¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, dezembro 19, 2008
 
CORRUPÇÃO NA CONCESSÃO DE
PRÊMIOS NOBEL NOS CONFORTA



Em meu ensaio Como ler jornais, relacionei uma série de vigaristas, que vão de plagiários a terroristas, contemplados com o prêmio Nobel. Comecei com o santo homem Martin Luther King, que plagiou sua tese de doutorado e, mesmo tendo cometido este crime de lesa-academia, recebeu o Nobel da Paz em 64. Isso sem falar que desviou verbas de suas campanhas em prol da igualdade racial para orgias com profissionais do sexo. Yasser Arafat, que defendeu na ONU, em 74, a tese de que um povo que luta pela própria independência tem o direito de apelar para atos terroristas, foi brindado com o prêmio da Paz em 94. Esta tolerância norueguesa a condutas criminosas não foi estranha aos suecos. Em 1965, no auge da Guerra Fria, o escritor russo Mikahil Aleksandrovich Sholokhov recebeu o Nobel de Literatura por sua obra Don Silencioso, epopéia em torno à vida, aspirações e tragédia dos cossacos do Don durante a guerra e a revolução.

E aqui começam os problemas. Considerada uma das obras primas da literatura universal, Don Silencioso é um romance telúrico que exige um vasto conhecimento de sua geografia, de seu povo e de sua história. Foi publicado em 1928 e logo traduzido a todas as línguas de cultura do mundo. “O autor conhece a fundo a história dos cossacos do Don – escreve o dissidente russo Roy Medvedev, em Qui a écrit le “Don Paisible”? – em particular o final do século XIX e o início do XX. Tudo o que se refere à participação dos cossacos nos combates da primeira guerra mundial revela uma notável compreensão da situação estratégica e do desenvolvimento das operações. Quanto à guerra civil sobre o Don e, particularmente a insurreição de Viochenskaïa, o autor demonstra dispor de informações que nem os historiadores soviéticos dos anos 20 dispunham. (...) O autor conhece enfim à perfeição não somente o mapa das cidades mais importantes (Moscou, Petrogrado, Novotcherkassk, Rostov) mas também a exata topografia da região do Don, com todas suas aldeias, stanitsas e suas pequenas estações”.

Detalhe: Sholokhov nascera em 1905. Não era cossaco, tinha escassa instrução e pouco conhecia a região do Don. No momento da concessão do prêmio, a ninguém ocorreu que um jovem de 23 anos não poderia ter acumulado a necessária bagagem de cultura cossaca exigida para tal empreitada. O livro de Medvedev, que só pôde ser publicado na França, demonstra definitivamente o que até então apenas se murmurava no fechado universo soviético. O livro foi publicado em 1975, coincidentemente o mesmo ano em que Sholokhov, cercado de glórias, comemorava na ex-URSS seu septuagésimo aniversário.

O autor do Don foi em verdade o escritor Fédor Dimitrievitch Krioukov, diretor do jornal Donskié Viédomosti, com o qual colaborava Sholokhov. Cossaco de origem e de coração, Krioukov esteve no front nas épocas descritas no romance, juntou-se à contra-revolução e conheceu de perto seus chefes. Seus manuscritos desapareceram com sua morte, por tifo, em 1920. Na ocasião, estava acompanhado por Piotr Gromoslavski, futuro sogro de Sholokhov, cuja atividade literária tem início quando começa a freqüentar a casa do sogro. Krioukov, obviamente, foi banido dos anais da literatura russa. Sholokhov é hoje conhecido como o primeiro grande escritor russo a ter introduzido o tema dos cossacos na literatura. Em dezembro de 1965, recebeu das mãos do rei Gustavo Adolfo a láurea máxima da literatura ocidental.

Em 1971, foi a vez de Pablo Neruda, um dos mais repulsivos stalinistas do século passado, que passou toda sua vida louvando Marx, Lênin e Stalin e insultando o Ocidente. Na hora do Nobel, láurea máxima da literatura concedida pelo Ocidente, foi correndo a Estocolmo recebê-lo, como um cachorrinho sacudindo o rabo.

Stalin construía,
de suas mãos nasceram
os cereais
os tratores
os ensinamentos
as estradas...


Assim poetou Neruda. Em ver de ir para a cadeia, recebeu o galardão da Kungliga Academie. Sobre o grande poeta, escreveu Ricardo Paseyro, em Le Mythe Neruda, pequeno e contundente ensaio sobre o óbvio: “seus livros são um monumento à infâmia. Neruda, como certos pássaros, faz seu ninho de bosta, se compraz na imundície da frase, na vulgaridade da sensação primária e nela refocila com volúpia”. O mito nada tem de misterioso. Para Alberto Baeza Flores, “à força de repetir durante trinta anos que Neruda era genial, o Partido Comunista conseguiu que todo mundo acreditasse nesse refrão”.

