu os extraio de Das Kreuz mit der Kirche – Eine Sexualgeschichte des Christentums, de Karlheinz Deschner. (Estou lendo a tradução espanhola, Historia Sexual del Cristianismo). São 480 páginas descrevendo a lubricidade de papas, bispos e padres durante os séculos de existência da Igreja Católica. Claro que não posso reproduzi-las, fica a recomendação de leitura. Mas não me furtarei a alguns tópicos.

“A maioria dos religiosos de certa hierarquia – continua Deschner – se sentiam comprometidos. Certo bispo de Fiesole do século XI vivia rodeado de uma tropa de concubinas e filhos. O bispo Iuhell de Dol contraiu matrimônio publicamente e dotou suas filhas com os bens eclesiásticos. Durante o papado de Inocêncio III (1198 – 1216), o arcebispo de Besançon, cujas extorsões haviam levado o clero de sua diocese à mais extrema pobreza, manteve uma relação com uma parente consanguínea, a abadessa de Reaumair-Mont e deixou grávida uma monja, além de deitar-se com a filha de um religioso, como era público e notório. Pela mesma época, costumava celebrar suas orgias o arcebispo de Bordéus, um personagem que se dedicava a saquear todas as igrejas, monastérios e vivendas privadas dos arredores com uma banda de ladrões.

“No século XIII, o papa Inocêncio III diz que os sacerdotes são mais imorais que os leigos; Honório III assegura que estão corrompidos e conduzem os povos à perdição; Alexandre IV afirma que as gentes, em lugar de serem corrigidas pelos religiosos, são completamente corrompidas por eles. Os clérigos apodrecem como gado no esterco, outra preciosa sentença papal do século XIII. A meados do mesmo século, o dominicano e mais tarde cardeal Hugo de Saint Cher diria na conclusão do Concílio de Lyon, em 1251: amigos meus, fomos de grande proveito para esta cidade. Quando chegamos, só encontramos três ou quatro prostíbulos; no momento da partida, só deixamos um. Mas este abarca de um extremo ao outro da cidade”.

Isto é só uma diminuta mostragem. Como disse, o livro de Deschner se estende por 480 páginas, cada uma repleta de abusos e desmandos por parte da hierarquia católica. Com o tempo e com a exigência mais severa de celibato, os padres se resguardaram de seus assaltos às mulheres. E se dedicaram à parte mais indefesa do rebanho, as criancinhas.

Nada de novo sob o sol. O que estamos vendo, nas atuais denúncias de pedofilia nos jornais, é apenas a parte emersa do iceberg. Só o que grita é pecado.

terça-feira, março 16, 2010
 
IMPRENSA CANONIZA
SANTO BISPO GLAUCO



Ao que tudo indica, o assassinato do cartunista da Folha elevou o Santo Daime a um status de nobreza. Enquanto os jornais conferem uma condição de vigaristas a criadores de igrejas como Edir Macedo, R. R. Soares, Silas Malafaia, Estevam Hernandes, Glauco é tratado como líder religioso. Diz Chico Caruso, colega de tirinhas: “Conheci o Glauco no Salão de Humor de Piracicaba. Tinha um espírito anárquico, suas charges eram muito engraçadas e jovens. Era surpreendente que fosse tão iconoclasta e ao mesmo tempo bispo de uma igreja”.

A revelação é de Caruso. A imprensa jamais nos contou que o cartunista era bispo. Talvez porque ser bispo seja um tanto incompatível com ser irreverente? Ou quem sabe se porque ser bispo hoje em dia não recomenda ninguém? A Folha de São Paulo costumava pôr a palavra bispo entre aspas, quando se referia a Edir Macedo. Para Glauco, aspas nenhuma. Diz o portal Terra:

“Na casa de Glauco, eram realizados cultos da Igreja Céu de Maria, que segue a filosofia do Santo Daime, prática religiosa cristã, ecumênica, que repudia todas as formas de intolerância religiosa. Os seguidores tomam o chá conhecido por esse nome. Para eles, a bebida amplia a capacidade perceptiva, criativa, cognitiva e de discernimento, elevando a consciência do ser humano”.

De repente, não mais que de repente, o Santo Daime, um culto estúpido criado por um seringueiro analfabeto, vira prática religiosa cristã. E a ayahuasca vira bebida que amplia a capacidade perceptiva, criativa, cognitiva e de discernimento, elevando a consciência do ser humano. Só o que faltava uma lavagem emética ampliar qualquer capacidade perceptiva. Capacidades intelectuais só se ampliam com uma coisa chamada leitura. Não com chás de cipó ou ervas outras, como pensa certa intelectuália.

