¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, outubro 31, 2008
 
Crônica antiga:
FALÊNCIA DO MACHO *



Descobriu tudo e deu três tiros na mulher. Para bom entendedor, a manchete já disse tudo, nem é preciso ler a notícia. O crime ocorreu sexta-feira passada, na esquina da Sete de Setembro com a João Manoel. Entrei num edifício do centro, o porteiro comentava:
- Nesses casos, a culpa é sempre da mulher. O homem sempre tem razão.
A meu lado, estava o homicida potencial.

Em minha pasta de recortes, as notícias sobre maridos que matam mulheres já estão ocupando um espaço excessivo. Ora o marido mata a mulher que o traiu, ora mata o amante da mulher, quando não mata os dois. O fato comporta algumas variantes. Mas a decisão do júri é uma só: absolvição. Defesa da honra, pretextam. Mas que honra é essa que exige sangue para ser lavada?

Vejo algo de mais profundo e sintomático nessa atitude do marido e do júri. Não creio se trate apenas de defesa da honra. Mas sim medo do homem de nossa época ante a nova mulher que surge.

Houve um momento na História em que o Estado encarregava-se de vingar os brios do macho insultado. Antes do surgimento da roda e da máquina, era senhor quem tinha maior força física, ou seja, o homem. O homem erigiu o Estado e as leis eram um reflexo de sua vontade absoluta. A mulher era sua propriedade, o adultério era antes de mais nada um roubo. E o Estado punia esse roubo. Jogava os adúlteros na fogueira. Ou pendurava-os no patíbulo.

Os tempos mudaram. Hoje, força física não alimenta ninguém, exceto ídolos do futebol ou campeões olímpicos. A máquina permite que uma mulher execute o mesmo trabalho de um homem. Não está mais em jogo sua força física, mas sua capacidade mental. Mesmo ainda inferiorizada, a mulher pode hoje prover o seu sustento, decidir, comandar. Em outras palavras, equipara-se ao homem. Se nos primórdios da humanidade a subsistência dependia de músculos rijos, manejo do tacape ou machado, argúcia na caça, hoje subsistência depende de conhecimento, técnica, cultura. Sabemos como vive – ou melhor, sobrevive – quem só dispõe de força física para o trabalho.

A fêmea do homem evoluiu. O macho continua o mesmo.

Posso ser dono de um livro, de um par de sapatos, de um carro. São coisas, objetos. Eu os possuo e deles disponho como bem entender. Mas não posso ser dono de uma mulher, de um outro ser humano com vontade própria. Se minha mulher me troca por um outro homem, creio existirem apenas duas atitudes a tomar. Uma, seria cumprimentar minha mulher, caso tenha encontrado um homem melhor dotado e com mais capacidade de oferecer-lhe amor e compreensão. (Pois é bem possível que eu não seja o mais perfeito e amoroso dos homens, não é verdade?) A outra atitude seria dar-lhe pêsames, por ter-me trocado por um homem inferior e incapaz de oferecer-lhe amor. (Pois é bem possível que eu não seja o mais imperfeito e egoísta dos homens, não é verdade?)

Mas o macho contemporâneo não renunciou à sua condição de senhor. Vê na mulher uma escrava, uma coisa de sua propriedade. Sente-se roubado? Mata. Os jurados o inocentam, numa espécie de alerta: “Cuidado, querida. Se me traíres, te mato. E meus colegas me absolverão”. Chamam a isto defesa da honra.

Os tempos mudaram. A mulher se transformou. O homem continua o mesmo. Ao sentir-se traído, só conhece uma forma de diálogo: reage à bala. Isto é, o macho está falido.


*Porto Alegre, Folha da Manhã, 03/11/1975

 
PAQUISTÃO IMPEDE
CASAMENTO ISLÂMICO



Leio em despacho da Reuters que a polícia paquistanesa invadiu um casamento infantil na cidade de Karachi e prendeu o clérigo que presidia a cerimônia para unir um menino de sete anos e uma menina de quatro.

Segundo a Justiça do país, é necessário completar dezoito anos para casar, mas as leis islâmicas permitem que meninas se casem após a puberdade. Ainda assim, muitas garotas ainda mais jovens são dadas em casamento para resolver litígios ou sanar dívidas. No caso, a menina fora entregue para o casamento pelo pai 500 mil rupias (pouco mais de US$ 6 mil).

Não seria de espantar que algum mulá – ou como quer que se chamem os padres no país – lançasse uma fatwa sobre a polícia paquistanesa. Afinal, o Estado está implicitamente condenando o Profeta – que Alá, o Misericordioso, o tenha em sua glória! – que casou com Aischa quando esta tinha seis anos. O casamento foi consumado aos nove.

quinta-feira, outubro 30, 2008
 
RAINHA DE ESPANHA RECUA
ANTE TOTALITARISMO GAY



De El Salvador, onde os reis de Espanha assistem a Cumbre Iberoamericana, um comunicado oficial da Casa Real se apressa em assinalar textualmente: "Doña Pilar Urbano, autora do livro La Reina muy de cerca, após manter una conversação privada com Sua Majestade, a Rainha, põe na boca de Sua Majestade supostas afirmações que hoje alguns meios de comunicação reproduzem". O texto afirma que as "supostas afirmações, em todo caso, foram feitas em um âmbito privado e não correspondem com exatidão às opiniões vertidas pela Rainha, como oportunamente foi feito saber à autora do livro”.

Ora, segundo Pilar Urbano, a Casa del Rey leu o livro antes que este fosse impresso. É óbvio que uma autora que goza da confiança da Casa Real, a ponto de escrever um livro que é lido antes de ser publicado, não iria colocar palavras na boca de Sua Majestade. O desmentido de Sua Majestade avaliza os ativistas gays e diminui a Casa Real.

O tempora, o mores! Nestes dias que correm, nem mesmo a realeza pode manifestar uma opinião adversa ao matrimônio homossexual.

 
ESCÂNDALO NAS HOSTES
BICHESCAS DA ESPANHA



Pelo jeito, discordar do casamento homossexual está prestes a se tornar crime na Espanha. A Federação Estatal de Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais (Felgtb) pediu hoje à Casa Real que retifique as declarações da rainha Sofia sobre o homossexualismo, recolhidas pela jornalista Pilar Urbano em seu livro La Reina muy de cerca. Disse doña Sofia:

"Puedo comprender, aceptar y respetar que haya personas con otra tendencia sexual, pero ¿que se sientan orgullosos por ser gays? ¿Que se suban a una carroza y salgan en manifestaciones? Si todos los que no somos gays saliéramos en manifestación... colapsaríamos el tráfico. Si esas personas quieren vivir juntas, vestirse de novios y casarse, pueden estar en su derecho, o no, según las leyes de su país: pero que a eso no lo llamen matrimonio, porque no lo es. Hay muchos nombres posibles: contrato social, contrato de unión".

A Felgtb não gostou. Seu presidente, Antonio Poveda, expressou sua "tremenda surpresa" ante o fato de que a Casa Real, "que representa toda cidadania, questione os direitos de uma parte da mesma". Ora, a rainha não está questionando direito algum. Admite que se as pessoas querem viver juntas, vestir-se de noivos e casar, tudo bem, desde que estejam de acordo com as leis do país. Sua preocupação é de ordem semântica. Só acha que isso não pode se chamar de matrimônio.

Escândalo nas hostes bichescas da Espanha. Poveda se queixa da “frivolidade” de doña Sofia, ao duvidar de que se possa sentir orgulho de ser gay e sair às ruas para demonstrá-lo. Ora, desde meus verdes anos, sempre defendi o direito de uma pessoa a qualquer opção sexual. É questão de foro íntimo e ninguém tem nada a ver com isso. Exatamente por ser questão de foro íntimo, considero grotesco exibir sexualidade pelas ruas.

Faço uma distinção entre homossexualidade e bichice. Homossexualidade é optar por pessoas do mesmo sexo. Direito de cada um. Já a ostentar a bandeira da homossexualidade em passeatas, situo no campo da bichice. Orgulhar-se de uma opção sexual significa afirmar que a outra sexualidade é inferior. Não há sexualidades inferiores ou superiores. Cada um com seu cada qual e estamos conversados. Passeatas não passam de exibicionismo.

É o mesmo equívoco do Black Proud. Por que orgulhar-se de ser negro? Ser negro é, ipso facto, superior a ser branco?

Há um projeto de lei contra a homofobia no Senado brasileiro, que pretende punir como crime qualquer tipo de reprovação ao homossexualismo. Se assim for, até a Bíblia terá de ser censurada. Ora, há pessoas que decididamente têm ojeriza ao comportamento homossexual. Estão em seu direito. Desde que não pretendam coibir as opções sexuais de quem quer que seja.

Para Olaia Fernández, deputada do grupo nacionalista galego no Congresso, o BNG, rompeu-se o “princípio da neutralidade” da monarquia, que deve respeitar a pluralidade ideológica do Estado. Desde quando opção sexual é ideologia? Por outro lado, só por pertencer à realeza, doña Sofia não pode ter opiniões?

Claro que se a rainha se manifestasse a favor do casamento homossexual, ninguém falaria em rompimento do princípio da neutralidade. Os homossexuais espanhóis estão se deixando levar pela tentação do totalitarismo. Do mesmo totalitarismo que um dia reprovou seus comportamentos. Só falta estes senhores pretenderem que doña Sofia, qual uma Marta espanhola, assuma a liderança de suas passeatas heterofóbicas.

 
RAÇA SEGUNDO OS DICIONÁRIOS


A Internet é rápida. Hoje ainda, recebi uma chuva de mails, de leitores que me asseguram que raça é conceito que não pode ser aplicado a seres humanos. Ora, o que define a língua são os dicionários. Proponho um passeio por eles.

Diz o Merriam-Webster:
Race - 1: a breeding stock of animals 2 a: a family, tribe, people, or nation belonging to the same stock b: a class or kind of people unified by shared interests, habits, or characteristics 3 a: an actually or potentially interbreeding group within a species; also: a taxonomic category (as a subspecies) representing such a group b: BREED c: a category of humankind that shares certain distinctive physical traits.

No Larrousse, encontro:

Race - n. f. (it. razza, du lat. ratio; 1498) - 1. Ensemble des ascendants et des descendants d'une famille, d'un peuple: Race de David. - 2. Groupe d'individus se distinguant des autres par un ensemble de caractères biologiques, psychologiques ou sociaux qui se transmettent para hérédité: La foule des étudiants de toutes races descendait l'escalier (Butor). Cela soulevait toutes sortes des questions, le jazz, les races inférieures (Aragon). Etc.

No Diccionario de la Real Academia Española:

Raza - Casta o calidad del origen o linaje.
Razas humanas - Grupos de seres humanos que por el color de su piel y otros caracteres se distinguen en raza blanca, amarilla, cobriza y negra.

No dicionário María Moliner:

Raza - Cada uno de los grupos en que se divide una especie orgánica, formado por indivíduos que tienen ciertos caracteres comunes que los distinguen de los de los otros grupos de la misma categoria y que se transmiten por herencia. En la especie humana, cada uno de los grandes grupos caracterizados principalmente por el color de la piel: RAZA BLANCA, NEGRA, AMARILLA Y COBRIZA. También, dentro de la raza blanca, cada uno de ciertos grandes grupos con caracteres proprios y distintivos conservados a través de la historia. Raza semita. Y, en general, grupo humano extenso en el que se pueden distinguir caracteres que lo hacen homogéneo y distinto de otros y que se transmiten por herencia: 'Raza germánica, raza latina'.

No Dizionario Agostini della Lingua Italiana:

Razza - denominazione non scientifica di ogni gruppo umano que appare caractterizzato da somiglianze somatiche (colore della pelle, taglio degli occhi, aspetto dei capelli, ecc.: razza bianca; discriminazioni di razza; confliti tra razze.

Dicionário Aurélio:

Raça - (do it. razza.) S. f. 1. Conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por jereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo. 2. O conjunto de ascendentes e descendentes de uma família, uma tribo ou um povo, que se origina de um tronco comum. 3. Ascendência, origem, estirpe, casta. 4. Descendência, progênie, geração. 5. O conjunto dos indivíduos com origem étnica, lingüística ou social comum: A América recebeu, pela imigração, europeus de diferentes raças. 6. Geração, gente: Os sertanejos são uma raça forte. 7. Qualidade que se supõe própria de uma origem ilustre, como, p. ex., a distinção, a elegância, a coragem, o vigor.

Vejamos agora algo novo na lexicografia, o dicionário Houaiss:

Raça 1. Divisão tradicional e arbitrária dos grupos humanos, determinada pelo conjunto de caracteres físicos hereditários (cor da pele, formato da cabeça, tipo de cabelo, etc.). Etnologicamente, a noção de raça é rejeitada por se considerar a proximidade cultural de maior relevância do que o fator racial; certas culturas de raças diferentes estão muito mais próximas do que noutras da mesma raça.

