¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, dezembro 18, 2009
 
AOS BACHARÉIS-FOLCLORISTAS *


Falta quem estude e pesquise o folclore, declarou Antônio Augusto Fagundes a este jornal, porque os salários não atraem. E estes salários que não atraem, diz ainda Antônio, o augusto, chefe do Departamento Cultural do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, oscilam entre Cr$ 7 mil e 9 mil mensais. Pelo que concluímos que Antônio Augusto Fagundes, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, é um abnegado para sujeitar-se a tão baixos salários. Ou proverá seu sustento com a advocacia, pesquisando folclore como bico? Se assim for, me candidato aqui e agora para estudar e pesquisar folclore, pois afinal sete ou nove mil sempre serão bem-vindos a meus bolsos, afinal a caipirinha já está valendo o preço de uma garrafa de cachaça.

Mas desde já encaro com pessimismo minha candidatura a folclorista, pois Antônio, o augusto, diz que os salários não atraem “os poucos especialistas que poderiam trabalhar no setor”. Como cronista, sou um especialista em generalidades e não propriamente em folclore. Em todo caso, não seria demais perguntar que é um especialista em folclore. Será um profissional que cursou a Faculdade de Folclore? Suspeito que não, afinal tal faculdade sequer existe. Será um profissional que fez um cursinho de “Folclore ao Alcance de Todos” com os folcloristas do Instituto? É possível. Neste caso, com quem fizeram o cursinho os atuais professores do cursinho? Por raciocínios deste tipo, até perdi minha crença em Deus, me falavam que toda causa tinha efeito e só Deus era a causa não-causada, e essa não engoli.

Ou para ser folclorista é necessário ser bacharel e gostar das coisas do pago? Se é assim¸ ouso encarar com otimismo minha candidatura a folclorista. De meus pagos, gosto que me pelo, e também sou bacharel em Direito. Tenho diploma, um pergaminho muito bonito por sinal, só não preguei em minhas paredes porque não combinam muito com a cor do papel. Tenho até mesmo um anel que um tio me deu, que já me foi de grande valia. Como a incidência de advogados por metro quadrado é muito grande em Porto Alegre, me recusei a entrar no baile. E muitas vezes botei o anelzinho no prego para pagar aluguel. Que mais não fosse, lá estava melhor guardado que em minhas gavetas. Mas falava de folclore.

Ou, para ser folclorista, será necessário conhecer os costumes e tradições do pago? Se assim for, já me considero aceito pelo Instituto, e juro que não reclamarei dos sete ou nove mil. Me criei nos campos de Upamaruty e Ponche Verde, corri penca e pialei gado, castrei touro e assei nas brasas seus documentos. Tranças de três ou de oito para mim não têm mistérios, também sei tirar lonca e pelar tento. Leio que o Instituto do Folclore está planejando um caderno sobre pandorga e já ofereço meus préstimos: quando guri fiz muita pandorga com taquara de bambu e papel celofane. Faz tempo que não me cai uma taba nas mãos, mas é só acostumar o braço e clavo suerte na volta-e-meia. Ou duas-e-meia, como pedirem.

Que mais será necessário para ser especialista em folclore? Conhecimentos sobre nossa História e Literatura? Também os tenho. Será necessário fazer concurso para ser folclorista? Faço, o salário me parece bom. Será necessário ser amigo dos atuais folcloristas para ser folclorista? Me considerem os folcloristas, daqui pra frente, o mais generoso amigo.

Sou candidato, meu caro Antônio Augusto, à boca, digo, ao cargo de folclorista. Não ignoro os conselhos do viejo Vizcacha:

A naides tengás envidia,
Es muy triste el envidiar,
Cuando veas a otro ganar,
A estorbarlo no te metas –
Cada lechón en su teta,
Es el modo de mamar.


Sei disso. Mas como, ao que tudo indica, estão sobrando algumas tetas, também quero mamar.

* Porto Alegre, Folha da Manhã, 29/08/1977