De minha parte, aventei outra hipótese. Em Elegi för Pablo Neruda, Artur Lundkvist, nada menos que o falecido presidente da Real Academia Sueca, parceiro de Neruda nos Congressos pela Paz financiados por Moscou, sempre recebido pelo aparatchik chileno em suas embaixadas e mansões diplomáticas, faz uma elegia ao pinto do poeta. En blek sparris som blott gav vatten. Traduzindo: “um pálido aspargo que apenas jorrava água”. Estranha ode à anatomia do vate. Como também são estranhos os sendeiros que conduzem ao Nobel.

Mistificação semelhante ocorreu com Rigoberta Menchú Tum, Nobel da Paz de 1992, porta-voz e símbolo dos direitos dos povos indígenas, premiada em boa parte por sua biografia, Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la Conciencia. Apresentando-se como uma índia sem instrução e militante dos Direitos Humanos, a guatemalteca comoveu gregos e troianos com sua infância miserável. Daí ao galardão recebido em Oslo foi um passo. A data escolhida é emblemática: nos 500 anos do descobrimento da América outorga-se, pela primeira vez na História, o Nobel a uma indígena. Mas ninguém sai diretamente de Tegucigalpa para aterrissar em Oslo. A biografia de Menchú Tum não é obra de Menchú Tum. Foi criada em Paris, pela venezuelana Elisabeth Burgos-Debray, mulher de Régis Debray.

Ocorre que entre os criadores de mitos sempre surge um estraga-prazeres para desmontar relatos tão edificantes, no caso, o antropólogo americano David Stoll. Em seu livro Rigoberta Menchú and the Story of All Poor Guatemalans, o autor mostra que a prestigiada militante em pouco ou nada difere de outros ilustres nomes já galardoados com os prêmios Nobel da Literatura ou da Paz, essas duas láureas jogadas de vez em quando pelos louros nórdicos aos nativos e mestiços do Terceiro Mundo.

Segundo Stoll, a premiada com o Nobel descreve com freqüência experiências pelas quais nunca passou. Em seu livro, afirma nunca ter freqüentado escola, nem saber ler, escrever ou falar espanhol até a época em que ditou sua autobiografia. Mas sua incultura era postiça: recebeu o equivalente à instrução ginasial em internatos particulares mantidos por freiras católicas. A luta de Menchú e outros indígenas pela terra, contra latifundiários de origem européia, era em verdade uma antiga rixa familiar de seu pai contra parentes próximos. O irmão mais jovem que dizia ter visto morrer de fome nunca existiu. Um outro, que dizia ter visto morrer queimado, não morreu queimado nem ela viu sua morte. A prêmio Nobel ignora solenemente as acusações: "Foram escritas quinze mil teses sobre mim no mundo todo por pessoas que leram o livro", afirma. "Não me dedico a conferir dados, não nego nem desminto o que é dito nos livros a meu respeito. Não é problema meu."

De fato, o problema é dos louros hiperbóreos. Ao premiar Menchú Tum, só conseguiram desmoralizar ainda mais um título já enxovalhado por Mikahil Sholokhov, Martin Luther King e Pablo Neruda.

E por aí vai. José Saramago, prêmio Nobel de Literatura em 1998, que defendeu, em artigo para a Folha de São Paulo, os terroristas que explodiram as torres do World Trade Center e os atentados suicidas palestinos. Tenzin Gyatso, o Dalai-Lama - palavrinha que modestamente quer dizer Oceano de Sabedoria - que se pretende a 14ª reencarnação do Buda da Compaixão, mereceu em 1989 o prêmio Nobel da Paz. Pois o Oceano de Sabedoria, financiado pelo ator americano Richard Gere, vive correndo mundo com seus parangolés, reivindicando a volta do Tibet a um regime teocrático. Teocracia é palavra que arrepia o Ocidente. Menos quando se fala do Vaticano e do Oceano de Sabedoria.

Agnes Gonxha Bojaxhiu, mais conhecida como Madre Teresa de Calcutá, morta em 97, prêmio Nobel da Paz de 1979, como boa albanesa não se furtou a depositar flores na tumba de seu conterrâneo, Enver Hoxha, um dos mais sanguinários ditadores comunistas deste século. No Haiti, durante a tirania de Jean-Claude Duvalier, mais conhecido como Baby Doc, recebeu de suas mãos uma comenda pouco recomendável para quem morreu em odor de santidade, a “Légion d’honneur” haitiana. Não bastassem estas homenagens que conspurcam qualquer auréola, Madre Teresa intercedeu junto à Suprema Corte dos Estados Unidos, pedindo clemência para Charles Keating, vigarista condenado a dez anos de prisão por lesar os contribuintes americanos em 252 milhões de dólares. Deste senhor, Madre Teresa recebeu a simpática quantia de 1,25 milhão de dólares e a oferta de um jato privado para suas viagens. Em agradecimento, a religiosa presenteou Keating com um crucifixo personalizado.