Ao tentar rejeitar o conceito de raça, o velho bolchevique chega a confundir-se. Se certas culturas de raças diferentes estão muito mais próximas do que noutras da mesma raça, fica o dito pelo não-dito e raça continua existindo em sua antiga acepção.

 
A BÍBLIA E A EXISTÊNCIA DE RAÇAS


Ano passado, ao comentar o episódio de dois gêmeos idênticos que foram considerados como branco e negro pelo sistema de cotas, a revista Veja rendeu-se vilmente ao politicamente correto e titulou com gosto na capa:

É mais uma prova de que

RAÇA NÃO EXISTE


Se raça não existe – comentei na época - vamos então parar de falar em dálmatas, buldogs, bassets, beagles, dobermanns, filas, chihuahuas, chowchows, cockers, malteses, pequineses, pitbulls, poodles, yorkshires, São Bernardos, rottweilers. Nem nas mais de 400 raças caninas.

Tampouco se fale mais, quando se trata de cavalos, em raças árabe, crioula, Holsteiner, manga larga, puros sangues ingleses, espanhóis e lusitanos, lipizzaners, appaloosa e quartos de milha, percherons, paint horses, campolinas, favacho, JB, Bela Cruz. Nem nas mais de 100 outras raças conhecidas.

Abominável racismo falar em bois zebu, Aberdeen-Angus, Nelore, Hereford, Limousine, Brahman, Gir, Guzerá, holandês, charolês. Ou em ovinos merino, Texel, Île-de-France, Suffolk, Hampshire Down, Poli Dorset, Corriedale, Ideal, Laucane, Bordaleira. Tenha também respeito pelos galináceos. Elimine de seu vocabulário palavras como Legorne, D’Angola, Conchinchina, Hamburguesa, Brahma e Plymouth.

Ou alguém pretende que raça só exista no reino animal? Quando surge o Homo sapiens, este ser excelso, tocado pela graça divina, raça deixa de existir?

Um ano depois, o politicamente correto volta a atacar. Desta vez, através do livro Humanidade sem Raças, do doutor em genética humana Sérgio Pena, editado pela Publifolha. O autor defende a tese de que as raças e o racismo são uma invenção recente na história da humanidade. E o conceito de "raças humanas" surgiu e ganhou força com base em interesses de determinados grupos humanos, que necessitavam de justificativas para a dominação sobre outros grupos.

Tem muito negro que não vai gostar. O livro chega em um momento inoportuno. Em décadas passadas, os movimentos negros haviam concluído que raça não existia. Depois do estabelecimento de cotas para universidades, voltou a existir. Segundo um projeto do senador Paulo Paim, a condição de negro deve inclusive constar em documento. Quando se trata de ganhar no tapetão, o conceito de raça é muito conveniente. Mas volto ao livro do Dr. Pena, em cuja introdução lemos:

“Parece existir uma noção generalizada de que o conceito de raças humanas e sua indesejável conseqüência, o racismo, são tão velhos como a humanidade. Há mesmo quem pense neles como parte essencial da "natureza humana". Isso não é verdade. Pelo contrário, as raças e o racismo são uma invenção recente na história da humanidade”.

Curiosa afirmação feita por quem, um pouco antes no mesmo texto, afirma:

“A Bíblia nos apresenta os Quatro Cavaleiros do Apocalipse: Morte, Guerra, Fome e Peste. Com os conflitos na Irlanda do Norte, em Ruanda e nos Bálcãs, no fim do século passado, e após o 11 de Setembro, a invasão do Afeganistão e do Iraque e os conflitos de Darfur no início do século 21, temos de adicionar quatro novos cavaleiros: Racismo, Xenofobia, Ódio Étnico e Intolerância Religiosa”.

Para fazer afirmação tão abrangente, é de supor-se que o Dr. Pena andou lendo o Livro. Ainda em sua introdução, o autor considera que o primeiro modelo estrutural da diversidade humana, com base na divisão da humanidade em raças bem definidas, foi desenvolvido nos séculos 17 e 18 e culminou no racismo científico da segunda metade do século 19 e no movimento nazista do século 20.

Pelo jeito, o Dr. Pena anda com a Bíblia debaixo do sovaco, como os pastores evangélicos, e não se deu ao trabalho de lê-la atentamente. Pois o conceito de raças já está lá, no livro mais antigo do Ocidente. Senão vejamos Atos, 17, 24, quando Paulo, em Atenas, em pé no meio do Areópago, afirma:

“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há (...) de um só fez todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra, determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação.”

Ou Esdras, 9, 1 – “Ora, logo que essas coisas foram terminadas, vieram ter comigo os príncipes, dizendo: O povo de Israel, e os sacerdotes, e os levitas, não se têm separado dos povos destas terras, das abominações dos cananeus, dos heteus, dos perizeus, dos jebuseus, dos amonitas, dos moabitas, dos epípcios e dos amorreus; pois tomaram das suas filhas para si e para seus filhos; de maneira que a raça santa se tem misturado com os povos de outras terras; e até os oficiais e magistrados foram os primeiros nesta transgressão”.

Há uma raça santa, a dos filhos de Israel. É bom lembrar que Jeová, antes de ser um deus nacional, é um deus étnico. Existe a raça eleita, os judeus. E o resto é o resto. São os goyim.

Ainda em Atos, 7, 17 – “Enquanto se aproximava o tempo da promessa que Deus tinha feito a Abraão, o povo crescia e se multiplicava no Egito; até que se levantou ali outro rei, que não tinha conhecido José. Usando esse de astúcia contra a nossa raça, maltratou a nossos pais, ao ponto de fazê-los enjeitar seus filhos, para que não vivessem. Nesse tempo nasceu Moisés, e era mui formoso, e foi criado três meses em casa de seu pai”.

Nossa raça, diz o hagiógrafo. Não é um goy que confere aos judeus a característica de raça. É Lucas, narrador judeu. Ainda em Romanos, 2, 13, diz Paulo:

“Mas é a vós, gentios, que falo; e, porquanto sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério, para ver se de algum modo posso incitar à emulação os da minha raça e salvar alguns deles”.

Em II Coríntios, 2, 25, ainda é Paulo quem fala:

“Três vezes fui açoitado com varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos dos da minha raça”.

De novo, não é um goy quem fala, mas o judeu Paulo de Tarso. Saulo, antes de sua conversão. Nosso especialista em genética humana peca por total desconhecimento de história, ao afirmar que o conceito de raça surge nos séculos 17 e 18. Resta a pergunta: que interesse tem a Publifolha em publicar textos de tamanha fragilidade intelectual?

quarta-feira, outubro 29, 2008
 
DEUS NUNCA PERDE


No livro A Força da Fé, escrito pela jornalista Iva Oliveira, a apresentadora Ana Maria Braga, que já venceu dois cânceres, atribui sua cura à intervenção divina e a correntes de oração.

“Sei também que as mensagens positivas e as correntes de oração que fizeram para mim foram fundamentais para que eu pudesse enfrentar momentos tão difíceis. Recebi muita energia da família, dos amigos e dos telespectadores. Essa fé transformou a minha vida, apesar de que Deus sempre teve um significado muito grande para mim, mesmo antes de ficar doente”.

Ah! Eu conheço essas correntes. Quando minha mulher adoeceu, diversas correntes de oração foram formadas em várias capitais do país. Os participantes todos estavam convictos de que ela seria curada pelo poder da fé. “Estamos empenhando nossos créditos junto ao Poderoso” - disse-me um deles. Eu, que jamais acreditei nessas baboseiras, não podia reclamar. Estava de mãos atadas. Era um gesto de carinho em relação à Baixinha e isso não é coisa que se possa recusar.

Ela acabou partindo. De repente, mudou completamente a visão dos crentes: “agora, ela está em um mundo melhor”. Ora, se ao morrer vamos para um mundo melhor, por que não rezavam então os crentes para que morresse logo? Por que faziam correntes para que ficasse neste mundo pior? Esta pergunta jamais me foi respondida.

Com a mesma nonchalance de um Abraão ou Moisés, Ana Maria Braga tem comunicação direta com o Poderoso:

“Eu nunca deixei de falar com Deus. Também rezava muito na época em que estudei em colégio de freiras. Tinha até calos nos joelhos, pois era o dia inteiro rezando”.

Não só com o Poderoso, mas também com demais potestades:

“Desde aquela época, passei a ser devota de Nossa Senhora de Lourdes e sempre tive São Benedito na minha cozinha. Porém, de uns tempos para cá, como todo mundo sabe, Nossa Senhora de Fátima Peregrina se transformou em minha grande companheira. Não que eu tenha deixado de ser devota dos outros santos, mas Nossa Senhora de Fátima passou a ter um significado muito grande porque entreguei minha vida em suas mãos na época do meu segundo câncer. Foi quando ela começou a me visitar em casa. Estava muito carente e a chegada da santa foi uma bênção. Ela virou uma grande amiga. Toda noite, conversava com ela. Chorava a seus pés e encontrava forças para lutar contra a doença. Nossos diálogos eram tão intensos que ouso dizer que ela sorria para mim. Hoje, além de recebê-la com freqüência em casa, onde há um altar reservado para ela, faço uma missa em sua homenagem anualmente, porque prometi que assim seria caso sobrevivesse. É a minha maneira de agradecer”.

Ao ter detectado seu último câncer, por via das dúvidas Ana Maria Braga buscou medicina de ponta em Miami, para ver se havia metástases. O resultado foi negativo. Espanta saber que a moça buscou resposta na vã ciência dos mortais, quando poderia interrogar o Onisciente. Se tem tanta intimidade com Deus, a ponto de falar com ele a qualquer hora, bem que poderia perguntar-lhe sobre a evolução da doença. Ou, se não quisesse desviar a atenção do Senhor de suas graves preocupações com o universo, bem que podia perguntar para a Fátima, sua grande amiga.

Em vez de entregar-se aos cuidados do Senhor ou aos braços de sua grande amiga, Ana Maria Braga preferiu internar-se em um dos mais reputados hospitais de São Paulo, o Sírio Libanês. Em vez de entregar-se à graça divina, prudentemente, preferiu fazer quimioterapia. Uma vez curada, encomenda missas não para seus médicos, nem para o Sírio Libanês, mas para a Fátima Peregrina. Insólita homenagem, afinal a Fátima - como também as demais Marias, que no fundo são uma só - está desde há muito nos céus e não precisa de missa alguma.

“Considero-me atualmente uma pessoa espiritualizada, pois, além da crença nos meus santos, sigo princípios do budismo, acredito na vida após a morte e vou tirando um pouquinho de cada religião”. Quer dizer, uma fichinha em cada fé. Nunca se sabe. De qualquer forma, melhor apelar à boa medicina.

Deus sempre ganha. Se a pessoa se cura, é porque Ele a curou. Se morre, é porque Ele, em sua misericórdia, a levou para um mundo melhor. Razão tinha Sua Santidade Bento XVI, ao afirmar que a palavra divina é mais sólida que ações na Bolsa. Largue suas ações da Vale, Petrobras, Volkswagen.

Faça como Ana Maria Braga, aposte no Verbo divino.

 
INTERNET ANULA GREVE


Le Monde anuncia que hoje não estará nos quiosques, devido a uma greve de distribuidores. Mas que pode ser acessado em seu site. Certas greves perdem o sentido nestes dias de Internet.

 
ESPÍRITO DE JERICO BAIXA
NO MINISTÉRIO PÚBLICO



Não passa mês neste país sem que alguma autoridade incorpore o espírito de jerico. Desta vez, foi o Ministério Público Federal (MPF), que protocolou ontem uma ação civil pública em São José dos Campos contra as três principais cervejarias brasileiras, com pedido de indenização pelo aumento nos danos causados pelo consumo de cerveja e chope. Com base em mais de dez estudos científicos sobre o álcool, o procurador da República Fernando Lacerda Dias exige que AmBev, Schincariol e Femsa paguem R$ 2,764 bilhões e ainda invistam o mesmo valor gasto com publicidade em programas de prevenção e tratamento de dependentes.

Primeira pergunta que salta aos olhos: por que a cerveja e o chope? De todos os álcoois que o mercado oferece, por sua gradação a cerveja é o mais inofensivo. É óbvio que um vinho a 12º, 13º ou mais graus será mais prejudicial que uma cervejinha a 5º ou 6º. Isso sem falar nos destilados a 40 e mais graus. Se pensarmos em acidentes de trânsito, também é óbvio que uísque ou cachaça embriagam mais e mais rápido que inocentes chopes. Além do mais, não existe recente legislação proibindo dirigir após beber um copo de cerveja?

