¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

terça-feira, junho 10, 2008
 
GREAT BRAZIL SACANAGEM


Os piores suplementos dos grandes jornais brasileiros são, sem dúvida alguma, os de turismo. Os repórteres viajam a convite de agências e empresas de turismo e sentem-se na obrigação de louvar a viagem, por estúpida que seja. É o que, em jornalismo, chamamos jabaculê. É curioso ver jornalistas denunciando o jabaculê em várias áreas da imprensa. Exceto nos suplementos de turismo. E de cinema. As páginas de cinema vendem ao leitor filmes medíocres, só porque os redatores foram convidados a Hollywood por produtoras. Os ditos ombudsmänner não dizem uma palavrinha sobre isto.

Mas volto aos suplementos turísticos. Julia Contier, do Estadão, moça que viajou a convite do tal de Great Brazil Express, picaretagem criada por dona Marta Teresa Smith de Vasconcelos Suplicy Relaxa e Goza, anuncia o pacote na edição de hoje do jornal.

O champanhe começa a ser servido às 9 horas aos turistas instalados em vistosas poltronas de couro estofadas com penas de ganso. Volta e meia, os comissários de bordo oferecem comidinhas para enganar a fome. Pela janela - emoldurada com cortinas de seda -, corre a paisagem do interior do Paraná. A rotina será mais ou menos essa nos próximos 500 quilômetros da viagem entre Ponta Grossa e Cascavel a bordo do Great Brazil Express, primeiro trem turístico de luxo do País.

O país não dispõe de uma rede ferroviária decente para seus cidadãos e oferece a estrangeiros um trem de luxo. O pacote de dez dias entre o Rio e Foz do Iguaçu custa R$ 7.763,25 por pessoa, em acomodação dupla (preço válido até o fim deste mês). O valor sobre para R$ 8.181,25 entre julho e agosto. Respectivamente, na cotação de hoje, 2.865 e 3.019 euros. Por pessoa. Total por casal: 5.730 e 6.038 euros. Mais ainda: não há cabines para pernoite no trem nem vagão restaurante. A repórter coloca nas nuvens esta roubalheira.

Mês que vem, sob a luminosidade irreal do pleno sol da meia-noite, estarei navegando pela costa da Noruega, de Bergen a Tromsø, já no Círculo Polar Ártico. Pela Hurtigruten. Não é empresa de cruzeiros, mas uma linha costeira, transporte usual dos noruegueses. Nada de luxo. Apenas conforto. Viajo com uma menina linda, jovem, inteligente e ambiciosa. O percurso é de cinco dias. Navegaremos por fjordes mágicos, entre eles o Trollfjorden, de apenas dois quilômetros, mas de uma beleza estonteante. Faremos escalas em vários portos, Ålesund, Trondheim, Bodø e finalmente Tromsø, cidades charmosas e cheias de cores, com restauração sofisticada.

Navegaremos por uma geografia louca. Atravessaremos as ilhas Lofoten, de perfis deslumbrantes, particularmente quando iluminadas pelo sol da meia-noite. Viajaremos em cabine dupla, confortável, com camas e banho. Meu navio, o Vesterålen, é um tanto antigo – data de 1983, mas foi reformado em 1995 – e tem uma magnífica sala panorâmica e um excelente restaurante. Não tem poltronas de couro estofadas com penas de ganso. Mas viajo mil vezes pela Hurtigruten, mesmo pagando, e jamais viajarei pelo Great Brazil Sacanagem, mesmo que fosse de graça.

Preço? 1.606 euros. Pelos dois. Estamos viajando em plena estação alta e por um dos países mais caros da Europa. Islândia à parte, a Noruega é o país mais caro do continente. Digamos que viajássemos dez dias. O preço seria ainda menor que o pago - por uma só pessoa - pelo desconforto de um trem sem cabines para pernoite nem restaurante, nem camas, nem banhos, pelo interior sem graça do Paraná. Trem de um país pobre, de salário mínimo de duzentos e poucos dólares.

É triste ver jornalistas recebendo jabaculê para louvar picaretagens. Ainda mais em um jornal como o Estadão, que se pretende ético e independente. Para quem quiser viajar barato e com conforto, meu alerta: afaste-se das páginas de turismo da imprensa brasileira. Só servem para propiciar viagens a jornalistas venais.