¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, maio 01, 2008
 
SOBRE SAFO, ERASÍSTRATO,
ANTÍOCO, ESTRATONICE E EU



Leio na BBC Brasil que três obtusos da ilha de Lesbos, na Grécia, entraram na Justiça na tentativa de proibir um grupo de defesa de direitos de homossexuais de usar o termo 'lésbica' em seu nome. O grupo defende que a palavra seja empregada para designar apenas a pessoa originária ou habitante da ilha no noroeste do Mar Egeu, já que em muitas línguas a grafia coincide. O alvo do processo, que será julgado em junho por um tribunal na capital grega, Atenas, é a organização Comunidade Homossexual e Lésbica Grega (OLKE), cujo nome o grupo quer modificar.

Estive em Lesbos nos anos 70. Fora uma cooperativa de mulheres agrícolas, nada mais vi de suspeito. Em Lesbos, no século VII a.C., nasceu a poetisa Safo, que teria relações com suas discípulas. Daí a palavra lesbianismo. Ou amor sáfico, como quisermos. O fato é que os historiadores situam, de um modo geral, nos poemas de Safo de Lesbos a primeira ocorrência na literatura da palavra amor. A poetisa descreveu, inclusive, uma série de sintomas físios que diagnosticariam o amor. Os médicos da época se apoiavam em Safo para definir a doença, pois de doença se trata. Assim narra Plutarco o caso de um jovem enfermo:

- Erasístrato percebeu que a presença de outras mulheres não produzia efeito algum nele. Mas quando Estratonice aparecia, só ou em companhia de Seleuco, para vê-lo, Erasístrato observava no jovem todos os sintomas famosos de Safo: sua voz mal se articulava. Seu rosto se ruborizava. Um suor súbito irrompia através de sua pele. Os batimentos do coração se faziam irregulares e violentos. Incapaz de tolerar o excesso de sua própria paixão, ele tombava em estado de desmaio, de prostração, de palidez.

Quando Antíoco – pois assim se chamava o enfermo – recebeu Estratonice como presente de Seleuco, seu pai, desapareceram os sintomas da doença. Que talvez tenha contagiado Seleuco, pois afinal era o marido de Estratonice. Mas isto já é outra história.

Eram bons observadores, os gregos. Mês passado, eu esperava uma amiga que não via há uns bons vinte anos. Fui à academia e meus batimentos cardíacos, antes de começar a bicicleta, estavam a 133 por minuto. Consultei o médico da academia, ele me recomendou o pronto socorro. Fui lá às onze da manhã. Fiz uma bateria de exames, esperava poder encontrá-la às 17h40 no aeroporto. Tive de repetir os exames, só saíria lá pelas sete. Entrei em pânico. Imaginava ela chegando, sem me encontrar, sem saber que fazer. Vinte anos de espera e um desastre total na hora do encontro. Falei aos médicos: não pode ser, não vejo essa mulher há vinte anos, não posso trazê-la para um quarto de hospital, vocês têm de me liberar. Ao final da tarde, um médico me anunciou: seu coração está perfeito, pode sair.

Resumindo a história: acabei por encontrá-la em um corredor de hospital. Quando a abracei, os sintomas de Antíoco já haviam sumido. 90 por minuto. Os médicos foram todos ver quem trazia a cura.

O amor, esta ficção tão bem sucedida no Ocidente, tem seu nascimento literário em Lesbos, graças a Safo. Que preferia mulheres, segundo a lenda. Lesbianismo é palavra que invadiu todas as línguas de cultura, com muito mais força, inclusive, do que safismo. Os lexicólogos sempre afirmaram que quem faz a língua é o povo. Por outro lado, uma estranha e relativamente recente mania está contaminando a cultura contemporânea, a mania de proibir palavras. Falar em negro, por exemplo, hoje já é considerado crime. (Eu não digo mais negrão. Para prevenir-me, prefiro afrodescendentão).

Só o que faltava três malucos pretenderem censurar os dicionários. O políticamente correto, pelo jeito, contaminou Lesbos. Segundo um dos autores da petição, o ativista e editor da revista Davlos, Dimitris Lambrou, pesquisas recentes mostraram que Safo tinha família e cometeu suicídio pelo amor de outro homem. Até pode ser. O uso da palavra 'lésbica' no seu significado mais corrente, segundo Lambrou, causaria problemas no dia-a-dia dos cerca de 250 mil habitantes da ilha.

Conversa para boi dormir. Mais um pouco, algum outro stalinista da língua pretenderá proibir a palavra safismo. Quando se fala em homossexualismo, costuma-se falar em amor grego. Só falta agora algum mentecapto grego pretender banir a expressão de todos os idiomas.