Segunda pergunta: se é para indenizar danos causados à saúde, por que não taxar os açougues e churrascarias? Picanha gorda também mata. E uma última pergunta: alguém porventura é coagido a beber? É quando surge o argumento do poder da propaganda. Segundo o procurador, “a propaganda de cerveja e chope não serve simplesmente para fixar uma marca. Há uma pesquisa bancada pela Organização Mundial da Saúde que mostra que a publicidade induz um aumento de 11% no consumo global de bebidas alcoólicas, até mesmo acarretando a iniciação precoce ao consumo”.

Melhor ir à raiz do problema. Proiba-se então a publicidade do álcool. Não imagine o procurador que uma empresa fará publicidade se não for para vender mais. De minha parte, desconfio desse suposto poder avassalador da propaganda. A cerveja já era consumida nos tempos dos Faraós, e não temos registro de que os antigos egípcios conhecessem técnicas de marketing. O álcool acompanhou a humanidade durante séculos, quando sequer se cogitava de publicidade. Regou as saturnálias romanas e as orgias gregas, saciou a sede dos exércitos e alegrou homens e mulheres de todas as classes sociais. Os exércitos romanos sempre levavam consigo grandes estoques de vinho. Não por influência da publicidade. É que temiam beber água dos poços dos territórios ocupados, que podia estar envenenada. O álcool sempre foi bom companheiro. Alá não gosta de álcool? Bom, mas no deserto não dá mesmo para plantar uva ou cereais.

É preciso alguma publicidade para que alguém consuma drogas? Nunca vi propaganda alguma de maconha, crack ou cocaína. Apesar de proibidas, estas drogas estão à mão de quem quiser consumí-las. Por mais que autoridades ou polícia tentem coibi-las, seu consumo sempre aumenta. Comecei a beber relativamente jovem, e não lembro de publicidade alguma que me induzisse a beber. Bebia porque meus amigos de bar bebiam, e não se vai a bar para beber água.

O mesmo já se tentou em relação à indústria tabagista. Pessoas que fumaram uma vida toda, destruídas pelo câncer, enfisema e doenças coronarianas, pretenderam processar as empresas do tabaco pelos danos causados pelo cigarro. Ou seja: eu fumo, eu bebo, destruo meu organismo alegremente e passo a conta para o fornecedor de meus prazeres.

Pelo jeito, o procurador viu as contas de publicidade das companhias cervejeiras e cresceu-lhe o olho grande.

terça-feira, outubro 28, 2008
 
BOAS LEITURAS


Seguidamente, leitores me pedem sugestões de boas leituras. A pergunta é complicada, afinal cada leitor tem seus interesses. Quem quiser sugestões inteligentes, pode visitar o blog de Guilherme Roesler: http://acao-humana.blogspot.com.

Nas últimas postagens, resenhas sobre O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler.

 
QUEM MATOU ELOÁ?


Em crônica passada, comentei que o assassinato da menina seqüestrada em Santo André ocorreu em função do clima pré-eleitoral. Os atiradores de elite tiveram o criminoso por seis vezes na mira. Mas não ficaria bem para o governo, como me aventava um leitor, a televisão mostrar ao eleitorado restos do cérebro do criminoso espalhados no piso. A vantagem de Kassab sobre Marta Suplicy poderia esvanecer-se no ar. Melhor deixar estar para ver como fica. Como ficou, todos sabemos. Uma menina morta e outra com um balaço na boca. O criminoso saiu ileso.

Jornal algum aventou esta hipótese. A imprensa paulistana está de mãos atadas quando se trata de criticar José Serra. Na Folha de São Paulo, por exemplo, é proibida qualquer crítica a Serra. Na edição de hoje da Folha, lemos esta discreta notinha, reproduzida do jornal Agora:

Governo não autorizou tiro em Lindemberg

O promotor Antonio Nobre Folgado disse ontem que os integrantes do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) não tinham autorização do gabinete de crise e de seus superiores para realizar o "tiro de neutralização" contra Lindemberg Alves Fernandes, 22, que matou Eloá Cristina Pimentel, 15.
O gabinete de crise era constantemente informado sobre o andamento da situação e era formado por José Serra (PSDB), pelo secretário da Segurança Pública, Ronaldo Marzagão e pela cúpula da PM.
Segundo o promotor, essas informações constam dos depoimentos de PMs e dos comandantes do Batalhão de Choque, coronel Eduardo Félix, e do Gate, Adriano Giovaninni.


Ao ser aprisionado e desarmado, o criminoso andou levando uns tabefes. O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe-SP) enviou à Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo o pedido para investigar a agressão a Lindemberg Alves. Claro que os direitohumanistas jamais pedirão para investigar o assassinato de Eloá.

Os policiais estavam de mãos atadas. Imagine se além de uns tabefes, o criminoso fosse morto. Kassab arriscaria perder as eleições. Se alguém é responsável pela morte da menina Eloá, este alguém se chama José Serra. Mas é claro que nenhum jornal da grande imprensa levantará esta lebre.

segunda-feira, outubro 27, 2008
 
Momentos sublimes da Bíblia:
PARA CONQUISTAR BETSABÉ,
O SÁBIO E JUSTO REI DAVI
MANDA MATAR SEU MARIDO



II Samuel 11, 1 - Tendo decorrido um ano, no tempo em que os reis saem à guerra, Davi enviou Joabe, e com ele os seus servos e todo o Israel; e eles destruíram os amonitas, e sitiaram a Rabá. Porém Davi ficou em Jerusalem. Ora, aconteceu que, numa tarde, Davi se levantou do seu leito e se pôs a passear no terraço da casa real; e do terraço viu uma mulher que se estava lavando; e era esta mulher mui formosa à vista.

Tendo Davi enviado a indagar a respeito daquela mulher, disseram-lhe: Porventura não é Betsabé, filha de Eliã, mulher de Urias, o heteu? Então Davi mandou mensageiros para trazê-la; e ela veio a ele, e ele se deitou com ela (pois já estava purificada da sua imundícia); depois ela voltou para sua casa. A mulher concebeu; e mandou dizer a Davi: Estou grávida. Então Davi mandou dizer a Joabe: Envia-me Urias, o heteu. E Joabe o enviou a Davi.

(...)

Pela manhã Davi escreveu uma carta a Joabe, e mandou-lha por mão de Urias. Escreveu na carta: Ponde Urias na frente onde for mais renhida a peleja, e retirai-vos dele, para que seja ferido e morra. Enquanto Joabe sitiava a cidade, pôs Urias no lugar onde sabia que havia homens valentes. Quando os homens da cidade saíram e pelejaram contra Joabe, caíram alguns do povo, isto é, dos servos de Davi; morreu também Urias, o heteu.

 
Momentos sublimes da Bíblia:
PARA PUNIR DAVI PELA MORTE DE URIAS,
O BOM JEOVÁ MATA SEU FILHO INOCENTE



II Samuel 12, 9 - Por que desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o mal diante de seus olhos? A Urias, o heteu, mataste à espada, e a sua mulher tomaste para ser tua mulher; sim, a ele mataste com a espada dos amonitas. Agora, pois, a espada jamais se apartará da tua casa, porquanto me desprezaste, e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher. Assim diz o Senhor: Eis que suscitarei da tua própria casa o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei a teu próximo, o qual se deitará com tuas mulheres à luz deste sol. Pois tu o fizeste em oculto; mas eu farei este negócio perante todo o Israel e à luz do sol.

Então disse Davi a Natã: Pequei contra o Senhor. Tornou Natã a Davi: Também o Senhor perdoou o teu pecado; não morreras. Todavia, porquanto com este feito deste lugar a que os inimigos do Senhor blasfemem, o filho que te nasceu certamente morrerá. Então Natã foi para sua casa. Depois o Senhor feriu a criança que a mulher de Urias dera a Davi, de sorte que adoeceu gravemente. Davi, pois, buscou a Deus pela criança, e observou rigoroso jejum e, recolhendo-se, passava a noite toda prostrado sobre a terra.

Então os anciãos da sua casa se puseram ao lado dele para o fazerem levantar-se da terra; porém ele não quis, nem comeu com eles. Ao sétimo dia a criança morreu; e temiam os servos de Davi dizer-lhe que a criança tinha morrido; pois diziam: Eis que, sendo a criança ainda viva, lhe falávamos, porém ele não dava ouvidos à nossa voz; como, pois, lhe diremos que a criança morreu? Poderá cometer um desatino.

 
Momentos sublimes da Bíblia:
APÓS SABER DA MORTE DO FILHO,
DAVI COME E DEITA COM BETSABÉ



II Samuel 12,19 - Davi, porém, percebeu que seus servos cochichavam entre si, e entendeu que a criança havia morrido; pelo que perguntou a seus servos: Morreu a criança? E eles responderam: Morreu. Então Davi se levantou da terra, lavou-se, ungiu-se, e mudou de vestes; e, entrando na casa do Senhor, adorou. Depois veio a sua casa, e pediu o que comer; e lho deram, e ele comeu.

Então os seus servos lhe disseram: Que é isso que fizeste? pela criança viva jejuaste e choraste; porém depois que a criança morreu te levantaste e comeste. Respondeu ele: Quando a criança ainda vivia, jejuei e chorei, pois dizia: Quem sabe se o Senhor não se compadecerá de mim, de modo que viva a criança? Todavia, agora que é morta, por que ainda jejuaria eu? Poderei eu fazê-la voltar? Eu irei para ela, porém ela não voltará para mim.

Então consolou Davi a Betsabé, sua mulher, e entrou, e se deitou com ela. E teve ela um filho, e Davi lhe deu o nome de Salomão.

domingo, outubro 26, 2008
 
QUANDO PESQUISA
É QUESTÃO DE FÉ



No dia 15 de agosto passado, uma pesquisa Ibope mostrava que Marta Suplicy, candidata à prefeitura de São Paulo pelo PT, liderava a campanha eleitoral com 41% das intenções dos votos. Geraldo Alckmin (PSDB) era o segundo colocado, com 26%. Em seguida, apareciam os candidatos Paulo Maluf (PP), com 9%, e o atual prefeito, Gilberto Kassab (DEM), que caíra para 8%.

Confiando nos dados da pesquisa, comentei que daria Marta na cabeça. Escrevi que o racha do PSDB e a teimosia de Alckmin e Kassab iriam entregar de novo a prefeitura de São Paulo ao PT e a uma perua que já fizera uma gestão desastrosa. O Supremo Apedeuta concordava comigo. "Só para lembrar, a Marta vai ganhar as eleições em São Paulo com os votos do povo da cidade", disse Lula após reunião com o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, em Nova Delhi.

Há horas em que até mesmo um ateu empedernido vira místico. Graças ao bom Deus, me enganei redondamente. Com 100% das urnas apuradas, a candidata do PT teve a pior derrota na disputa pelas prefeituras de capitais neste segundo turno das eleições. O resultado final ficou em 60,72% dos votos válidos para Kassab contra 39,28% para Marta. A diferença foi de 21,44 pontos percentuais. Em dois meses, de lanterninha Kassab passou a vencedor, com larga vantagem de votos. Ou seja, pesquisa é questão de fé.

Meu consolo é que Dona Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy, que há dois meses andava de salto alto, também se enganou redondamente. O Supremo Apedeuta também.

sábado, outubro 25, 2008
 
FEEL CHIC, QUE A
CRISE NÃO EXISTE



Há uma crise financeira no planetinha, não é verdade? O mercado imobiliário afunda, bolsas idem, bancos também. O Ocidente – e não só o Ocidente – tem medo. Medo de 29, medo do desemprego, medo da recessão. Medo, pelo jeito, só não existe neste país abençoado por Deus, bonito por natureza, que beleza!

Há duas semanas, aqui em São Paulo, foram leiloados por cinco mil reais oitenta lugares do assim chamado “Jantar do Século” - e isso que o século recém iniciou – evento que reunirá a também assim chamada vanguarda da gastronomia espanhola, capitaneada pelo também assim chamado chef dos chefs, Ferran Adrià. O menu do jantar, que será realizado na próxima segunda-feira, terá 19 pratos: dez servidos à mesa e nove em estações onde os 15 chefs convidados demonstrarão diante dos comensais toda técnica que utilizam. Adrià elaborará um moshi de gorgonzola e um pão-de-ló de gergelim negro. Juan Mari Arzak, por sua vez, um atum em fogueira de escamas e cebola. Já o chef basco Martín Berasategui, irá preparar um mil-folhas caramelizado de enguia defumada, foie gras e maçã verde. Os vinhos, incluídos no valor do jantar, serão harmonizados por Danio Braga, do Locanda Della Mimosa, de Petrópolis, no Rio de Janeiro. É o que dizem os jornais.