Isso sem falar que bispo Glauco deu o nome de Raoni a seu filho, também assassinado. Ora, nos anos 80 o homenageado Raoni, cacique txucarramãe, exibia orgulhosamente aos jornais a borduna com que matou onze peões de uma fazenda. Não só permaneceu impune, totalmente alheio à legislação brasileira, como foi recebido com honras de chefe de Estado na Europa. O papa João Paulo II, François Mitterrand e os reis da Espanha, entre outros, o receberam como líder indígena. Raoni, com seus belfos, se deu inclusive ao luxo de expor sua pintura em Paris. Um dos quadros do assassino atingiu US$ 1.600 em uma lista de preços que começava a partir de mil dólares. No final do ano passado, Raoni recebeu o título de Dr. Honoris Causa pela UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso). Enfim, isso de universidades homenagear assassinos está virando praxe acadêmica. Fidel Ruz Castro é Dr. Honoris Causa pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Pai que faz reverências a um assassino, boa gente não pode ser.

Há pessoas que atraem sua própria morte. Ora é a mulher que casa com um marido ciumento, a menina que opta por um macho possessivo, a mãe que dá apoio a um filho drogado. Ou o bispo que cria um fiel mais fanático – ou mais vigarista – do que ele mesmo. Parece ter sido o caso de bispo Glauco. Em vídeo gravado para a Bandeirantes, declarou o criminoso: “Vão me foder com a vida. Aí, eu peguei e falei: você fodeu com a minha. Demorou, vou foder com a sua também. Aí, atirei nele. Aí, o filho dele veio para cima de mim. Atirei no filho dele também."

Ou seja, há mais coisas neste crime do que a nossa vã imprensa presume. Ou omite. Mas a mentira tem pernas curtas. Mais dia menos dia virá à tona o que aconteceu no templo do cartunista. Todo criador de religiões é um vigarista, vide Paulo de Tarso. A Folha está canonizando bispo Glauco. Será porque Otavio Frias Filho um dia degustou o cipó místico? Ou porque os redatores da Folha são simpáticos a certas ervas?

Difícil saber. O fato é que a imprensa está absolvendo um vigarista, só porque além de pertencer a seus quadros, foi assassinado. Acontece que ser assassinado não é critério de santidade.

Muito menos de honestidade, que é algo muito diferente.

segunda-feira, março 15, 2010
 
VEJA ASSUME ESTUPIDEZ
DO MUNDO PUBLICITÁRIO



Veja está perdendo credibilidade a passos rápidos. É uma pena, pois foi uma das boas revistas que o Brasil já teve. Comentei há pouco o absurdo de uma pesquisa publicada incluir a posse de videocassetes como índice definidor de classe social. Um leitor atento e que conhece os bois com que lavra me alerta. Que tais critérios seriam critérios da ABEP:

Essa pesquisa tem um único objetivo: medir potencial de consumo. Ela é desenvolvida a fim de criar uma diferenciação para fins de publicidade, para saber o tamanho do mercado de determinados perfis de consumidor e, assim, servir de embasamento para equipes de venda e marketing (bem como agências de publicidade). Utilizá-la para qualquer outra coisa é uma asneira tão grande quanto querer usar a 2ª lei da termodinâmica para explicar a louça não lavada na pia.

O problema, como de praxe, somos nós, jornalistas, e sua costumeira incapacidade de se ater à letra pequena e dar o devido contexto às coisas. Utilizar o critério da ABEP para uma classificação sócio-econômica, como costuma acontecer em matérias de jornal, é coisa de preguiçoso.


Toda razão ao leitor. Veja anda muito preguiçosa. Tanto que acaba de voltar à sua coluna aquele correspondente plagiador de Paris. Plagiador é sinônimo de preguiçoso. Em vez de buscar, pesquisar, o plagiador traduz textos de outros jornalistas. E, pelo jeito, o “correspondente” em Paris nem francês entende. Pois plagia sempre do inglês. Soube que minha denúncia de seus plágios chegou aos editores da revista. Ao que tudo indica, plágio se tornou recurso admissível no jornalismo. O ágil correspondente, em sua coluna de hoje, transcreveu notícias sobre as eleições de ontem na França que todos os jornais já haviam publicado. Não é para isso que se tem um correspondente no Exterior. Veja vai de mal a pior.

