¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, agosto 18, 2009
 
POR UMA TEOLOGIA CANINA


O texto abaixo pode parecer ficção. Mas não é. Eu o li em algum jornal parisiense, já não lembro qual, há mais de trinta anos. Esta idolatria em relação aos cães foi um dos fenômenos que mais me chocou em Paris. Discorri longamente sobre isto em Ponche Verde. Li sobre casais que se separavam e lutavam na justiça... pela guarda do cachorro. Havia também psicanalistas de cães. Uma delas recomendava que também o casal dono dos cães devia fazer psicanálise, já que os cães eram sensíveis aos conflitos conjugais. Se não fizessem psicanálise pela própria saúde, deviam fazê-la em nome da saúde do cão. (Parêntese: uma amiga que acaba de chegar de Paris, me contou que a última moda é psicanálise para papagaios. Gente fina é outra coisa).

Costumo afirmar que o Brasil sempre importa o pior do Primeiro Mundo. Que me conste, ainda não temos psicanalistas de cães no Brasil. Ou talvez existam e ainda não estou sabendo. Mas uma teologia canina já temos. Leio na Folha de São Paulo que a Associação Espírita Amigos dos Animais promove dois encontros semanais voltados aos “melhores amigos dos homens. Temos relatos de curas de pets em estado grave ou em que o veterinário havia dado o animal como desenganado”, afirma Sílvia Nogueira, diretora da Asseama, instituição que se diz pioneira nesse tipo de atendimento. Segundo a crença kardecista, todos os seres são espíritos em evolução que passam por todos os reinos – animal, vegetal e mineral. “Por isso, as sessões também servem para que eles compreendam melhor sua pela Terra e se preparem para desencarnar”, explica Sílvia.

Leio mais ainda no jornal: hoje, algumas denominações religiosas e seitas abrem suas portas para a busca do bem-estar físico e espiritual dos bichinhos. No templo de umbanda Caridade é Amor, há quatro meses acontecem reuniões mensais com o objetivo de dar passes espirituais nos pets. A cerimônia é rápida. Depois das orações iniciais, é feito um círculo com um ponto no centro. Os médiuns, então, incorporam as entidades. Um a um, os animais são levados ao centro da roda, onde recebem o passe.

Claro que os católicos não deixariam de lado o florescente mercado. O padre Alessandro Carvalho de Faria, por exemplo, realiza uma benção para os animais no dia de São Francisco de Assis, padroeiro dos animais, em 4 de outubro. “A Bíblia nos diz que os animais foram criados para a convivência com o ser humano”, explica. “Por isso, as orações que fazemos são para que eles cumpram com o papel que lhes foi dado na criação, seja o de ajudar nas tarefas do dia a dia, seja o de fiel amigo.”

Pelo jeito padre Alessandro ainda não leu a Bíblia. Para começar, na Bíblia não há cães nem gatos. A palavra cão sempre aparece em sentido pejorativo. Por outro lado, o Deus de Israel exigia de sua tribo o sacrifício de bovinos, ovinos e pombos. Claro que boa parte das oferendas serviam para alimentar os sacerdotes. Aliás, as melhores partes. Em Crônicas, lemos sobre um sacrifício de ação de graças de 600 bois e 3.000 ovelhas. E um outro sacrifício de holocausto de 70 bois, 100 carneiros e 200 cordeiros. “Os padres eram em pequeno número e não podiam carnear todos os holocaustos. Seus irmãos, os levitas, os assistiam até o final do trabalho”.

Com a destruição do segundo templo pelos romanos, acaba a era de sacrifícios de animais. Pois o templo era o único lugar em que podiam ser sacrificados. O templo de Jerusalém, onde residia Jeová, na verdade era um açougue. A Bíblia diz, isto sim, que os animais existem para louvar o Deus de Israel. E alimentar seus sacerdotes.