Ora, por cinco mil reais você vai e volta a Paris, come muito bem em pelo menos dez restaurantes dos melhores e ainda sobra troco. É preciso ser muito brasileiro para cair neste conto. Os tais de chefs descobriram esta tendência que reside no DNA tupiniquim e estão investindo firme na brasílica estupidez.

Não só os chefs. As grifes de moda também. Leio na Folha de São Paulo que hoje você pode desfilar com bolsa Chanel, rodar de Ferrari, ostentar jóias e impressionar convidados exibindo obras de arte em casa, sem que nada disto seja seu. Basta alugar para pertencer ao clube dos endinheirados. Pelo menos aparentemente. Mas isto é o que importa. Segundo o jornal, a última novidade é a Feel Chic, que aluga acessórios de marcas como Salvatore Ferragamo e Louis Vuitton. É uma cópia das americanas Bag Borrow or Steal e Borrowed Bling. O aluguel semanal de uma bolsa de R$ 8.000 chega a R$ 540.

Mas quem paga para dar rolê com bolsa de grife? – pergunta-se o jornal. Gente como a executiva Karina Zambotti, que lá de Nova York explica: "Aluguei uma Chanel dourada por R$ 400 para vir a uma reunião da empresa. Tenho uma Louis Vuitton, mas é menor. Venho para cá várias vezes por ano, já conhecia o conceito. Achei legal isso chegar ao Brasil: para mim, vale a pena alugar, porque compro uma, logo quero outra."

Na locadora Star Cars, você pode alugar uma Ferrari, por módicos dois mil reais por três horas. Você pode também alugar desde tapetes persas, até móveis e obras de arte, para exibi-los como se fossem seus. Segundo o decorador Nando Marmo, o aluguel de uma tela fica em 5% do seu valor. Por seu trabalho, cobra algo entre R$ 1.500 e R$ 25 mil. Exemplo de cliente? O executivo que fez marketing de relacionamento para fechar um contrato. "Coloquei santos barrocos, lustres Baccarat e uma tela do Di Cavalcanti na sala dele." Não se sabe se o contrato vingou, mas "ficou um luxo". O cliente, às vezes, quer impressionar por razão romântica: o decorador já montou cena com escultura de Victor Brecheret e tudo, para turbinar o pedido de casamento durante um jantar íntimo.

Conta a pediatra Paula Ranzini, sócia de uma loja de aluguel de bolsas, a Feel Chic: “Uma das nossas amigas e agora sócia descobriu um site em Nova York que aluga bolsas de marcas de luxo. Ela alugou uma Louis Vuitton, passou uma semana com a bolsa. A sensação foi maravilhosa, voltou contando como ela chamou a atenção nos lugares e foi bem tratada. Então sugeriu que montássemos um negócio parecido aqui. Achamos genial”.

Nada de comprar uma réplica na 25 de Março. “Quando você usa bolsa falsa, sabe que não é de verdade e os outros podem perceber. Pega mal. Além disso, o mercado de falsificação envolve muita coisa errada”.

Cobra-se de 8% a 10% do valor da bolsa, por semana. Segundo a pediatra, com a alta do dólar, as bolsas vão ficar mais caras ainda. As pessoas preferem então alugar. Estadistas e economistas quebram a cabeça sobre como enfrentar a crise. Ora, é simples. Finja que a crise não existe. E continue vivendo em um patamar no qual não pode viver.

Você não tem? Alugue e será como se tivesse. A realidade pouco ou nada tem de real. O que importa são as aparências. Feel chic, e a crise será conjurada.

sexta-feira, outubro 24, 2008
 
SOBRE MONGES MISÓGINOS,
MILIONÁRIOS E CORRUPTOS



Existe na Grécia uma montanha jamais pisada por mulher, desde que foi consagrada à Virgem, há mais de mil anos. É o monte Athos, a Montanha Sagrada. Em grego, Aghion Oros. Não só mulheres estão proibidas de pisar o solo sagrado, como toda e qualquer fêmea, seja cabra, ovelha ou galinha. No cais do porto pelo qual se chega à montanha, monges com olhos treinados vigiam para que nenhuma mulher vestida de homem profane o monte Athos.

Em sua autobiografia, Testamento para El Greco, Nikos Kazantzakis conta sua visita a esta montanha só pisada por machos. O amigo que acompanhava Kazantzakis quis saber como os monges distinguiam as mulheres dos homens.
- Pelo cheiro – respondeu um jovem monge. E pediu ao rapaz que se dirigisse a um monge mais velho, que já fora sentinela no cais.
- As mulheres tem outro cheiro, Santo Padre? Que cheiro têm?
- Como gambás, fedorentas – respondeu o ancião.

Espécie de Vaticano greco-ortodoxo, este Estado misógino, com 371 km2, está situado na mais oriental das três penínsulas da Tessalônica, ao norte da Grécia e abriga cerca de 1500 monges ortodoxos, distribuídos em vinte mosteiros principais. Mesmo pertencendo ao território grego, constitui uma entidade teocrática independente. Para entrar no monte Athos, é preciso uma permissão especial, apesar de a Grécia fazer parte da União Européia e ter abolido os controles de fronteira. O encrave é rico em tesouros artísticos, como antigos manuscritos, ícones e afrescos. Desde suas origens, a Montanha Santa hospedou místicos e mestres espirituais cujos escritos foram recolhidos no século XVIII numa antologia - a Filocalia - que influenciou profundamente o mundo ortodoxo.

Os monges seguem uma vida de desapego aos bens materiais. Desapego, mas não muito, ao que tudo indica. Segundo o Courrier International, um sagrado escândalo sacode a Grécia. Até o momento intocável, o monastério de Vatopediou, um dos vinte da montanha santa, está sendo denunciado por transações imobiliárias duvidosas realizadas com o Estado. A affaire diz respeito a duas construções da vila olímpica, erguidas para os jogos de 2004, cedidas ao monastério pelo governo por uma soma simbólica e imediatamente revendidas pelos monges por uma plus-valia considerável.

O jornal grego Eleftherotypia pesquisou as posses do monastério, que é proprietário de numerosos bens na Grécia, como também em dez outros países, entre os quais a Bulgária, Romênia, Moldávia, Chipre e Turquia. Este patrimônio é calculado em centenas de milhões de euros. Trata-se de terras cultiváveis, terrenos de construção, residências, hotéis, empresas de todo tipo e mesmo minas. Nada mau para quem se dedica a uma vida monástica.

Para o jornal de oposição Ta Nea, as revelações de transações entre o Estado e o monastério de Vatopediu estão longe de acabar. “Em apenas um ano, vários terrenos foram doados ao monastério pelo Estado. Os monges decidiram então trocá-los pelas duas construções da vila olímpica, revendidas três meses depois por cerca de 41 milhões de euros, o dobro do preço de compra. Outras propriedades, como terrenos e lagos, teriam custado ao Estado mais de cem milhões de euros, isentos de imposto. Com efeito, a Igreja não paga imposto. Nenhum imposto. No entanto, uma tributação da Igreja, maior proprietária da Grécia, permitiria reequilibrar o orçamento do Estado”.

Misóginos, mas malandros, nossos monges. Não gostam de mulheres. São fedorentas. Mas nada têm contra o vil metal. Dinheiro não tem cheiro. Igrejas em muito se parecem.

quinta-feira, outubro 23, 2008
 
REVERENDO BRITÂNICO COMPARA
GABEIRA A BÍBLICO ASSASSINO



Quando Dona Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy insinuou em campanha eleitoral a homossexualidade de Gilberto Kassab, não faltou quem comparasse esta intromissão na privacidade do candidato com a entrevista de Fernando Henrique Cardoso a Boris Casoy, em 1985, quando este perguntou se ele acreditava em Deus. FHC vacilou isto teria sido decisivo para sua derrota por Jânio Quadros nas eleições para prefeito de São Paulo.

Está se comparando triângulos com laranjas. Homossexualidade é questão de foro íntimo e ninguém está obrigado a exibir o sexo na televisão e jornais. Já é bom saber qual a crença de cada candidato. Não só a crença em Deus, como ainda a que religião pertence. Imagine se um pastor evangélico é eleito prefeito de uma cidade como São Paulo. Dia seguinte, ele baixa lei permitindo que os templos façam quanta algazarra quiserem para exorcizar os demônios. Para os evangélicos, o demônio é surdo e só sai do corpo do crente quando conjurado em altos berros.

Mas não era disto que queria falar. Anteontem, a Folha de São Paulo fez a Fernando Gabeira a fatídica pergunta feita a FHC: você acredita em Deus? O intrépido ex-guerrilheiro - que teve o destemor de erguer-se em armas contra o Exército nacional - como cão medroso que foge com o rabo entre as pernas, saiu pela tangente:

- Defendo liberdade de religião. Tenho em relação aos verdadeiros religiosos duas afinidades. A primeira é a compaixão como sentimento mais importante. A segunda é o relativo desapego a bens materiais.

Quer dizer, não disse nada. Por um lado, ficaria mal para um intelectual que posa de esclarecido admitir sua crença em superstições milenares. Por outro, ele sabe muito bem que neste país ateu perde mais votos que homossexual. A Folha insiste: e divindade, Deus? De novo Gabeira foge à pergunta:

- Essa noção é ocidental. Se você tem compaixão, desapego a bens e está junto das pessoas, acreditar em Deus não fará diferença na relação de fraternidade.

De novo, não respondeu. Além do mais, disse bobagem. A noção de Deus não é ocidental. Diga-se de passagem, vem do Oriente. Existia antes mesmo do conceito de Ocidente.

Gabeira, empatado com seu oponente, está namorando os evangélicos. Uma mãozinha divina faz diferença, se faz! Ontem, em Campo Grande, recebeu o apoio do líder da Igreja Reina, o bispo Hermes Fernandes, e de pastores da Assembléia de Deus e das igrejas Batista e Presbiteriana. O reverendo inglês Martin Scott, em visita ao Brasil pela Pioneer Church, comparou-o a Moisés.

"Moisés se inquietou muito com a pobreza e a escravidão em que o povo se encontrava na época. Atravessou uma época sendo mal compreendido, uma temporada de exílio, mas voltou para o seu povo. Ele ficou relutante e teve dificuldade para aceitar aquele chamado. Não estou dizendo que você é como ele, mas há uma comparação", afirmou Scott.

Como Moisés, Gabeira de fato teve de optar pelo exílio. Por pertencer a um grupo armado e por ter seqüestrado um embaixador americano. Mas não matou ninguém. O que o reverendo não contou é que Moisés exilou-se por ter assassinado um feitor no Egito. Começou sua carreira de patriarca com um crime.

Para o reverendo Scott, que parece estar ainda no século 13 A.C., "a Bíblia é clara quando diz que os apontados para cargos públicos são apontados de Deus. Esse é o momento mais importante da sua vida, quando todos os motivos para você ter nascido estão para se cumprir". Logo Gabeira, o defensor da liberação da maconha e do casamento entre homossexuais. O reverendo parece não ter lido o Levítico: “Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é abominação”.

Isto é o de menos. Começando sua vida como assassino, Moisés, já na condição de líder de Israel, manda passar a fio de espada nada menos que três mil judeus. Exatamente o mesmo número de assassinatos pelos quais Pinochet foi acusado de genocídio. Lemos no Êxodo, 32:

25 Quando, pois, Moisés viu que o povo estava desenfreado (porque Arão o havia desenfreado, para escárnio entre os seus inimigos), 26 pôs-se em pé à entrada do acampamento, e disse: Quem está ao lado do Senhor, venha a mim. Ao que se ajuntaram a ele todos os filhos de Levi. 27 Então ele lhes disse: Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Cada um ponha a sua espada sobre a coxa; e passai e tornai pelo acampamento de porta em porta, e mate cada um a seu irmão, e cada um a seu amigo, e cada um a seu vizinho. 28 E os filhos de Levi fizeram conforme a palavra de Moisés; e caíram do povo naquele dia cerca de três mil homens.

Fosse Gabeira comparado a Pinochet, certamente se sentiria caluniado. Claro que não recusará a comparação ao bíblico assassino. Não vai jogar fora preciosos milhares de votos.

quarta-feira, outubro 22, 2008
 
RAMADÃ SALAFISTA
NÃO É TÃO RUIM ASSIM



O salafismo é um movimento reformista islâmico que surgiu no Egito no final do século XIX. Produto do contato entre o mundo muçulmano e o ocidental, tem por objetivo reformar a doutrina islâmica de forma a adaptá-la aos novos tempos. Entre seus teóricos, está um grupo de intelectuais da universidade Al-Azhar, do Cairo.

Comentei outro dia a doutrina rabinica segundo a qual o leite materno não é impuro, e portanto seu consumo é permissível aos filhos de Israel. Com uma restrição: adulto não pode mamar. Abominável dogmatismo judaico. Para os salafistas, nada obsta. Pelo contrário, é um direito.

