¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, abril 24, 2009
 
ENQUANTO ISSO,
NA ACADEMIA...



Escândalos no Brasil são como filhos de bispos. Basta puxar um e surge uma dúzia. Desta vez, não escapou sequer a sedizente ala ética do Congresso. Enquanto o impoluto deputado Fernando Gabeira faz pesquisas para lembrar se pagou passagens para uma de suas filhas ou para as duas, mais uma vestal põe suas barbas de molho. Desta vez, o não menos impoluto senador Pedro Simon, que goza entre seus pares a fama de levar vida monástica:

- Nesses 26 anos, fiz uma viagem à Europa, eu e a minha mulher. Uma viagem em 26 anos. Sem um extra, sem diária, sem coisa nenhuma. Usei as passagens que eu tinha. Se isso está errado, eu até reponho, mas nunca ninguém me disse isso.

Ora, será preciso dizer a estas velhas cortesãs da política nacional que não foram eleitos para brindar seus familiares com turismo em Paris, Madri, Nova York ou seja lá onde for? O senador está perplexo. Só fez uma viagem. Uminha só será pecado? Não será permissível nem mesmo a um monge visitar Paris? Mas o senador, em sua honestidade, se dispõe a reparar sua falta. “Se isso está errado, eu até reponho”.

Santas intenções. Ocorre que o Congresso está longe de considerar que fazer turismo às custas do contribuinte é errado. E se não está errado, o probo senador não tem porque repor.

Leio na Folha de São Paulo de ontem que o Senado aprovou, na quarta-feira, e a Câmara prometeu adotar medidas que proíbem a emissão de passagens aéreas para parentes e terceiros, as viagens para o exterior e determinam a divulgação na internet dos bilhetes usados. Estas medidas foram anunciadas pelo presidente da Câmara, Michel Temer, para amenizar a reação da opinião pública contra a farra das passagens.

Mas concedem uma anistia para os excessos cometidos até agora. Parece que acabou-se o que era doce. Quem gozou das mordomias, gozou. Quem não gozou ficou na mão. Probidade só daqui pra frente. Digo “parece que acabou-se” porque ainda não se sabe se acabou mesmo. A Câmara prometeu... Ora, promessas de deputados são cantigas para ninar pardais. Ainda mais quando é para restringir os próprios privilégios.

O deputado Ciro Gomes, paulista radicado no Ceará e presidenciável nas próximas eleições, indignou-se com os bons propósitos de seus nobilíssimos pares. Expressou o que todos gostariam de expressar, mas preferiram ficar silentes: "Até ontem era tudo lícito, então por que mudou? É um bando de babaca". O mesmo devem ter dito os senhores de escravos quando a escravidão foi abolida. "Até ontem era tudo lícito, então por que mudou? É um bando de babaca".

O deputado Sílvio Costa, de Pernambuco, também não gostou do anúncio do presidente da Casa e pretende recorrer em plenário caso seja aprovado o ato da Mesa que acaba com o uso da cota para parentes. E a sagrada instituição da família como é que fica? "Não é justo que mulher e filhos não possam vir a Brasília. Quer dizer que agora eu venho para Brasília e minha mulher fica lá? Assim vocês querem que eu me separe. É preciso acabar com essa hipocrisia. Ou a Câmara tem a coragem de falar a verdade ou cada dia vamos apanhar mais". Foi vivamente aplaudido.

Que mais não seja, mesmo que mais não possam levar familiares pagos “pelo meu, pelo seu, pelo nosso”, nada impede que os ilustres representantes do povo continuem ilustrando o espírito com turismo de luxo. Um convite para observar uma conferência da OEA em Nova York, a pesca do atum na Noruega, a produção de bananas nas ilhas Canárias ou de azeite nas ilhas gregas, isto é gentileza que sempre se descola. A PLANALTUR tem longo futuro pela frente.

Enquanto a imprensa escolhe o Congresso como bola da vez, no mundo acadêmico a farra corre solta. Uma passagem até as antípodas, para apresentar em Tóquio um vital comunicado de vinte minutos... sobre Literatura Comparada. Outra a Paris para discutir as relações subterrâneas entre o teatro de Nelson Rodrigues e Jean Genet. Ou a Londres para discutir a capital influência de Sterne na obra de Machado. Se o universitário for mais audacioso poderá propor uma pesquisa da poesia iídiche e ladina nos países que acolheram askenazis e sefarditas. Dá um belo tour, de Lisboa e Madri a Praga e Budapeste, mais algumas capitais de permeio. Tudo isso com hospedagem e restauração, é claro.

No Congresso, turismo soa à corrupção. No mundo universitário atende por intercâmbio acadêmico. Mas a universidade é o Santo dos Santos, onde jornalistas não podem penetrar. O Santo dos Santos era uma sala do Templo de Salomão onde ficava guardada a Arca da Aliança. Era onde se realizava anualmente uma cerimônia de sacrifício expiatório de um cordeiro sem mácula pelos pecados dos judeus. Esta sala ficava separada do templo por uma cortina de linho. Segundo a lei de Moisés, somente ao sumo sacerdote era permitido entrar no Santo dos Santos, e ele tinha que ser cerimonialmente purificado antes que pudesse falar com Deus.