¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, janeiro 31, 2010
 
TITÃ É HOSTIL


Leio na edição de hoje do Libé sobre graves preocupações dos cientistas britânicos a respeito das tentativas dos terráqueos de comunicar-se com os extra-terrestres. Em 2008, a Nasa enviou ao espaço a canção dos Beatles «Across the Universe», dirigida aos eventuais ETs. Os experts estão se inquientando com a profusão de mensagens enviadas ao cosmos. Seria inteligente assinalar nossas presenças a eventuais vizinhos hostis? Com que direito certas pessoas podem pretender representar nosso mundo face à galáxia?

Segundo Albert Harrison, professor de psicologia social na Universidade da Califórnia, muitas mensagens são «responsáveis, mas me interrogo sobre outras coisas que são transmitidas». Ele enumera fotos de celebridades, de dois candidatos políticos – um identificado como bom, outro como mau – publicidade de alimentos, cartas de amor de rock stars. «Quando começamos a chamar a atenção sobre nós, é preciso cuidar da imaginação que transmitimos. Podemos aparecer como uma ameaça para eles».

Também acho. Quando, em um planeta que produziu Platão, Alexandre, Cervantes, Newton, Galileu, Schliemann, Champollion, Magalhães, Colombo, Harvey, Napoleão, Nietzsche, se envia ao espaço uma canção de medíocres roqueiros ingleses, corremos o risco de ofender a inteligência extraterrestre. Não tenho dúvidas de que, em algum local do universo, alguma vida inteligente há de existir. Por que existiria só na Terra? O que sabemos é que, aqui na vizinhança da galáxia, vida não é possível. O planeta teria de ter uma distância conveniente de seu sol, uma determinada inclinação de seu eixo em relação à estrela em torno da qual orbita, um certo volume cuja gravidade não achatasse seus habitantes, condições que, nestes arrabaldes da Via Láctea, só a Terra parece ter.

Digamos que, a algumas centenas de anos-luz de nosso planetinha, exista vida inteligente. De que adianta? Quem consegue viajar por centenas de anos-luz ? Quer dizer, tanto faz como tanto fez. De qualquer forma, a canção dos Beatles só chegará em 2439 a eventuais destinatários próximos da estrela polar, no caso a Polaris, da constelação da Ursa Menor. Quer dizer, temos ainda quase meio milênio antes que os – como direi? – polarianos, se sintam ofendidos em sua inteligência. Daí a esboçarem uma reação, mesmo que já tenham alcançado a velocidade da luz, precisariam de 380 anos para chegar até nós e revidar à ofensa a seus intelectos. Perigo algum para as gerações presentes.

Os terráqueos têm enviado mensagens sérias e filosóficas, como uma Pedra de Rosetta interestelar. Mas há mensagens mais curiosas. Nos anos 80, por exemplo, registros de contrações vaginais das bailarinas do Boston Ballet foram enviados rumo à Epsilon Eridani e Tau Ceti, para dar uma idéia da forma que a humanidade concebe sua descendência. Sem falar que não é só contraindo vaginas que as mulheres concebem, o gesto bem que pode ser interpretado de muitas maneiras. Quem sabe como uma boca faminta pedindo comida, talvez aplausos, quem sabe um abraço afetuoso ou mesmo um gesto de impaciência. Sabe-se lá como os extras interpretariam vaginas que acenam.

No livro As Sereias de Titã, Kurt Vonnegut aventa uma hipótese de vida nesta lua de Saturno. São formas estelares, sem movimento algum, que vivem grudadas às paredes de cavernas. Têm uma – e única – forma de comunicação entre elas. Uma diz: “estou aqui, estou aqui, estou aqui”. A outra responde: “Que bom para você, que bom para você, que bom para você”.

Cá entre nós, me parece ser a forma de comunicação ideal. Claro que nesta lua não haveria lugar para Zildas Arns, Pastorais da Criança, Madres Teresas, Mandelas, Dalais Lamas, Ratzingers, Lulas, bolsas-família. Titã é hostil e inabitável para terráqueos.