O Islã é supreendente. Izzat Al-Attiah, ulemá egípcio e antigo responsável do departamento de estudos do Hadith na universidade Al-Azhar, lançou fatwa autorizando a amamentação dos adultos durante o ramadã. Fatwa é fatwa. Os salafistas ameaçaram repudiar suas mulheres se elas se recusam a amamentar os amigos que passam o ramadã em suas casas. Os maridos exigem que suas consortes amamentem seus hóspedes. No fundo, a intenção é evitar toda relação ambígua. As mulheres têm de dar o seio aos amigos para estabelecer uma relação familial pelo leite, impedindo assim toda relação ilícita. Prudentes, os salafistas.

Não pensa da mesma forma o xeique argelino Shamsedine Bouroubi. Em entrevista ao jornal Al-Chourouk, Bouroubi denuncia a importação de fatwas do estrangeiro e alerta sobre os efeitos nefastos destas práticas na sociedade argelina. O xeique considera esta fatwa uma deriva perigosa e inquietante do Islã no país e conclama os ulemás e pregadores a intervir e pôr fim à aplicação de fatwas importadas. Conta que um empresário argeliano, atraído por uma de suas empregadas, o consultou sobre a legalidade desta fatwa. Ele queria mamar nos seios de sua funcionária, e para isso consultou o santo homem.

Sei lá! Pouco conheço da teologia muçulmana. Mas sou mais o ulemá Izzat Al-Attiah. Mulher que se recusa ao mais comezinho dever de hospitalidade tem de ser repudiada mesmo. Talak, talak, talak.

 
POLÍCIA IANQUE PROTEGE
HONRA DE ASPIRADOR



Que um moralismo fanático vige em certos Estados americanos, disto todos sabemos. Mas agora os moralistas exageraram. Leio no noticiário on line que a polícia de Michigan prendeu um homem surpreendido mantendo relações sexuais com um aspirador, na lavadora de automóveis em que trabalhava. A informação foi divulgada pelo jornal The Saginaw News.

O homem de 29 anos, que não teve o nome divulgado, foi preso depois que a polícia recebeu a denúncia de um morador próximo. O informante disse que aconteciam "atividades suspeitas" no estabelecimento. Surpreendido durante o ato sexual, o homem foi enviado à prisão do condado de Saginaw.

O Saginaw News não esclarece em que figura penal foi enquadrado o indigitado réu. Tampouco informa se o aspirador era menor de idade, se era ou não virgem, se o sexo foi consensual ou forçado. Nem se o aspirador era de programa. A menos que aspiradores tenham personalidade jurídica nos Estados Unidos, estamos diante de um caso de insólita intolerância. Mais um pouco e os legisladores ianques criminalizam o uso de vibradores e cucurbitáceas.

 
BERDIMUJAMEDOV E
O KNOW-HOW NOSSO



Gurbanguli Berdimujamedov, presidente do Turcomenistão, imbuído por aquele conhecido trejeito do “nunca antes neste país”, ordenou aos artistas que representem melhor a magnitude da ressurreição do país, a partir de sua chegada ao poder. E baixou decreto neste sentido, a respeito de "roteiros de filmes, canções, romances literários, contos e grandes poemas". Em suma, os artistas devem enaltecer seu governo.

Berdimujamedov não entende das coisas, nem tem jogo de cintura. Seu decreto é inábil e lhe confere uma imagem de tiranete asiático. Bem que podia recorrer ao know-how tupiniquim. Cria-se uma lei de incentivos fiscais e toda a classe artística se põe a louvar o governo. Que se dá ao luxo de posar como incentivador da cultura e das artes.

Claro que a lei não se chamaria Rouanet. Mas sim lei Gurbanguli Berdimujamedov de Incentivo às Artes e aos Artistas. Berdimujamedov não seria mais visto como um tiranete asiático. Mas como um estadista que entendeu as necessidades culturais do Turcomenistão. Além do mais, ganharia a subserviência unânime, total e irrestrita, dos intelectuais de seu país.

terça-feira, outubro 21, 2008
 
QUANDO INTERPRETAR É PERIGOSO


Comentei outro dia que os países islâmicos pretendem que a conferência da ONU sobre racismo e discriminação que ocorrerá na Suíça em 2009, seja transformada em uma declaração forte contra a blasfêmia, alegando que muçulmanos em todo o mundo ocidental estão sendo atacados por sua religião. Logo neste Ocidente onde, após o fim da Inquisição, sempre houve liberdade de crítica a qualquer religião. Ninguém mais vai para a forca ou fogueira por blasfêmia. Entre nós, blasfêmia é direito adquirido.

O mesmo não ocorre no Afeganistão, onde um jornalista de 23 anos, Sayed Perwiz Kambajsh, acusado de blasfêmia contra o islamismo por um tribunal de Cabul, foi condenado à morte. Kambajsh, que é muçulmano, foi detido em outubro do ano passado por ter distribuído aos colegas de classe um panfleto "ofensivo ao Islã e com interpretações erradas de versículos do Alcorão", segundo a acusação. Como nos dias da Inquisição, quando o menor desvio teológico poderia levar um cristão à fogueira.

Os jornais não informam o que Kambajsh escreveu. Dizem apenas que imprimiu artigos com interpretações do Islã, relativos em particular à condição da mulher, este nó górdio que divide irremediavelmente o universo muçulmano e o Ocidente. Desde há muito defendo a tese de que o Islã sofre de ginecofobia. Da mesma ginecofobia da Igreja de Roma, que um dia viu em toda mulher uma bruxa em potencial. O procedimento para se saber se uma mulher era bruxa ou não era simples. A mulher era submetida às ordálias, também chamadas de “juízo de Deus”. Atada de mãos e pés, a mulher era jogada num rio. Se conseguia boiar, era óbvio que era bruxa: a água, elemento puro, recusava seu corpo, elemento impuro. E ia para a fogueira. Se morria afogada, maravilha. Não era bruxa. A água, elemento puro, aceitava seu corpo também puro.

A Hégira, como se chama a era muçulmana, tem como início a fuga de Maomé de Meca para Medina, em 622 da era cristã. Pelo calendário ocidental, os árabes recém estão chegando a 1386. Nesta época, até a higiene em si era considerada suspeita pelos inquisidores e tomar banho era visto como uma prova de apostasia para marranos e muçulmanos. Frase comum nos registros da Inquisição: "o acusado é conhecido por tomar banho". Pessoas limpas não tinham porque se lavar.

Mutatis mutandis, os muçulmanos recém estão chegando à Idade Média. Mais seis séculos e talvez um dia cheguem ao mundo contemporâneo. Já há sinais de tolerância. O tribunal de Cabul mostrou-se leniente e comutou a pena de Kambajsh. Em vez de ser executado, cumprirá apenas... vinte anos de prisão. Interpretar é perigoso.

segunda-feira, outubro 20, 2008
 
AINDA O FILÓSOFO


Luc Ferry vê na sociedade contemporânea uma insatisfação permanente, medo e consumismo. Vamos por partes. “A condição do homem moderno é mais trágica do que nunca. O casamento por amor nos condiciona a amar mais e mais. A perda do ser amado tornou-se um luto. Isso só aumenta o descontentamento do mundo ocidental, no qual o homem se transformou num ser eternamente insatisfeito”.

Estarão as pessoas hoje casando por amor? Ora, amor é muito bonito na literatura, no cinema, nas telenovelas. Na vida real, as pessoas se examinam, se escolhem a partir de nível social, padrões culturais, patrimônios. Amor é bom, mas devagar... Hoje, diria, só casa exclusivamente por amor algum insciente. Há outros pesos a serem postos na balança. Pesamos as conveniências e nossa meiga alminha faz um esforço brutal para simular que o que nos move é aquilo che muove il sole e l' altre stelle. Que mais não seja, para sentirmo-nos diferenciados dos índios, animais e outros brutos. Quanto à perda do ser amado ser um luto, nada de novo. Vem dos tempos bíblicos. Não é que a perda tenha se tornado um luto. Sempre foi. Já no Livro vemos o apaixonado rei Davi rasgando suas vestes pela perda de seu amado Jonathan.

O homem contemporâneo tem medo. “Nós, ocidentais, temos medo de tudo. Da velocidade, do sexo, do álcool, do tabaco, da carne vermelha, de frango, da Europa, do efeito estufa, da globalização, das notas escolares das crianças, e por aí vai. Todo ano se acrescenta um novo medo aos anteriores”. Ora, sou ocidental e não nutro nenhum dos medos supra. Velocidade, não curto. Sou adepto da lentidão. Entre avião e navio, vou sempre preferir navio. Ocorre que nem sempre posso optar por navio. Sexo, por que temer? É bom e isto é razão suficiente para não ser temido. Álcool? É questão de saber beber. Conheço bêbados e sóbrios e não vi medo algum em nenhum deles. O sóbrio não tem porque temer, afinal não bebe. Quanto ao bêbado, muito menos. Tabaco? O que está em jogo não é medo, mas a própria vida. Mesmo assim, vejo todos os dias em torno a mim, pessoas chupando câncer sem medo algum de chupar câncer. Carne vermelha? Conspiração ianque. Adoro e não temo. Nem vegetariano tem medo de carne vermelha. Não come e fim de papo. Frango? Não gosto. Mas nunca me ocorreu temer frango. Por que alguém temeria carne de frango? Globalização? Existe desde os dias em que os navegadores saíram a singrar pelo anecúmeno. Notas escolares? Medo só serve para fugir a uma solução. Não é medo o que os pais sentem, mas preocupação.

Desde quando medo é sentimento novo? Muito mais medo terá sido o quinhão do homem das cavernas, que não entendia de onde vinham os raios e trovões. As religiões nascem do medo. E são milenares. Há hoje um medo da violência nas grandes cidades? Em nada difere do medo do camponês que um dia, para fugir da violência e da insegurança dos campos, foi buscar proteção dentro das muralhas de um burgo. Existe também o medo da morte. Enquanto houver morte haverá medo da morte. Isto é, desde sempre e para sempre. Aquela bravata de Paulo – “morte, onde está tua vitória?” – é apenas isso, bravata. Por mais fé que um crente tenha, na hora do Jesus-está-chamando até mesmo um papa busca medicina de ponta.

Quando ao homem ser hoje eternamente insatisfeito, não é bem o que vejo no Ocidente. Em minhas viagens, tenho encontrado gente feliz e satisfeita em todas as cidades e ruas. Claro que, para ser feliz, um mínimo de posses é necessário. A começar por ter onde morar. Saúde é outro item fundamental. E algum dinheiro é sempre necessário. Mas isto não é moeda rara. As capitais européias, por exemplo, parecem grandes restaurantes a céu aberto, onde pessoas sorriem com todos os dentes e celebram a bona-chira. Não é preciso ir tão longe. Há dezenas de milhares de restaurantes em São Paulo, todos sempre cheios e com filas de espera nos fins de semana. Não consigo ver insatisfação em meu dia-a-dia. Não, não estou reduzindo a plenitude ao comer bem, nada disso. Mas os rostos em meu entorno, de modo geral, exalam satisfação. Insatisfeitos, sempre os há. Mas a existência de insatisfeitos não quer dizer que o homem contemporâneo seja eternamente insatisfeito. É normal que uma pessoa pobre sinta-se insatisfeita. Mas pessoa pobre não é sinônimo de homem contemporâneo.

“O êxito pessoal é o que importa. Precisamos ter poder, dinheiro, um carro novo, uma mulher nova, os filhos mais bonitos, tudo para conseguir o reconhecimento alheio e nos sentir superiores aos outros”. No que diz respeito ao dinheiro, não tenho como discordar. Não há vida alegre sem o vil metal. Quanto a poder, isto é aspiração de políticos e administradores. O homem do dia-a-dia pouco está preocupado com o poder. Pede apenas que lhe deixem levar sua vida. Carro novo? Há quem goste, particularmente no Terceiro Mundo. Na Europa de Ferry, carro novo não está exatamente no rol das coisas que fazem um homem feliz. Aliás, nem mesmo o carro. Há cada vez mais gente vivendo sem carro na Europa. Mulher nova, filhos mais bonitos? Exagero do “filósofo”. Apesar do avanço do divórcio, milhões de pessoas se contentam com as mulheres e os filhos que têm. Buscar o reconhecimento alheio? Bom, isto é humano. Gostamos que nos valorizem. Sentir-se superior aos demais? Confesso que não vejo isto no mundo em que perambulo.

