¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

sábado, maio 23, 2009
 
CÂNCER: FUMO, ÁLCOOL E PETROBRAS


Não sei se é a idade, não sei se é a época. Mas, de repente, não mais que de repente, me senti cercado de cânceres por todo lado. Do pequeno grupo de seis pessoas que constituímos nos anos 70, em Paris, fui o quarto acometido pela peste. É muita gente para um universo de meia dúzia. Dois partiram, entre estes minha Baixinha. Dois sobreviveram, entres estes este que vos escreve. Mas, para onde quer que me vire, me deparo com a doença. Ouço falar de casos distantes de Aids, cá e lá um enfisema ou cirrose, um de meus amigos tem problemas cardíacos. Nada que me cerque com a insistência do câncer. Outro dia, ao reencontrar um amigo que há tempos não vi, saudei-o:

- Faz um câncer que não nos vemos.

Ele ficou perplexo.

- Quem te contou?

Ninguém me havia contado nada. Eu falava do meu. Ele se referia ao dele, mais precisamente ao de sua companheira. Uma amiga de três décadas vem visitar-me. Mas não vinha exatamente por isso. Vinha para ver o irmão, que acabou morrendo de câncer. Em Porto Alegre, um bom amigo luta como pode para conjurar o mal. Isso sem falar que viveremos sob o signo do câncer nos próximos meses, já que de um câncer dependem as manobras sucessórias para 2010. Um vice com câncer não é tão grave. Vice é vice. Já uma candidata, é diferente. De repente, a eleição do vice se torna mais importante que a do titular.

O número de casos de câncer na cidade de São Paulo aumentou em 25% em cinco anos, diz uma pesquisa feita pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Pelo menos um entre cada 20 casos de câncer é causado pela ação de poluentes. Nestes dias em que se fala de CPI da Petrobras, é bom lembrar que a jóia da coroa não é inocente neste massacre. No suplemento Megacidades, lançado pelo Estado de São Paulo, leio que o diesel produzido pela estatal, que abastece caminhões e ônibus do país, tem altíssimas concentrações de enxofre, elemento cancerígeno. O padrão usado na Europa é de 50 ppm (partes por milhão). No Brasil, as concentrações variam de 500 ppm a 2 mil ppm. A empresa teria se comprometido a produzir o combustível com 50 ppm a partir deste ano. Nada li nos jornais sobre esta nobre intenção. Enquanto isso, na Europa, o teor máximo será reduzido para 10 ppm.

Não é só fumo e álcool que produzem câncer. A Petrobras também faz sua parte. O governador de São Paulo proíbe o cigarro em todos os lugares públicos do Estado. Claro que jamais proibirá o diesel da Petrobras. Ora, do cigarro você consegue fugir. Do diesel, só se mudando para o campo. Confira com seus interlocutores. Difícil encontrar um só que não tenha um caso em família ou em seu círculo. É câncer demais para meu gosto. Fala-se em uma pandemia da gripe suína. A imprensa que me desculpe, mas de meu posto de observação, a pandemia é outra.

Comentei outro dia a profunda incoerência – para não dizer falta de reconhecimento – dos pacientes que são curados por medicina de ponta e atribuem sua cura a Deus. Propus inclusive que os hospitais fizessem duas perguntinhas antes de receber um paciente. Você crê no poder de Deus para curar doenças? Acredita em cirurgia espiritual? Se a resposta for sim a estas duas perguntas, que o crente seja entregue incontinenti a Deus e à cirurgia espiritual. Se Deus cura, pra que hospital e boa medicina? É redundante e só faz sofrer. Se você vai usar de toda nossa ciência para depois atribuir a cura ao Dr. Fritz, então consulte logo o Dr. Fritz e não perca tempo com médicos.

Anteontem ainda, o vice-presidente da República, José Alencar, que vem lutando contra a peste há mais de dez anos, chorou durante um discurso na Universidade Federal de Minas Gerais. "Eu estou aguardando primeiro que Deus me cure, porque, se eu não estiver curado, não posso levar nenhuma proposta ao eleitor", disse à Folha de São Paulo. Nosso vice pede a Deus que o cure. Na hora de extirpar tumores, voa para o Sírio-Libanês. Se curar-se, a quem atribuirá a cura? A Deus, evidentemente. Se morrer, a culpa será do hospital e de seus médicos. Mas não era disto que pretendia falar. E sim de coerência.