¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, maio 30, 2009
 
MENSAGEM DO QUAGLIO


Saudações, Janer!


Não posso deixar de comentar seu texto “Einstein na berlinda”. Para começar, devo dizer que não entendo de física e não tenho títulos acadêmicos no campo das ciências naturais. Mas posso dizer que sou um leigo curioso, e gosto muito de ler e conversar sobre o assunto. Aliás, sou casado com uma cientista, e este tipo de assunto faz parte do meu cotidiano. Além do mais, tenho grande interesse em lógica e em filosofia da ciência, especialmente nas idéias de Karl Popper. Se no que vou escrever abaixo houver alguma tolice, por favor, releve, pois foi escrito apenas por um curioso, que não tem formação acadêmica em física ou filosofia.

Não pretendo defender o alemão nesta questão “Einstein x Poincaré”. Pelo que eu já li sobre o assunto, me parece que o francês realmente teria grande importância na elaboração da teoria da relatividade restrita, precedendo Einstein, embora este alemão mereça o crédito pela teoria da relatividade geral. Mas não posso concordar, de maneira alguma, com a sua comparação entre Einstein, Marx e Freud. Esta questão já foi elucidada pela brilhante análise comparativa que Popper faz das idéias de Einstein, Freud, Marx, Adler. Entre o final do século XIX e o início do século XX, todos estes tiveram a pretensão de atribuir o status de ciência a suas idéias.

Popper demonstrou que as idéias de Einstein, mesmo se se revelassem falsas, diferiam essencialmente das idéias dos demais. Isto porque a teoria da relatividade restrita é passível de refutação. Se suas predições se revelassem erradas, a teoria poderia ser descartada. As idéias de Freud, Marx, Adler, assim como as doutrinas religiosas, ou crendices quejandas, como a astrologia, são impossíveis de serem refutadas, pois seus seguidores sempre poderão elaborar hipóteses ad hoc para garantir sua sobrevida, mesmo que a realidade e a experiência as contradigam. Se o marxismo, o cristianismo, o freudismo, a astrologia, sobrevivem em nossa época, é porque seus seguidores insistem que a realidade ainda não as refutou. O exemplo clássico é a seguinte afirmação: “é errado dizer que o socialismo não deu certo porque nunca houve sociedades verdadeiramente socialistas, mas um dia elas existirão, conforme predito por Marx.” Outro exemplo: “Cristo voltará”.

O mesmo não seria possível em relação à teoria de Einstein. Suas predições não são vagas, imprecisas, do tipo “um dia acontecerá tal coisa...” O exemplo clássico é o experimento em Sobral, no Ceará, em 1919. Se os físicos britânicos naquela ocasião, no Nordeste do Brasil, não tivessem observado o desvio da luz provocado pela atração gravitacional do Sol, conforme predito pelas idéias de Einstein, não haveria como dar à teoria da relatividade a mesma sobrevida que é dada à psicanálise e ao socialismo. Popper demonstrou que a irrefutabilidade não é uma virtude, mas sim um defeito de uma idéia, enquanto a refutabilidade de uma hipótese é o melhor critério para enquadrá-la na categoria de científica, pois permite que ela enfrente um confronto com a realidade. Podemos dizer que as idéias da Marx ou de Freud, assim como as dos relativistas, pós-modernistas, religiosos, e demais exploradores da credulidade humana, são idéias “covardes”, pois evitam “comprar briga” com a experiência e com a realidade. São como aqueles sujeitos que apanham, ou que fogem da briga, mas que insistem em manter a pose de valentões, que batem, que não têm medo de ninguém. As idéias de Einstein, bem como as de Newton, Galileu, Darwin ou Mendel não são assim. Ao contrário, são idéias “valentes”, que sobrevivem aos constantes confrontos com a experiência, que entram na briga com a realidade objetiva, e se mantêm de pé.

O que o Peter Hayes parece querer fazer é justamente igualar a teoria de Einstein às idéias irrefutáveis, às ideologias políticas marxistas, às crendices religiosas. Mas, francamente, parece que esse tal Hayes quer aparecer. As idéias de Popper, Lakatos, e outros filósofos da ciência seguidores da mesma corrente sustentam (do ponto de vista lógico, formal, e não empírico), que idéias científicas não são como matemática ou lógica, ou seja, não são demonstráveis de forma absoluta, definitiva. Uma teoria científica, que tenta compreender o mundo, é diferente de uma demonstração matemática. Não se pode exigir da teoria da relatividade o mesmo rigor das demonstrações euclideanas. As teorias científicas sempre serão ou provisórias, ou se revelarão um “caso-limite”. A física de Newton, por exemplo, é válida, mas é um caso-limite, descreve a gravitação sem levar em conta aquilo que uma teoria mais abrangente, a de Einstein, pôde abarcar. A teoria de Einstein, por sua vez, poderá se revelar um caso limite de alguma teoria vindoura mais abrangente, e por aí vai (apesar da objeção, interessante, feita por alguns filósofos mais recentes, de que quanto mais abrangente uma teoria se torna, menos poder de previsão ela tem, e menos “científica” ela se torna). Assim, parece que Hayes está querendo dizer que a física de Einstein é ideologia apenas por causa de sua incompletude, sendo que isto nunca impediu outras idéias, como as de Galileu ou de Newton, de serem consideradas científicas. E=mc² está longe da U.T.I.

Em suma, pode-se até discutir se o crédito pela relatividade restrita é de Einstein ou de Poincaré, mas a própria teoria, seja de quem for, está longe de agonizar ou de sequer ser comparada com o marxismo ou o freudismo. Aliás, você já ouviu alguém falar em “einsteinismo” ou “galileismo”?

Também não concordo com a afirmação de que a glória de Poincaré foi salva por Lorentz. Henri Poincaré foi um matemático tão brilhante, com uma produção intelectual tão vasta e significativa para a matemática, que mesmo que ele não tivesse qualquer participação na teoria da relatividade restrita, seu fama estaria assegurada.

Caro Janer, você, no começo do texto, disse que entende menos da relatividade do que de grego. Tenho uma boa dica de leitura sobre o assunto. Há vários livros de divulgação científica que pretendem explicar a relatividade para leigos, mas, recentemente, eu vi em uma livraria (e comprei na hora), uma nova edição (atualizada) que a Zahar lançou do livro ABC da Relatividade, escrito por ninguém menos que Bertrand Russell. Até agora, tudo o que eu li do Russell valeu a pena ler.

Um grande abraço do seu leitor,

Humberto Quaglio