O discurso todo do “filósofo” aponta, desde o início, para uma denúncia do consumo, bem ao estilo dos católicos e marxistas. “Hoje, vivemos na era do hiperconsumo. O que nos dá a sensação de progredir, de ser felizes, pelo menos momentaneamente, é comprar, comprar e comprar. Claro que isso não basta. A lógica contemporânea aumenta a insatisfação e nos incute medos cotidianos e recorrentes”. Talvez eu tenha vindo de um planeta distante, mas comprar raras vezes me dá prazer. Sinto prazer, é claro, ao comprar um livro ou DVD que ando buscando. Sinto prazer em viajar. Sinto prazer em comer e beber. Mas sem comer e beber não vivemos. Já que se trata de uma contingência, que seja bem satisfeita. Mas é só. O ano inteiro, não compro quase nada. O que tenho em casa me basta. Não sinto prazer algum em comprar por comprar.

Enfim, não me pretendo metro universal para medir a realidade que me cerca. Reconheço que comprar é uma angústia insaciável para multidões. Mas essa angústia tem outra face. Gera emprego para milhões. O objeto mais supérfluo que você comprar está garantindo a subsistência de alguém em algum ponto do planeta. Tomemos o exemplo proposto por Ferry, o carro novo. Nada mais supérfluo que um carro novo. Ocorre que, ao adquirir este supérfluo, você gera milhares de horas de trabalho nos mais diversos setores.

Eu, que quase nada consumo, sou defensor incondicional do hiperconsumo. É o que faz a economia crescer. Gera angústias? Bom, basta controlar tais angústias. Quem me acompanha, sabe que nem carro tenho. Nunca senti necessidade. Não faz falta alguma a meu ego. Em suma, o discurso do “filósofo” é bem articulado e até parece inteligente. Parece. No fundo, é um amontoado de lugares-comuns pretensamente humanísticos, esses mesmos lugares-comuns que fazem a fortuna dos laires ribeiros e edires macedos da vida.

 
“FILÓSOFO” CONFUNDE
SAGRADO COM EGOÍSMO



Em suas Páginas Amarelas, a última Veja entrevista o francês Luc Ferry, de 57 anos, apresentado como um caso raro de filósofo que transforma seus livros em best-sellers. É autor de Aprender a Viver, obra lançada em 2006, que vendeu 700 mil exemplares, 40 mil deles no Brasil. Pelo título, já se vê: trata-se de mais algum desses abacaxis de auto-ajuda. E se é best-seller, sério não deve ser. Não há livro inteligente no mundo que venda 700 mil exemplares em dois anos. Muito menos livro de filosofia. O sedizente filósofo, em verdade, está mais para os paulos coelhos da vida.

Que mais não seja, sua última obra, recém-lançada no Brasil, confirma minhas suspeitas: Famílias, amo vocês. Só o que faltava pretender que tal título possa pertencer ao âmbito da filosofia. Neste livro, o “filósofo” defende a idéia de que a família é a única coisa que resta de sagrado no mundo. A família teria substituído a religião como entidade sagrada no mundo moderno.

Ora, sagrado é o território das religiões. Que estão em franca expansão no mundo todo. Se o catolicismo está em retração, os crentes das ditas religiões neopentecostalistas brotam como cogumelos após a chuva. Na própria França, país do autor, o Estado teve de recorrer à justiça para impedir o avanço de uma religião ridícula, criada por um escritor de ficção científica, a cientologia. Nos Estados Unidos, até um filme bobo como Guerra nas Estrelas gerou uma nova crença. Isso sem falar no Islã, que se expande não só em sua geografia como também na Europa. A almejada morte de Deus, costumo afirmar, não passou de um wishful thinking de um pensador sensível do século XIX.

“Essa corrida para as igrejas não chega nem perto do que acontece quando o assunto é família – diz Ferry –. Pergunte aos milhões desses novos fiéis se eles morreriam pelo seu deus. A resposta será não. A família é a única entidade realmente sagrada na sociedade moderna, aquela pela qual todos nós, ocidentais, aceitaríamos morrer, se preciso. Os únicos seres pelos quais arriscaríamos a vida no mundo de hoje são aqueles próximos de nós: a família, os amigos e, em um número bem menor, pessoas mais distantes que nos causam grande comoção. No século XX, o ser humano virou sagrado.

De que planeta estará falando o “filósofo”? Deste não deve ser. Neste, as crianças abandonadas se contam por milhões, as famílias se desagregam aceleradamente e se há algo que nada tem de sagrado é o ser humano. Ser humano é uma coisa bem profana, que serve tanto para bucha de canhão como para mão-de-obra vil, tanto para tráfico sexual como para enriquecimento de vigaristas que empunham – estes sim – o sagrado, para enriquecer e passar bem.

Há milhões de seres humanos no planetinha sendo transportados entre continentes, tanto para exploração sexual como para exploração de mão-de-obra, e Monsieur Ferry pretende nos vender a idéia de que no século XX o ser humano virou sagrado. Justo no século em que Stalin, cultuado como um deus, matou 20 milhões. Mao, cultuado como herói, outros 65 milhões. Pol Pot, tido como um líder revolucionário, dois milhões. E por aí vai.

“Hoje, no Ocidente – prossegue o "filósofo" -, ninguém mais aceita morrer por um deus, um país ou um ideal. Há, sim, religiosos extremistas no Islã. Há gente na Chechênia ou na Ossétia disposta a morrer pela nação. Mas garanto que não há cidadãos com tais intenções na Alemanha, na França ou nos Estados Unidos. Em contrapartida, não conheço pai que não arriscaria a vida por seus filhos. Os filhos se tornaram o principal canal para o homem tentar transcender espiritualmente. As crianças substituíram as instituições despedaçadas que citei acima”.

Em termos. Digamos que um alemão, um francês ou um americano não aceitem morrer por um deus. Mas morrem pela pátria. Não que queiram morrer pela pátria, mas têm o dever de por ela morrer. Os soldados que estão morrendo nas guerras que ainda são travadas no mundo contemporâneo, estão morrendo por países e por ideais que estes países encarnam. Quanto a pais arriscarem suas vidas pelos filhos, isto nada tem de moderno. Nem mesmo de humano. É instintivo. Faz parte e desde sempre fez parte da preservação da espécie. Qualquer animal arrisca a vida pelos seus filhotes. Teriam por isso os animais um valor sagrado?

Ferry está confundindo o sagrado com proteção. Vivemos em um mundo hostil, competitivo – e o autor fala disso em sua entrevista. A família serve então de refúgio seguro às ameaças do mundo externo. Alberto Moravia, esquecido autor do século passado, gostava de comparar a família a uma fortaleza de egoísmo. Os pais são os generais, os filhos são os soldados. Conheço inúmeras famílias para as quais só existe um universo, sua ninhada. Que lá fora caiam raios e trovões, que soem trombetas e canhões, tanto faz. Desde que as crias estejam bem protegidas sob as asas paternas. Não vejo nada de nobre nisto. Muito menos de sagrado. Mas muito de egoísta.

Ainda ontem eu comentava notícia vinda da Espanha, onde muitos casais, separados de fato, optam pela moradia comum por razões de ordem econômica. Há inclusive filhos adultos voltando a viver com os pais. É a volta à fortaleza, para proteger-se da intempérie. Lá fora, chove e faz frio. Na família, sombra e água fresca.

Sombra e água fresca quando se vive em país rico, bem entendido. É o caso de Luc Ferry. Quando se vive em país miserável, até dentro de casa chove e faz frio. Isso quando se tem casa. As reflexões do “filósofo” retratam uma realidade de Primeiro Mundo e se tornam irônicas quando vistas do Terceiro.

domingo, outubro 19, 2008
 
CRISE REÚNE FAMÍLIAS,
FORTALECE MATRIMÔNIOS
E PROLONGA ADOLESCÊNCIA



Especialistas acreditam que a crise do sistema financeiro já esteja sendo pivô de situações inusitadas. Na Espanha, muitos casais, separados de fato, optam pela moradia comum por razões de ordem econômica. É o que notícia a Deutsche Welle.

"Tem se tornado extremamente difícil, para casais querendo se divorciar, conseguir vender suas propriedades por um preço razoável. Além disso, a crise também tem feito com que fique mais difícil manter duas casas", conta Antonio Prada, um advogado de Madri. Resultado: casais que, na realidade, não têm mais nada a dizer um ao outro, acabam vivendo sob o mesmo teto, apontando para uma tendência que Prada chama de "novas formas da vida em comum".

Ou seja, uma boa crise financeira vale mais que mil homilias contra a dissolução da família. Mais ainda, os filhos adultos estão voltando para a casa dos pais. O crescente desemprego e as dificuldades em conseguir empréstimos para iniciar o próprio negócio têm feito com que adultos com mais de 30 anos de idade optem cada vez mais por voltar a viver com os pais. Além de reunir famílias, a crise prolonga a adolescência.

Sua Santidade, Bento XVI, defensor incondicional da família e inimigo figadal do divórcio, deve estar esfregando as mãos de contente. Quem diria? Uma boa crise conseguiu o que suas arengas jamais conseguiram.

O bom Deus escreve direito por linhas tortas. Longa vida à crise!

 
SE OBAMA PERDER,
ELEITOR É RACISTA



A atenção da imprensa brasileira à eleição nos Estados Unidos parece ser igual ou maior que a preocupação com as eleições nacionais. No que dependesse da votação dos jornalistas brasileiros, Barack Obama já estaria eleito. Pena que o pleito é lá. A Folha de São Paulo de hoje levanta uma tese curiosa. Em reportagem do enviado especial, lemos:

RACISMO É O INIMIGO À ESPREITA DE OBAMA

E na linha fina:

Vantagem de 6,9 pontos do democrata pode estar inflada por "racistas enrustidos"

O repórter fala de um tal de "efeito Bradley", cálculo feito a partir de um caso real, segundo o qual negros que disputam cargos executivos nos EUA devem ter entre cinco a sete pontos descontados das pesquisas de intenção de voto. Este seria o total de "racistas enrustidos", que declaram um voto ao pesquisador e agem de outra maneira nas urnas. Fica entendido que se o candidato é branco e o eleitor não vota de acordo com o que declarou nas pesquisas, não se trata de racismo. Só há racismo quando o candidato é negro.

Ou seja: se Obama não for eleito, isto significa que o eleitorado foi racista. Se você não é racista, tem obrigatoriamente de votar em Obama. Mesmo que discorde de suas idéias ou de seu programa eleitoral. Mesmo que prefira, pelas mesmas razões, votar em McCain. Não votar em Obama é crime.

 
REFLEXÕES SOBRE O FIM DOS TEMPOS


Em julho passado, antes da crise que assola o planetinha, eu manifestava a amigos suecos meu espanto ante a prosperidade dos suecos. Não é bem assim, disse-me um interlocutor. O sueco mora em uma bela casa, tem um carro de luxo, tem iate ou barco à vela, mas nada está pago. Ele está endividado até o fim de seus dias. Assim não é muito difícil ser próspero. As pessoas possuem o que não podem possuir e aparentam uma vida que normalmente não poderiam ter.

Me ocorrem estas lembranças ao ler reportagem do El País sobre a bancarrota da Islândia. “Pessoas adultas que viram desaparecer as economias de uma vida toda; pais de família incapazes de pagar suas dívidas hipotecárias; jovens com estudos universitários obrigados a abandonar apartamentos recém-comprados, seus sonhos de prosperidade aniquilados: não é a exceção, é a nova norma na Islândia, país cuja população, a mais devastada pela atual crise financeira mundial, se encontra em estado de choque. Como os sobreviventes de um terremoto, se lamenta um. Nosso 11 de setembro, chora outro”. O país teme uma emigração em massa. Com trezentos mil habitantes, a ilha teve recentemente mil bancários desempregados.

Segundo informe das Nações Unidas, a Islândia era tida, no início deste ano, como o melhor lugar do mundo para se viver. Um estudo acadêmico publicado em 2006 afirmava que os islandeses eram as pessoas mais felizes do mundo. Jovens empresários pagavam mil euros por um champanhe e o tomavam como se fosse cerveja. Hoje, o governo de Reikjavik estuda a possibilidade de aceitar um empréstimo gigantesco da Rússia, cuja população, no estudo de 2006, era tida como a mais infeliz do mundo. A festa – disse um islandês – acabou.

Em proporções menores, o mesmo aconteceu na Espanha e está acontecendo em diversos países. Imigrantes que mal tinham um salário para sustentar-se, aproveitando as facilidades de crédito, compravam apartamentos de 400 ou 500 mil euros. Estão tendo de devolver as chaves, sem receber ressarcimento algum pelo que já foi pago.

