¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, outubro 23, 2010
 
SERIA JEOVÁ NEONAZISTA?


Uma das coisas boas do jornalismo on line é que um artigo fica permanentemente ao alcance dos leitores. No jornalismo em papel, para reencontrar uma crônica, só pesquisando em arquivos. Na Internet, está sempre ao alcance de um ou dois cliques. Tenho recebido retorno de crônicas que escrevi há vários anos. Em setembro do ano passado, por exemplo, escrevi sobre a cerimônia judia das Kaparot, o galinocídio judeu.

Nos tempos bíblicos, havia o Azazel, lugar no deserto para o qual era enviado pelo Grande Sacerdote um entre dois bodes, durante o Yom Kippur celebrado no templo de Jerusalém. Este bode devia portar consigo todos os pecados de Israel, daí o conceito de bode expiatório. Nenhum dos dois bodes tinha alguma chance. Um era sacrificado e o outro enviado a Azazel, onde seria morto. Tudo muito confortável: você peca e debita seus pecados ao bode. Segundo os sábios do Talmude, a lei de Azazel pertence à categoria dos houqquim, as leis que o intelecto humano não pode compreender.

Mas Israel um dia abandonou o deserto e invadiu as urbes do Ocidente. Como não é fácil criar bodes na cidade, sobrou para os galináceos. Nas vésperas do Yom Kippur, todo judeu adulto deve pegar pelo pescoço uma galinha (para as mulheres) ou um galo (para os homens), girar a ave três vezes em torno à sua cabeça, dizendo: “Esta é minha expiação, esta é minha redenção, esta é minha substituição. Este galo (esta galinha) será morta, enquanto eu terei uma vida longa e feliz”. Logo após degola-se a ave que é dada aos pobres, a menos que seu valor seja dado a uma obra de caridade. Para uma mulher grávida, sacrifica-se um galo e uma galinha. As entranhas são jogadas aos pássaros, o que também é considerado uma obra de caridade. Os pecados do penitente são assim transferidos simbolicamente à ave, salvando o judeu de um eventual julgamento negativo no Yom Kippur. A galinha, que nada tinha a ver com o peixe, faz o papel do bode.

Recebi ontem uma contestação de um leitor judeu, daqueles que escrevem D’us em vez de Deus. Diz o leitor: “Essa prática do Kaparot não é compartilhada por todos os judeus, e é, na verdade, desestimulada pelo simples motivo de que uma das profecias para a vinda do Mashiach diz que toda a humanidade será vegetariana e os animais respeitados e tidos como amigos e companheiros. Logo, como o senhor vê, infelizmente, existem ainda judeus que também ainda não se deram conta (tomaram consciência) dessa verdade. E também tal prática vai de encontro às instruções na Torah que educam no sentido de não maltratar animais. O fato de toda a humanidade se tornar vegetariana é um dos motivos de não aceitarmos jesus como o meshiach, que também será alguém de carne e osso e não um deus que se faz carne...”

Confesso que essa do Messias vegetariano eu desconhecia. Deve ser obra de algum profeta contemporâneo, daqueles voltados para o Oriente e para o budismo. Seja como for, soa muito estranho em uma religião cujo centro, o Templo, era um verdadeiro açougue onde se sacrificavam desde pombas até bois, ovelhas e bodes. Sacerdote não trabalha, não planta nem cria gado, mas tem de comer. A melhor carne ia para eles, o que sobrava para Jeová. O templo provavelmente exalava um odor abominável. Estes sacrifícios só terminaram com a destruição do Templo pelos romanos, em 70 D.C. Só não valia porco. É a vantagem de ser considerado animal imundo. Quando o Templo foi profanado por Antíoco IV, que mandou sacrificar uma porca sobre o altar, o incidente deu origem à revolta dos Macabeus.

Meu leitor é judeu, mas parece não ter lido o Livro. Sua mensagem demonstra desconhecimento total da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento. Vou me ater a apenas dois pontos mais. O leitor afirma: “jesus é só uma máscara muito bem confeccionada, pois, no fundo, prega justamente o contrário: ódio aos judeus, ódio a satanás, ódio a outros povos”.

Em texto de quem escreve D'us em vez de Deus, suponho que a minúscula em Jesus - duas vezes repetida - seja intencional e não mero erro de digitação. Os ortodoxos não suportam dissidências. Ora, quem apregoava ódio a outros povos era o deus do leitor, o bom Jeová. Já na Torá, encontramos incitações ao genocídio a toda hora. Jeová ordena Israel a matar os amorreus, heteus, ferezeus, cananeus, heveus, jebuseus, mais tribos do que massacrou Maomé. O bom deus dos judeus e cristãos manda massacrar, arrasar, degolar, destruir cidades, matar tudo que respire. Quanto a ódio aos judeus, só o santo homem Moisés mandou degolar três mil judeus. No Novo Testamento, no Apocalipse, o Cordeiro volta para exterminar o que sobrou da humanidade. Maomé, que também ordenou grandes degolas, deve ter-se inspirado na Bíblia.

O leitor continua: “Seu comentário é muito grosseiro, pois acusa os judeus de várias coisas, inclusive de incivilização, e é lamentável que se dirija aos mesmos como sendo 'uma raça'. O senhor precisa se reciclar, pois o conceito de raça não existe na espécie humana, e foi abandonado já há muito tempo, sendo mantido apenas por neonazistas e figurinhas afins: todos uns vermes, diga-se de passagem”.

Pelo jeito, os santos profetas bíblicos eram também vermes, neonazistas e figurinhas afins. Pois nos diz Esdras: “Ora, logo que essas coisas foram terminadas, vieram ter comigo os príncipes, dizendo: O povo de Israel, e os sacerdotes, e os levitas, não se têm separado dos povos destas terras, das abominações dos cananeus, dos heteus, dos perizeus, dos jebuseus, dos amonitas, dos moabitas, dos egípcios e dos amorreus; pois tomaram das suas filhas para si e para seus filhos; de maneira que a raça santa se tem misturado com os povos de outras terras; e até os oficiais e magistrados foram os primeiros nesta transgressão.

Esdras não fala apenas em raça, mas em raça santa, isto é, uma raça superior às demais raças. Se estou bem lembrado, já ouvimos falar disto no século passado. Diz Jeremias: “ E procuras tu grandezas para ti mesmo? Não as busques; pois eis que estou trazendo o mal sobre toda a raça, diz o Senhor; porém te darei a tua vida por despojo, em todos os lugares para onde fores”.

Não bastasse isto, temos em Atos, já no Novo Testamento: “Enquanto se aproximava o tempo da promessa que Deus tinha feito a Abraão, o povo crescia e se multiplicava no Egito; até que se levantou ali outro rei, que não tinha conhecido José. Usando esse de astúcia contra a nossa raça, maltratou a nossos pais, ao ponto de fazê-los enjeitar seus filhos, para que não vivessem”.

Nossa raça. Certamente não é a raça de cristãos, pois cristianismo nada tem a ver com raça. Cristão é quem professa o cristianismo. Judeu é quem nasce de mãe judia. Lemos na Epístola aos Romanos: “Mas é a vós, gentios, que falo; e, porquanto sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério, para ver se de algum modo posso incitar à emulação os da minha raça e salvar alguns deles”.

Minha raça. Paulo é judeu. Ou ainda em Coríntios: “Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha raça, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar”.

Minha raça, diz de novo o judeu Paulo. Se o leitor tivesse lido com atenção a Bíblia, pelo menos uma vez na vida, talvez entendesse pelo menos um pouco da doutrina que professa. Ou diz professar.