Mohammad Abdel Rauf Arafat al-Qudwa al-Husseini, mais conhecido como Yasser Arafat, mereceu o prêmio Nobel da Paz em 1994. Responsável pelo bárbaro massacre dos atletas israelenses nas Olimpíadas de 1972 em Munique, pela morte de milhares de cidadãos inocentes em Israel, pelo assassinato em massa de cristãos no Líbano, pela morte de uma centena de cidadãos norte-americanos, entre eles dois diplomatas, pelo assassinato de um número desconhecido de árabes e patrocinador de seqüestros de aviões, Yasser Arafat, morreu em 11 de novembro de 2004 em odor de santidade.

Corrupto até os ossos, o terrorista egípcio – que sequer era palestino – tinha oculta nos bancos e empresas do Ocidente uma fortuna avaliada, por baixo, entre 300 e 700 milhões de dólares. Por cima, em três e cinco bilhões de dólares, conforme acusava um dos ex-ministros de Finanças da OLP, Yawid al-Gussein, em declarações à Associated Press. Para a revista Forbes, Arafat está em sexto lugar, em uma lista publicada ano passado dos reis, rainhas e déspotas mais ricos do mundo.

Não bastassem os nórdicos conferirem estes prêmios prestigiosos a vigaristas notórios, em 2004 Oslo concedeu o Nobel da Paz à bióloga e ativista queniana Wangari Maathai. Após a entrega do Nobel, a bióloga reiterou sua opinião, muito divulgada na África subsaariana, de que o vírus da Aids foi criado por cientistas para a guerra biológica, para dizimar os negros africanos, como se alguma nação no mundo ganhasse algo com dizimar negros na África. Afirmou também que o uso do preservativo não é eficaz contra a transmissão do vírus. A Aids está consumindo a África, e os católicos, onde têm maioria, condenam o uso do preservativo e as demais práticas anticoncepcionais e insistem na função reprodutiva do ato sexual.

O continente negro está perdendo aceleradamente sua juventude e força de trabalho em virtude de uma visão dogmática do mundo de parte do Vaticano. Para esta política só há um adjetivo: genocida. Esta é a política defendida por Wangari Maathai, prêmio Nobel da Paz 2004.

Notícia nos jornais de hoje nos esclarecem melhor os critérios usados pelos homens que concedem o prêmio Nobel. Um grupo de jurados que aceitou viagens para a China com despesas pagas está sendo investigado por suspeita de suborno, afirmou ontem a promotoria anticorrupção da Suécia. Se venda de sentenças por juízes brasileiros faz parte da normalidade tupiniquim, esta denúncia é bem mais grave. Envolve os incorruptíveis hiperbóreos.

Segundo a Folha de São Paulo, o promotor Nils-Erik Schultz anunciou ter aberto uma investigação para determinar se as viagens, realizadas em 2006 e 2008, tinham como intenção influenciar as decisões do comitê que escolhe os premiados. A promotoria, contudo, não informou os nomes dos jurados investigados nem disse quantos são.

A investigação foi desencadeada pela reportagem de uma rádio sueca sobre as viagens de três jurados - dos prêmios de física, química e medicina. A visita à China teria como objetivo mostrar a autoridades chinesas como é o processo de seleção do prêmio e explicar o que é preciso atingir para ganhá-lo. O convite incluía as despesas com aviões, hotéis e refeições, afirmava a reportagem.

Caso os cientistas sejam formalmente acusados e condenados, os jurados terão de pagar multas e cumprir pena de até dois anos de prisão. Gunnar Oquist, secretário permanente da Academia Real de Ciências da Suécia - que define os prêmios de física, química e economia - reconheceu que a excursão dos jurados foi feita em condições inapropriadas.

"Devemos ter muito cuidado para não nos colocarmos em situações em que o trabalho do comitê do Nobel possa ser questionado", afirmou. "Acredito que deveríamos ter pensado sobre aquilo. Se nós soubéssemos que o Prêmio Nobel seria um dos assuntos principais dessa viagem, provavelmente teríamos desencorajado a ida de nossos integrantes."

São revelações que confortam um pouco a nós, habitantes do sul do Equador. A corrupção não é exclusivamente quinhão nosso. É também nórdica. Se é que isto consola.