Longe de mim pretender entender economia. Meu consolo é que os economistas também não entendem. Mas não é preciso muito bom senso para intuir que o mais prudente que se pode fazer na vida é garantir um lugar onde cair morto. Esta sempre foi a preocupação maior de minha Baixinha: viver sem pagar aluguéis nem intermináveis dívidas imobiliárias. Nunca houve hipotecas em nossas vidas. Quanto a carros, ela logo descobriu que se pode viver muito bem sem carro. Quanto a mim, até hoje não sei dirigir. Nascido no campo, conservo até hoje uma filosofia de camponês: tudo, menos dívidas. Sempre abominei crédito e cartões de créditos. Estes, só fui usá-los há uns quatro anos. Porque hoje, sem cartão, você não consegue nem mesmo fazer reserva em um hotel.

Já pensei em ter um apartamento em Madri ou Paris. O que me afastou deste projeto foi o preço do metro quadrado. Digamos que tivesse comprado um, com prestações a perder de vista. Hoje estaria chorando a devolução das chaves. Aqui em São Paulo, conheço pessoas que moram em condomínios de alto luxo sem terem condições para neles morar. As dívidas vão sendo empurradas com a barriga, renegociadas. Um dia, a casa cai. Restam três opções: suicidar-se, achacar os amigos ou renunciar ao padrão de vida. Esta última é a mais difícil. Como suicidar-se é um tanto doloroso, optam pela segunda. Mas esta logo se exaure.

A tal de crise, suspeito, em boa parte é decorrência desta mania de dar um passo maior que as pernas. É claro que quem tem um apartamento quitado, que não tem dívidas de carro ou decorrentes do padrão de vida, será bem menos afetado pela tal de crise. Quem vivia de crédito vai passar mal.

Sua Santidade, Bento XVI, dizia há pouco que é melhor investir na palavra divina. Ateu sendo, prefiro investir em bens imateriais: cultura, leitura, viagens. Em meus dias de Estocolmo – não estes de julho passado, mas os de 71, quando lá vivi – tive uma namorada que era guia de turismo. Chamava-se Lena e eu a chamava de Lena Lena. (Lena quer dizer doce, suave). Havia na época um medo difuso do urso soviético. A família dela não gostava de sua opção, achava que não dava dinheiro nem levava a nada. “Mas quando os russos invadirem a Suécia – dizia-me Lena Lena – eles perderão tudo. Eu não perderei nada. As minhas viagens, ninguém me tira”.

Apartamentos e carros não quitados podem derreter-se. Padrões de vida suntuosos também. Mas cultura adquirida ninguém perde. Livros lidos, muito menos. Viagens feitas, não há crise que as roube. Muito menos vinho bebido. Tampouco perdemos a lembrança das mulheres que um dia amamos.

Então leitores, se o fim dos tempos está próximo, como pretendem as Cassandras, o mais prudente é ler, namorar, beber e viajar. Viajar mesmo a crédito. Se você não puder pagar, viagem é coisa que não se devolve. O resto... é o resto.

sábado, outubro 18, 2008
 
SÓ MATA QUEM AMA


O coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo, declarou que os policiais tiveram condições de atingir Lindemberg Fernandes Alves durante as cem horas que fez duas adolescentes reféns em Santo André. Segundo os jornais, por seis vezes o seqüestrador esteve na mira dos atiradores de elite. A iniciativa não foi tomada, no entanto, por se tratar de "um jovem em crise amorosa".

"Nós poderíamos ter dado o tiro de comprometimento. Mas era um garoto de 22 anos, sem antecedentes criminais e uma crise amorosa. Se nos tivéssemos atingido com um tiro de comprometimento, fatalmente estariam questionando por que o Gate não negociou mais, por que deram um tiro em jovem de 22 anos de idade em uma crise amorosa, fazendo algo em determinado momento em que se arrependeria para o resto da vida", afirmou o coronel.

Aparentemente, a PM tem sagrada reverência pelo sentimento amoroso. Já que se trata de amor, que seus soldados não atirem no homem que ama. Melhor esperar que o homem que ama atire, mate a amada e destroce a boca da outra refém.

O que a imprensa não comenta – nem vai comentar, porque a imprensa paulistana está de mãos atadas quando se trata de criticar José Serra – é que estamos a uma semana do segundo turno das eleições municipais. Não ficaria bem para o governo, como me aventa um leitor, a televisão mostrar ao eleitorado restos do cérebro do criminoso espalhados no piso. A vantagem de Kassab sobre Marta Suplicy poderia esvanecer-se no ar. Melhor deixar estar para ver como fica. Como ficou, todos sabemos. Uma menina moribunda, que se escapar da morte não escapará da paralisia. E uma outra com a boca deformada.

Nas entrelinhas da imprensa, nota-se uma certa simpatia pelo gesto do animal. Estava apaixonado. Sentia-se perdido com a recusa da namorada em retomar a relação. Sua vida não tinha mais sentido. Logo, só podia fazer o que fez. “Inconformado com o fim do relacionamento...”, repetem os jornais. Como se inconformar-se com o fim de um relacionamento justificasse a um celerado seqüestrar uma menina, mantê-la em cárcere privado e por fim tentar assassiná-la.

Sobre o fato de que o criminoso tinha 19 anos ao começar seu relacionamento com uma menina que tinha então 12 anos, comentário algum. Ora, o Código Penal tipifica tais relações como estupro. Jornalista algum fala em estupro. Nem mesmo em pedofilia, figura que não existe no Código Penal brasileiro, mas que os jornais sempre empunham quando se trata de condenar alguém oriundo da classe média que tenha relações com menores.

Nos anos 70, as feministas brasileiras lançaram o slogan: “Quem ama não mata”. Creio que até houve uma novela com este título. Ora, é exatamente o contrário. Só mata quem ama. Não amasse, não teria razão alguma para matar. Como afirma o leniente coronel do Gate, o seqüestrador vivia uma crise amorosa.

No fundo, essa concepção perversa de amor que o cristianismo introduziu no Ocidente. A amada só pode ser uma. Uma vez perdida, a vida perde o sentido. Então, se não é minha não será de mais ninguém. Como o segundo turno é na semana que vem e um cadáver pode mudar o favoritismo do candidato do governo nas pesquisas, preserve-se o assassino. Tudo, menos televisão mostrando cadáver. Dia seguinte, o PT estaria vociferando aos quatro ventos contra a “truculência da elite branca”. Isso poderia mexer nos confortáveis 16 por cento de vantagem de Kassab sobre Marta. Quanto às meninas mutiladas por balas, nada obsta. Teoricamente, não foi a polícia que as executou.

Por razões eleitorais, uma menina está em coma irreversível e a outra com a face deformada.

sexta-feira, outubro 17, 2008
 
É CASADO? TEM FILHOS?
É SOROPOSITIVO?



Acuada pela reação à pergunta estúpida sobre a vida pessoal do prefeito Gilberto Kassab, a petista Marta Suplicy apelou à velha estratégia dos antigos comunistas e das atuais esquerdas. Acusada de fazer política, disse: "A política realmente é muito suja". Acrescentando que foi “transformada em vítima". O PT insinua que o candidato adversário é homossexual e a vítima é... a candidata do PT. O recurso é primário, coisa de moleques de rua. Quando um deles recebe ofensas à sua mãe, responde de bate-pronto: “É a tua”. Nisto se resume a brilhante defesa da sexóloga. É recomendação de Lênin e sempre beneficia quem fala mais alto. Utilizada durante todo o século passado, foi um dos legados do comunismo às esquerdas. Nisto se resume a brilhante defesa da sexóloga.

Os marqueteiros da petista, ao apostar nos baixos instintos do grande público, não se deram conta do alcance das perguntas. É casado? Tem filhos? No dia seguinte, até a cândida Erundina estava reclamando de baixaria. Sobrou também para o Aécio Neves. Sobrou até mesmo para o filho da candidata, aquele roqueiro ridículo, o Supla. Por outro lado, se ser casado e ter filhos atesta alguma moralidade ou capacidade administrativa, foram beneficiados pelas perguntas estes dois seres impolutos, Paulo Maluf e Celso Pitta. Monumentos públicos à virtude, ambos casaram e tiveram filhos.

Não querendo dar o braço a torcer, a candidata alega que as perguntas tinham como objetivo trazer a público “a biografia de seu adversário, para deixar claro ao eleitorado seu DNA político". Ora, quem não sabe em São Paulo que Kassab é solteiro e não têm filhos? Na verdade, as perguntas do PT, se se pretendem esclarecedoras, deveriam ir mais adiante: é soropositivo? Faltou audácia aos sutis marqueteiros de Dona Marta.

"Desvirtuam por quê? Para lançar lama, primeiro em mim, dizendo que sou preconceituosa. E segundo lançando uma nuvem em cima da trajetória do candidato" – disse a petista. Essa agora! Quem lançou uma nuvem em cima da trajetória do candidato foram então os partidários do próprio Kassab? Tentando agarrar-se em qualquer galho para fugir à morte política, Marta afunda cada vez mais nas areias movediças de suas contradições.

De fato, política é suja. O PT, desesperado, está agora tentando fazer um cadáver para reverter o que se prefigura no segundo turno.

 
REMEMBER PARACUELLOS DEL JARAMA


O juiz espanhol Baltasar Garzón, da Audiência Nacional, declarou-se ontem competente para investigar a desaparição de vítimas do franquismo. E ordenou a exumação de 19 fossas já identificadas, entre elas a suposta fossa em que se encontraria Federico García Lorca. No auto de 68 páginas, Garzón assinala que o caso é competência da Audiência Nacional, por estarem implicadas pessoas relacionadas com instituições do Estado, entre elas Francisco Franco e outros 34 acusados, em desaparições ilegais, dentro do contexto de crimes contra a Humanidade. Considerando-se que os 35 acusados já estão mortos, pergunta-se qual a intenção do juiz. Quem sabe obter, ao melhor estilo tupiniquim, gordas indenizações para os herdeiros dos desaparecidos?

Não sabemos. O que sabemos é que Baltasar Garzón não demonstra nenhum interesse em investigar o massacre de religiosos pelos comunistas na Espanha. Estima-se que 6.832 religiosos, entre os quais 4.184 padres e 13 bispos foram assassinados na Guerra Civil. Freiras foram violadas e mais de 160 igrejas incendiadas e depredadas. Segundo Paul Johnson, alguns padres foram queimados vivos e outros alguns tiveram suas orelhas decepadas. Freiras tiveram os tímpanos perfurados por rosários enfiados à força em seus ouvidos.

Isso sem falar na chacina de Paracuellos del Jarama. Em 1936, neste sítio que ninguém gosta de lembrar, foram fuzilados pelo Partido Comunista nada menos que 2.400 espanhóis que se opunham à Frente Popular. A Garzón, não interessa investigar estes massacres.

Não bastasse o absurdo de pretender julgar crimes prescritos e condenar pessoas mortas, Garzón pediu o atestado de óbito de Francisco Franco e de uma trintena de generais, entre estes os generais Emilio Mola e Gonzalo Queipo de Llano. Segundo o juiz, trata-se de um mero trâmite judicial já que "é certo e notório que a participação nos fatos daqueles que estão falecidos ficará extinta uma vez constatada sua morte".

Pelo jeito, Garzón ainda não sabe que Franco, Mola e Queipo de Llano estão mortos e bem mortos. Como disse alguém, é o mesmo que pedir o atestado de óbito de Napoleão.

quinta-feira, outubro 16, 2008
 
CBL ENVIA SELENITA
À FEIRA DE FRANKFURT



Ainda há pouco, o Teotonio Simões, da Ebooksbrasil, me apresentava um leitor de ebooks, importado da França. Com o formato de um pequeno livro, comportava... dez mil livros. Preço? Trezentos e poucos euros. Como leitor, ainda sou um adepto do livro-papel. Como autor, o Teotonio já publicou vários livros meus em formato eletrônico. Será minha primeira aquisição na próxima viagem. Se ainda gosto de ler no papel, é atraente a idéia de andar com dez mil livros no bolso. O dobro de minha biblioteca, que ocupa toda uma parede de meu escritório.

Da Alemanha, recebo notícia alvissareira. Que os livros eletrônicos estão no centro das atenções na maior feira do livro do mundo, em Frankfurt. Pela primeira vez nos seus 60 anos de existência, a quantidade de produtos digitalizados como DVDs, softwares, filmes e livros eletrônicos se equiparou com a de livros comuns expostos na feira.

Até aí, nada surpreendente. Não se pode impedir o amanhecer. O ebook liberta o autor de editores, distribuidores e livreiros. Se você sabe digitar – e quem não sabe? – com um pouquinho de habilidade você mesmo edita sua obra. E a joga na rede, à disposição de qualquer leitor em qualquer parte do mundo. Surpreendente mesmo é Rosely Boschini, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), segundo a qual esta tecnologia ainda deve demorar para chegar ao Brasil.