Volto à pesquisa. Vou ao site da ABEP e leio que a tal de Associação Brasileira de Estudos Populacionais “é a realização concreta de idéias gestadas com o objetivo de criar no Brasil uma associação que tivesse por finalidade congregar os estudiosos de população para fomentar, ampliar e fortalecer o intercâmbio científico na área de Demografia e o conhecimento da realidade demográfica nacional”.

Estabelecida legalmente em 20 de outubro de 1977, teria por objetivos:
1. promover, através do aproveitamento de todos os meios científicos, tecnológicos e institucionais ao seu alcance, o desenvolvimento dos estudos demográficos;
2. promover o conhecimento da realidade demográfica brasileira e o reconhecimento da ação dos profissionais envolvidos com estudos populacionais;
3. aprofundar os estudos científicos da população, mediante o fomento das investigações e estudos, visando contribuir para o desenvolvimento de novas técnicas metodológicas e normas para a solução de problemas demográficos em todos os seus níveis de ação;
4. incentivar o treinamento de especialistas em estudos populacionais.

Mais ainda: “constituindo-se na única associação do gênero no país, extrapolou seus objetivos, conquistou espaços, transpôs fronteiras. É hoje, o exemplo de entidade científica que deu certo e referência nacional e internacional de seriedade de trabalho dos seus associados”.

Traduzindo: grossa picaretagem envolta em palavreado acadêmico. “Meios científicos, tecnológicos e institucionais, conhecimento da realidade demográfica brasileira, estudos científicos da população, especialistas em estudos populacionais, desenvolvimento de novas técnicas metodológicas, exemplo de entidade científica”. No fundo, uma malta de publicitários que querem vender seus peixes podres. Seriedade coisa nenhuma.

Porque de grossa picaretagem não passa uma instituição que define classes sociais a partir de potencial de consumo. Potencial de consumo que é fictício, afinal todo mundo vive pendurado no crédito e cartões de crédito. Tal pesquisa não pode ser apresentada como definição de classe social. É a publicidade invadindo o território que deveria ser da informação, uma das piores pragas que empesta o jornalismo contemporâneo.

Não deposito confiança nos critérios de tais pesquisas. São itens que não denotam classe social alguma. A pesquisa não considera a posse de uma biblioteca, viagens, conhecimento de línguas, nem mesmo saldo bancário, que me parecem ser mais definidores de classe social que um rádio ou televisor. Ou os tais de videocassetes, que nem mais existem. O teste se resume a itens de consumo, não por acaso os objetos de desejo de brasileiros panacas. Os parâmetros do teste de Veja são os parâmetros da mediocridade nacional.

Tenho amigos com pós-graduação no Brasil ou no Exterior, com bom patrimônio, que não têm carro nem rádio nem televisão. (Sem que isto seja um critério de amizade: salvo raras exceções, meus amigos não têm carro). Bateram pernas pelo planetinha todo e vivem em apartamentos modestos. São pessoas que preferem os prazeres do espírito aos bens materiais. A que classe social pertence alguém que conhece o mundo todo, mas não tem carro nem televisão? Isto o teste de Veja não avalia.

Em meus dias de Porto Alegre, conheci um professor do Júlio de Castilhos. Como todo professor, eram parcos seus ganhos. Nós o chamávamos de Padre, pois havia passado por seminário. Vivia precariamente em uma kitchenette. Economizava todos seus salários para assistir óperas na Europa. Quando estimulado a falar sobre óperas, se iluminava. Conhecia todas as salas mais reputadas do continente e digredia com sumo prazer sobre cada diva, cada regente, cada encenação. A que classe social pertence o Padre, que vivia em um cubículo em Porto Alegre, mas conhecia quase todas as salas de ópera da Europa? Isto o teste de Veja não avalia.

Para publicitários, cultura, conhecimento, finesse, não constituem bens. Prostitutas do mercado, para eles bem é carro, televisão, rádio, videocassete. Objetos perfeitamente dispensáveis por toda pessoa culta. Ocorre que cultura, hoje, não vale nada. Temos um caso emblemático no Brasil, o analfabeto aquele que dirige o país.

Veja vai mal. Um jornal de tal porte devia fazer apelo à inteligência, não à estupidez.