¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, março 28, 2009
 
PRISÕES SURPREENDENTES
NO PARAÍSO DA ILICITUDE



Há muitas definições do que seja a lei. Eu prefiro a de José Hernández:

La ley se hace para todos,
Mas sólo al pobre le rige.

La ley es tela de araña
- En mi inorancia lo esplico -.
No la tema el hombre rico;
Nunca la tema el que mande;
Pues la ruempe el bicho grande
Y sólo enrieda a los chicos.

Es la ley como la lluvia:
Nunca puede ser pareja;
El que la aguanta se queja,
Pero el asunto es sencillo:
La ley es como el cuchillo:
No ofiende a quien lo maneja.

Le suelen llamar espada
Y el nombre le viene bien;
Los que la gobiernan ven
A dónde han de dar el tajo:
Le cai al que se halla abajo
Y corta sin ver a quién.


Sempre faz bem ao espírito ver atrás das grades criminosos de alto coturno, detentores de grandes fortunas que do dia para a noite passam a ver o sol quadrado. Neste sentido, a prisão de Eliana Tranchesi, proprietária do shopping de mais alto luxo do país, oferece ao público uma sensação de que a lei atinge também os ricos. Junto com Tranchesi, foram presos outros sete envolvidos, entre eles seu irmão, pelos crimes de formação de quadrilha, descaminho (importação fraudulenta de produto lícito) e falsidade ideológica, por fazer constar nas faturas que a compradora das mercadorias era a importadora e não a butique. A pena para a proprietária da Daslu, de mais de 94 anos, parece à primeira vista desproporcional, dado que autores de crimes tremendos têm penas bem menores e alguns continuam livres como passarinho, como é o caso do jornalista Pimenta Neves, que matou uma colega de redação com tiro pelas costas, por uma prosaica questão de bancar o macho.

Mas... mas... mas...

Em crime de formação de quadrilha foi incurso o ex-ministro Zé Dirceu e, pelo que me consta, autoridade alguma cogitou de enviá-lo à prisão. Pelo mesmo crime de descaminho, foi preso em novembro de 2007 o chinês Law Kin Chong, suspeito de ser maior fornecedor de mercadorias contrabandeadas da 25 de Março. Tido como o rei do contrabando em São Paulo, em março de 2008, por obra de um habeas corpus, Chong estava tão livre como Pimenta Neves ou Zé Dirceu. Foi de novo preso em 25 de abril do mesmo ano. Dia 29 do mesmo mês estava de novo nas ruas, libertado por novo habeas. Tranchesi e seus cúmplices também. Mal passaram uma noite na cadeia. Até aí, nada surpreendente. Foram condenados em primeira instância e têm o direito de responder ao processo em liberdade. Não se pode condenar, como se está condenando, juízes que cumprem a lei. Errado não é o juiz. Errada é a lei.

O fato é que a prisão de Chong em nada contribuiu para estancar o contrabando em São Paulo. Continua correndo solto, a céu aberto, não só na 25 de Março, como também na Santa Ifigênia e mesmo na Avenida Paulista, orgulho dos paulistanos. Uma ou duas vezes por ano, a Receita Federal dá uma batida nesses centros de ilegalidade, confisca 40 ou mais toneladas de muamba. No dia seguinte, o contrabando continua firme, como se a apreensão do dia anterior sequer lhe tivesse feito mossa. Na região da Santa Ifigênia, mais precisamente na rua Aurora, está instalado o 3º Distrito Policial de São Paulo. À frente de sua fachada, estão sempre estacionados três ou quatro camburões. A dez metros do último camburão, a muamba está esparramada pelas calçadas. Coibir o contrabando quando este se instala ao lado de um distrito policial é utopia de sonhador desvairado.

Mais ainda: no Brasil o contrabando é mais ágil que o comércio legal. Em dezembro de 2006, Keith Beeman, o diretor mundial de propriedade intelectual da Microsoft, Keith Beeman, foi levado pela reportagem do Estadão até a Santa Ifigênia. O executivo americano se espantou ao ver que os camelôs já comercializavam o Windows Vista, o Office 2007 e o Exchange Server 2007 - novos programas da Microsoft -, que ainda nem haviam sido lançados para o consumidor final.

A impressão que a Polícia Federal deixa é que contrabando não é permissível aos ricos, tanto que Chong como Tranchesi foram levados à prisão. Pobre pode contrabandear à vontade. Rico fora dos círculos do poder do Planalto não pode formar quadrilha. Político dentro do inner circle do PT, que forme quadrilhas a seu gosto.

Por outro lado, salvo engano meu, o artigo 180 do Código Penal define como receptação qualificada o ato de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte. Pena: prisão de um a quatro anos e multa.

Pode alguém ignorar, depois das anteriores passagens da Daslu pelas páginas da crônica policial, que as mercadorias lá vendidas eram produto de crime? As personalidades do grand monde paulistano e nacional que por lá passaram – e posaram para fotos, como se fossem convivas do Olimpo, com Eliana Tranchesi – não seriam cúmplices da contrabandista? Financiar o ilícito não é também ilícito, como lembrava há pouco o presidente do STF?

É de supor-se que empresa de tal porte tenha contabilidade. Não seria necessário esforço maior de investigação, por parte da polícia, arrolar esta lista de receptadores. Mas quem há de? Desde há muito o Brasil é um paraíso de ilicitude. Se as autoridades pretendessem de fato punir quem comete crimes, melhor seria deixar a criminalidade entregue à lei da selva e criar um pequeno presídio para que lá vivesse em segurança quem não cometeu crime algum.