Em que planeta vive esta senhora? Desde há muito editoras virtuais vêm publicando livros no Brasil, tanto clássicos perdidos em bibliotecas como autores contemporâneos. A tecnologia para tanto está aí, ao alcance de quem quer que esteja conectado à rede. Há inúmeros clássicos disponíveis para download gratuito em editoras virtuais como E-BookCult (www.ebookcult.com.br), Domínio Público (www.dominiopublico.gov.br), Biblioteca do Estudante da Língua Portuguesa (www.bibvirt.futuro.usp.br), Virtual Books (virtualbooks.terra.com.br) e IG Educação, (www.igeducacao.ig.com.br). Isso sem falar na pioneira Ebooksbrasil, do Teotonio (http://www.ebooksbrasil.org), onde o leitor poderá encontrar, entre milhares de títulos, uma boa dezena de títulos meus.

A Câmara Brasileira do Livro, ao que tudo indica, escolheu uma selenita para representá-la em Frankfurt.

 
OBSCURANTISMO FEMINISTA
ATACA AGORA NA SUÉCIA



O obscurantismo anda grassando firme no planetinha. Também, pudera. Em ano em que um analfabeto recebe o prêmio Cervantes na Espanha e Paulo Coelho recebe homenagens especiais na Feira do Livro de Frankfurt, nada mais espanta. Estamos rumando à entropia.

Depois dos CTGs no Rio Grande do Sul e dos islâmicos tentando proibir o homossexualismo, o Oscar do obscurantismo vai... para a Suécia. Em Estocolmo, o Conselho sueco de Ética Comercial contra Sexismo na Propaganda (ERK) desatou uma guerra verbal sobre o tratamento das mulheres na publicidade ao acusar a companhia aérea irlandesa Ryanair de promover propaganda sexista. Razão? A empresa aérea, conhecida por vôos regionais de baixa tarifa na Europa, fez uma campanha com anúncios e outdoors, que mostravam uma mulher de minissaia e miniblusa posando como uma estudante ao lado de um quadro-negro com o texto: "As ofertas mais quentes da volta às aulas".

Ora, nos dias em que vivi na Suécia, havia uma propaganda muito popular do país, com vistas a atrair trabalhadores imigrantes. Nela, uma sueca com as marianinhas ao léu – como dizem os lusos – dirigia um ônibus pelas ruas de Estocolmo. Hoje, pelo jeito até minissaia virou pecado. Logo no país que foi pioneiro em matéria de pornografia e sexo ao vivo em teatros. O mundo gira, a Lusitana roda e a Suécia se transforma. Ah! Marianinhas ao léu, no português d’aquém-mar, quer dizer topless.

Confesso que não entendo muito essa estratégia de usar mulheres para vender desde carros a parafusos. De minha parte, jamais comprei algo só porque uma mulher linda o anuncia, esteja ela vestida ou despida. Mas, pelo jeito, há quem compre. Eu jamais compraria bilhetes numa empresa aérea só porque estes são anunciados por uma moça de minissaia. Mas acusar de sexismo um anúncio com uma menina de minissaia, bom, isto já é desvario de feministas.

Diante da recusa da Ryanair em se desculpar pela campanha, a feminista sueca Birgitta Ohlsson pediu um boicote dos consumidores à companhia aérea. "É meu dever apontar e envergonhar empresas como esta", disse. "A Ryanair está se apoiando em valores ultrapassados e anacrônicos, e se orgulha disso. Há muitas outras empresas aéreas de baixo custo para escolher", acrescentou ela.

Ohlsson se apóia em um relatório governamental, de janeiro deste ano, que sugere a criação de uma lei banindo qualquer propaganda de teor sexista a partir de janeiro de 2009. Segundo o relatório, a propaganda sexista é definida como qualquer mensagem distribuída com fins comerciais que possa ser "ofensiva tanto às mulheres como aos homens".

Do jeito em que vão as coisas, mais um pouco e nem homem nem mulher poderão fazer a propaganda de qualquer produto. Enfim, talvez com uma burka seja permissível. O problema talvez resida no fato de que a menina do anúncio é bonita e atraente. Fosse feia e sem graça como sóem ser as feministas, nada contra.

 
ISLÂMICOS E CTGs:
UM MESMO COMBATE



Justo quando surge no Rio Grande do Sul essa estúpida restrição a homossexuais nos Centros de Tradições Gaúchas, uma proposta feita pelo Brasil de permitir que a orientação sexual seja tratada em fóruns das Nações Unidas está gerando polêmica e protesto de países de cultura islâmica. O Brasil tentou inscrever uma organização não-governamental de defesa dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais na ONU para que a entidade possa participar dos debates sobre discriminação, racismo e intolerância. Mas Irã, Egito, Líbia e Argélia lideraram os países islâmicos para tentar impedir a inscrição da ONG.

Que a estupidez é universal, disto todos sabemos. Que tenha tomado assento na ONU já é novidade. Segundo um diplomata do do Irã, “o que vocês (brasileiros) chamam de direito, em nossos países é crime e punido duramente”. O diplomata, que preferiu não se identificar, parece não ter entendido que o Direito muda de país para país. E que muitas práticas muçulmanas – entre elas a lapidação de mulheres por adultério, a execução de homens por homossexualismo, a excisão do clitóris e a infibulação da vagina – em nossos países constituem crime. “Esta é uma questão religiosa”, continua o diplomata. Para quem vive em Estados teocráticos, de fato é. Mas no Ocidente, exceção feita do Vaticano, os Estados não são teocracias. No fundo das declarações do diplomata, dorme aquele desejo universal de todo religioso de impor sua fé ao mundo todo.

O principal temor dos países islâmicos é que o tema entre nos debates da conferência sobre racismo e discriminação que ocorrerá na Suíça em 2009, dizem os jornais. Eles preferem que o encontro se transforme em uma declaração forte contra a blasfêmia, alegando que muçulmanos em todo o mundo ocidental estão sendo atacados por sua religião. Ora, no Ocidente, após o fim da Inquisição, sempre houve liberdade de crítica a qualquer religião. Ninguém mais vai para a forca ou fogueira por blasfêmia. Entre nós, blasfêmia é direito adquirido. E, diga-se de passagem, as críticas não são feitas apenas ao Islã. No Ocidente, a religião que o embasa, o cristianismo, tem sido alvo de duras críticas nos últimos séculos, Voltaire e Nietzsche que o digam. Nem por isso a cultura ocidental afundou.

Em todo caso, é oportuna esta ofensiva dos cabeças-de-toalha. Serve para evidenciar o obscurantismo dos cetegistas gaúchos.

quarta-feira, outubro 15, 2008
 
LÁ NA LINHA


(A propósito da polêmica medieval levantada pelos cetegistas gaúchos em torno aos gays, um bom amigo, o Ruy Nogueira, me lembra crônica que escrevi em 2001)


Depois que Bertrand Delanoë, homossexual assumido, foi eleito prefeito de Paris, a França passou a gabar-se na imprensa de sua mentalidade liberal. Neste mesmo ano da eleição de Delanoë, Veja nos informa que o Estado que reúne a maior quantidade de piadas machistas assumiu a dianteira na defesa dos direitos dos homossexuais. A revista paulistana refere-se ao fato de a Justiça do Rio Grande do Sul ter emitido julgamentos favoráveis em causas relacionadas a reivindicações dos gays.

A ausência de preconceitos da gauchada, no que se refere à homossexualidade, não é atitude de hoje, nem mesmo de ontem, mas data de muito mais longe. Antes mesmo que os parisienses ousassem eleger um prefeito homossexual, o Rio Grande do Sul já teve um, e dos mais queridos por seus conterrâneos. Ora, direis, Dom Pedrito não é Paris. Claro que não é. Dom Pedrito é uma pequena comuna isolada do mundo. Já Paris é uma das capitais deste mesmo mundo, com todo cosmopolitismo que isto implica.

Feliz de quem tem uma província no coração, disse alguém. Final dos anos 50, há quase meio século, portanto. Naquela cidadezinha da fronteira gaúcha, nos confins da fronteira seca entre Brasil e Uruguai, então com 13 mil habitantes, tive minhas primeiras lições de tolerância. Um dos líderes políticos locais, voz de estentor, bom de voto e temível nos debates, jamais escondeu suas preferências por jovens efebos. Nem por isso deixava de contar com o apreço dos pedritenses.

Alto, apolíneo no porte, dionisíaco na vida, Rui Bastide foi eleito e reeleito vereador várias vezes e chegou a ser prefeito da cidade. Nos anos 70, teve seus direitos políticos cassados, por um ato único do presidente Garrastazu Médici. Honrado com a deferência, comemorou o ato com foguetes. Comentário indiferente na cidade: "O Brasil vai perder muito com esta cassação". Na época, não se falava em gays, tampouco havia associações de gays e lésbicas. "Já procurei até médico" - confessou-me um dia Bastide -. "Mas que vou fazer? É a minha natureza." Em tempo: Brasil era um negrão que fazia jus aos favores do futuro alcaide.

Sua detenção pelos militares virou folclore. O vereador estava prestando seus serviços ao Brasil, quando batem na porta de seu apartamento. Ainda pelado, entreabriu a porta. Três militares o procuravam, um oficial e dois soldados, de metralhadoras em punho. O senhor é o Rui Bastide? - perguntou o oficial. Sou. Então o senhor está convidado a comparecer às dependências do 14º Regimento de Cavalaria. Acho que vou declinar do gentil convite - respondeu Bastide. Ocorre que não é bem um convite. O senhor terá de ir. Agora e como está. Então me levem - disse o Rui - abrindo a porta e os braços, em plena glória de sua nudez. "Os soldadinhos enrubesceram, não sabiam para onde apontar as metralhadoras. Aí, me deram tempo. Tomei banho, me perfumei, me despedi do Brasil, não sabia quanto tempo ia ficar preso".

Pelo jeito, a prisão foi produtiva. Em vez de xingar a ditadura, Rui encenou um balé, onde bravos lanceiros do Ponche Verde, envergando diáfanas bombachas brancas, executavam impecáveis pas de deux enquanto cantavam uma ode ao 14 º RC: Querido Exército...

A trajetória do Rui, a meu ver, está à espera de um bom cineasta. Em passadas andanças pela Europa, em vários países relatei este caso pedritense. E vi alemães, franceses, espanhóis perplexos, admitindo que em suas comunidades, por mais abertas que fossem aos novos tempos, não haveria lugar para um prefeito gay. Fala-se muito hoje em abrir o jogo, sair do armário, assumir-se. Tais expressões eram desconhecidas em Dom Pedrito. Se alguém era homossexual, ninguém tinha nada a ver com isso e estamos conversados.

Há fatos que na infância nos marcam a memória e só depois de muito viver lhes conferimos a verdadeira dimensão. Ocorreu no Upamaruty, distrito rural de Livramento, na fronteira com o Uruguai, onde vivi meus dias de guri. Torrão de gente rude, onde qualquer adulto tinha de cuidar-se com a língua. Lá na Linha Divisória - como era mais conhecida a região - uma palavra mal empregada, ou mal entendida, podia custar uma vida. Lá, conheci Seu Alvarino.

Fora trazido da cidade, como cozinheiro do Peixoto, um bolicheiro local. Negro, enorme, espadaúdo, durante o dia cuidava da cozinha e das coisas do Peixoto. Nas tardes de domingo, cumpridas suas tarefas caseiras, vestia uma blusinha de rendas cor-de-rosa, punha sua mais rodada saia longa e sentava na porta do bolicho, munido de agulhas e novelos. A gauchada ia chegando, boleando a perna e atando os cavalos no alambrado. Em meio àquela gente armada, revólveres e facões pendendo da guaiaca, seu Alvarino, indiferente às charlas e ruídos de esporas, permanecia absorto em seu crochê, como se ali estivesse tricotando desde o início dos tempos.

Jamais ouvi qualquer piada a respeito das prendas domésticas de Seu Alvarino. Também, pudera! Seria uma empreitada um tanto arriscada dirigir qualquer comentário desairoso àquele par de munhecas. Seria homossexual? Ou o travestir-se seria apenas uma prosopopéia que o acometia aos domingos? Fosse como fosse, se gostava de usar saias e fazer crochê, isto era algo que só a ele dizia respeito.

"A principal explicação para o Rio Grande do Sul estar na vanguarda da defesa dos gays encontra-se no bom nível educacional da população do Estado", diz o redator de Veja, que certamente jamais teve notícias do Bastide ou do seu Alvarino. "Uma classe média instruída e formada com base na imigração européia tende a ser mais crítica e aberta a atitudes liberais", afirma o historiador Luiz Roberto Lopes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pura conversa fiada de acadêmicos. Lá na Linha, não era hábito local imiscuir-se na vida de ninguém. O preconceito veio através dos padres europeus, que lá introduziram as noções de pecado e culpa entre gaúchos que viviam imersos em uma espécie de paganismo crioulo pré-cristão.