¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, setembro 27, 2009
 
AS KAPAROT, O GALINOCÍDIO JUDEU


Começa amanhã o Yom Kippur, o dia mais santo e solene do calendário judeu, em língua nossa o Grande Perdão, fixado no 19 Tichri, ponto culminante dos dez dias de penitência que começam no Rosh Hashaná, literalmente “cabeça do ano”. A propósito, foi um dia de sufoco para mim. Meu bairro é fundamentalmente judeu. No Rosh Hashaná, fui até meu provedor de vinhos, que também fornece comidas e bebidas kasher. Nossa! Filas imensas, toda a judiada se provendo dos alimentos e vinhos permissíveis à raça. Tive de esperar na fila por uma boa meia hora para comprar meus vinhos profanos.

Segundo meu Dictionnaire Encyclopédique du Judaïsme, a importância deste dia e a fonte de seu ritual provêm dos mandamentos bíblicos de fazer propiciação e de humilhar-se. A humilhação de si mesmo era interpretada pelos sábios como a abstinência de comida e bebida. A propiciação implica três atos que, em conjunto, devem aliviar do fardo do pecado: reconhecer suas transgressões, declarar seu arrependimento por um processo de confissão e depois fazer sua expiação ante Deus para obter o perdão.

Mas atenção: os rabinos insistem sobre o fato que o Yom Kippur permite ao homem de expiar seus pecados contra Deus, mas não os cometidos contra seu próximo. (Por próximo, entenda-se um outro judeu. Goy não conta). Sem pedir perdão a quem foi ofendido, a expiação não tem efeito e ninguém deve cometer transgressões esperando que seus pecados lhe sejam perdoados nesse dia. Até aí, nada demais. Mas que têm a ver as galinhas com isto?

Nos tempos bíblicos, havia o Azazel, lugar no deserto para o qual era enviado pelo Grande Sacerdote um entre dois bodes, durante o Yom Kippur celebrado no templo de Jerusalém. Este bode devia portar consigo todos os pecados de Israel, daí o conceito de bode expiatório. Nenhum dos dois bodes tinha alguma chance. Um era sacrificado e o outro enviado a Azazel, onde seria morto. Tudo muito confortável: você peca e debita seus pecados ao bode. Segundo os sábios do Talmude, a lei de Azazel pertence à categoria dos houqquim, as leis que o intelecto humano não pode compreender.

Mas Israel um dia abandonou o deserto e invadiu as urbes do Ocidente. Como não é fácil criar bodes na cidades, sobrou para os galináceos. Nas vésperas do Yom Kippur, todo judeu adulto deve pegar pelo pescoço uma galinha (para as mulheres) ou um galo (para os homens), girar a ave três vezes em torno à sua cabeça, dizendo: “Esta é minha expiação, esta é minha redenção, esta é minha substituição. Este galo (esta galinha) será morta, enquanto eu terei uma vida longa e feliz”. Logo após degola-se a ave que é dada aos pobres, a menos que seu valor seja dado a uma obra de caridade. Para uma mulher grávida, sacrifica-se um galo e uma galinha. As entranhas são jogadas aos pássaros, o que também é considerado uma obra de caridade. Os pecados do penitente são assim transferidos simbolicamente à ave, salvando o judeu de um eventual julgamento negativo no Yom Kippur. A galinha, que nada tinha a ver com o peixe, faz o papel do bode.

As kaparot, assim se chama esta cerimônia, sempre observada nos meios ortodoxos. Embora tenha sido combatida por numerosas autoridades, que a consideravam pagã e supersticiosa, hoje tem o aval dos rabinos, que consideram ser bem melhor do que expiar seus pecados diretamente: a cerimônia permite que neles se reflita e que deles se possa arrepender sinceramente. Sem dúvida alguma é bem melhor. Azar das galinhas.

Em geral, atribuímos os sacrifícios sanguinolentos de animais a bárbaros como africanos, em seus cultos animistas, ou aos árabes, durante a Eid al-Adha, a Festa do Sacrifício, quando milhões de animais são degolados, enquanto os peregrinos começam o apedrejamento do diabo em Meca.

Nestes dias, em pleno século XXI, os judeus, cosmopolitas e supostamente civilizados, continuam matando inocentes galinhas para purgar seus pecados.