¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, abril 24, 2010
 
MESQUINHARIA NO AR
COBRA CENTÍMETROS



Seria de supor-se que voar seja hoje mais confortável que há cinqüenta anos. Deveria ser. Mas não é. Hoje, o mais detestável de qualquer viagem mais longa é o vôo. Começa pelo gigantismo dos aeroportos. Heathrow, sem ir mais longe, espero nunca mais ver em minha vida. Barajas também já está desconfortável. Mesmo Orly. Já saí às seis da manhã de um hotel para chegar às dez no portão de embarque, sem tempo de tomar café.

Fora o desconforto dos vôos. Espaços cada vez mais estreitos entre uma poltrona e outra. Cardápios cada vez mais pobres. Isso sem falar nos vôos em que você tem de pagar o que come. Se ao menos pagasse por algo decente, vá lá. Nada disso. Você paga caro, em moeda forte, por uma gororoba abominável.

A classe média e classes mais abaixo estão descobrindo os prazeres das viagens, financiadas a perder de vista. Em regime capitalista honesto, uma procura maior significaria preços menores. Quanto mais clientes, mais baratos os serviços, esta seria a lógica. Não é o que está acontecendo. As empresas estão começando a cobrar por gramas e centímetros. Há aéreas hoje em que você paga caro para transportar além de vinte quilos.

Até aí, nada contra. Vinte quilos me parece bagagem bem mais do que sensata para uma viagem. Quem vos fala viaja com seis, sete ou oito quilos no máximo. Duas calças na mala, quatro ou cinco camisas, cuecas e meias e estamos conversados. O casaco vai no corpo. Sapatos também. Concedo às damas mais um ou dois quilos, cosméticos pesam. Quando vejo, em aeroportos, passageiros com três ou quatro malas de cerca de vinte quilos, aposto e dificilmente erro: são brasileiros. Brasileiro, de modo geral, ainda não aprendeu a viajar. Claro que caipiras existem em todos os quadrantes. Mas no Brasil são mais. Quem viaja com 50 ou 60 quilos de bagagem, que me desculpe: é sacoleiro. Estou falando de turistas, bem entendido. Não de pessoas que estão trocando de país.

Já tive medo de aviões e vivi longas horas de terror enquanto voava. Sem conseguir dormir. Consegui exorcizar meus medos. Minhas horas hoje são de tédio e desconforto. As empresas oferecem alternativas de lazer, filmes, joguinhos de computador e música variada, inclusive óperas e erudita. Filme de bordo é mediocridade na certa. Jogos, nunca me interessaram. E ouvir uma ópera com aquele ruidozinho do vôo ao fundo não é opção para quem gosta de música. A única coisa que curto em um vôo é aquela progressão do avião na geografia. Mas isso acaba cansando. Me encerro então em soníferos. Me apago e acordo na chegada.

A mesquinharia está invadindo os ares. Houve época em que, sabendo os números das poltronas mais confortáveis, você podia reservá-las, desde que com alguma antecedência. Adquiri até alguma erudição em matéria de aviões, para saber quais eram os assentos com mais espaço para as pernas em cada aeronave. O problema dos vôos são as pernas. Uma perna encolhida vira tortura que sequer o deixa dormir. Se você é pequeno, tudo bem. Se for um pouco grandinho, a viagem será muito desconfortável.

Esta chance de escapar do desconforto, pelo jeito está acabando. A menos que você pague a mais por centímetros. A TAM acaba de anunciar que passou a cobrar uma taxa de US$ 50 para o passageiro disposto a ocupar a primeira fila ou as poltronas localizadas nas saídas de emergência em vôos para os EUA. Na prática, quem quer mais espaço precisa pagar uma taxa extra. A empresa não informa quantos centímetros a mais você ganha.

A medida faz parte de um projeto-piloto da companhia e foi implementada há dois meses. O pagamento da taxa é feito durante o check-in. Não bastasse o absurdo que você paga no Brasil pela taxa de embarque – uma das mais caras do planetinha –, agora terá de pagar mais 50 verdinhas por um conforto que antes você tinha de graça.

Leio ainda que, em vôos domésticos, a Azul está cobrando uma taxa de R$ 20 para o passageiro que pretende ocupar uma das cinco primeiras fileiras. A distância entre as poltronas no avião é de 79 cm. Nas cinco primeiras fileiras, aumenta para 86 cm. Por sete centímetros, que em pouco diminuem seu desconforto, você marcha com mais vinte reais.

A mesquinharia das empresas nacionais é tamanha que agora você não compra apenas um vôo, mas também centímetros durante o vôo. Quando a Varig – para o bem do país – morreu, era de supor-se que tais práticas de monopólio também morressem. Não morreram.