¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, maio 29, 2008
 
RECÓRTER CHAPA-BRANCA TUCANOPAPISTA
HIDRÓFOBO SE INSPIRA EM BONS CRONISTAS



Em seu clipping diário na Veja, na ediçao de ontem, escreveu o cronista chapa-branca tucanopapista hidrófobo:

O Haiti mental de Lula o acompanha aonde quer que ele vá. Não sou muito de viajar, vocês sabem. Acho que já citei aqui este Horácio: “Caelum, non animum mutant qui trans mare currunt”. Os que cruzam o mar mudam de céu, mas não de espírito. O sujeito que diz bobagem sob o céu do Brasil vai fazer o mesmo sob o céu de Paris ou de Porto Príncipe. Fosse alguém levado a escolher entre viajar e ler Horário, eu recomendaria o poeta. Mas cada um na sua. Huuummm. Pra que isso?

Lula foi ao Haiti. Aqui, ali ou lá, o espírito é o mesmo.

A exemplo de Chance, do filme Muito Além do Jardim — na verdade, inspirado no romance O Vidiota, de Jerzy Kosinski, Lula vê qualquer coisa pelo ângulo da sua especialidade — ou quase: o futebol. Na solenidade em que empossou Carlos Minc, fez o que chamou “uma apologia” — queria dizer “analogia” com o esporte. Hoje, no Haiti, mandou ver: “Acredito que a nossa presença no Haiti possa ser comparada a um jogo de futebol. Em 2004, vivíamos o primeiro tempo. Agora, estamos começando o segundo tempo do jogo. O primeiro tempo foi uma etapa complicada, de ir conhecendo aos poucos as manhas do adversário, fechar uma defesa segura e não deixar passar nenhum gol. No segundo tempo, é hora de tomarmos uma iniciativa e a tática do jogo aqui é o fortalecimento cada vez maior da nossa presença solidária”

Chance, se não sabem da historia, era jardineiro. Por razões várias, passa a freqüentar as altas rodas. Nunca entende direito o que se passa à sua volta. Chega a ser cotado para a Presidência dos EUA. Sempre que alguém tem alguma dúvida, faz-lhe uma indagação, que ele responde com o único assunto que de fato domina: jardinagem. O outro entende a resposta como uma metáfora. E Chance fica, por um bom tempo, com a fama de sábio.



Para um homem culto, é sempre prazeroso ver-se imitado por um papista. Sempre resta a esperança de que o papista abra um pouco sua mente tacanha. Em 31 de março de 2003, publiquei o artigo infra no Mídia Sem Máscara. Teresa Cruvinel, em sua coluna, achou inclusive que eu tinha sido cruel com Lula.

O VIDIOTA DO PLANALTO

- E você, Mr. Gardiner, o que pensa do mau clima na Bolsa? - pergunta o presidente dos Estados Unidos a Chance.

Chance Gardiner, da vida só conhece o jardim onde se criou. Como se sente obrigado a uma resposta, fala da única coisa que conhece: “Em um jardim, há uma estação para o crescimento das plantas. Há a primavera e o verão, mas também o outono e o inverno. E depois, a primavera e o verão voltam. Enquanto as raízes não forem cortadas, tudo está bem, e tudo continuará bem”.

O presidente se mostra satisfeito:

“Mr. Gardiner, devo confessar que o que você acaba de dizer é uma das declarações mais reconfortantes e otimistas que me foi dado ouvir, desde há muito tempo.”

Este diálogo – que não só poderia ocorrer nos dias que passam, como de fato ocorrem – pertence ao universo da ficção. O escritor polonês Jerzy Kosinski, ao chegar aos Estados Unidos, criou em Being There um dos personagens mais perturbadores de nossa época, Chance Gardiner. Quem não leu o livro, pode ainda pegar o filme, que passou no Brasil com o título de Muito além do Jardim e tem uma interpretação magnífica de Peter Sellers.

O tradutor brasileiro do livro teve um momento de iluminação ao traduzir o título americano por O Vidiota, isto é, o idiota do vídeo. Gardener é um empregado doméstico de um misterioso senhor, identificado na obra como "o Velho". Chance vive recluso no jardim da mansão e só teve contato, em toda sua vida, com duas pessoas, o Velho e a criada do Velho. Chama-se Chance porque nasceu por acaso. Não sabe ler nem escrever. Seu único contato com o mundo exterior é através da televisão. Quando o que vê não lhe agrada, é simples: desliga o aparelho ou muda de canal com o controle remoto.

Morre o Velho e Chance é largado no mundo pelos criados. Sem lenço nem documento, literalmente. Quando a esposa de um empresário o atropela na rua e lhe pergunta quem é, diz: I’m the gardener. E passa a ser conhecido como Chance Gardiner. Como não portava nem dinheiro nem documentos, a mulher do empresário considera que deve ser alguém muito importante e o recolhe à sua casa. Chance, sem jamais ter pensado no assunto, passa a fazer parte do círculo do poder. Quem leu o livro ou viu o filme conhece o fim da história: a força de repetir chavões que ouviu na televisão, Chance faz uma brilhante carreira na mídia e começa a ser cogitado para presidente dos Estados Unidos. E quem não leu Kosinski, deve lê-lo imediatamente: é uma das mais profundas parábolas da literatura contemporânea.

Estamos vivendo em plena época Gardener, de ascensão do analfabeto. Com a televisão, qualquer iletrado pode ter uma idéia mais ou menos geral do que ocorre em torno a si e no mundo. A rigor, ninguém precisa mais ler para entender – ou supor que entende – o mundo. Se o jardineiro de Kosinski pertence ao universo da ficção, nosso vidiota é muito real e já tomou posse em Brasília. Em falta de um laivo sequer de cultura ou lógica, analisa o momento político com metáforas rasas. Referindo-se ao processo gradual de mudanças que espera promover na economia, disse, no melhor estilo Gardiner: "É como colher uma fruta. Não adianta colher verde". Kosinski não ousaria tanto.

Mas não parou aí a retórica hortifrutigranjeira. Em solene discurso para os membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, baixou de novo o espírito de Chance. Lembrou que há quinze anos comprou um pé de jabuticaba e plantou-o em seu sítio, mas que ele nunca deu frutos. Um belo dia sua mulher, a primeira-companheira Marisa Letícia, chegou com uma muda igual, em um vaso. Lula achou que era impossível dar jabuticaba em apartamento, dentro de um vaso. Mas Marisa Letícia acreditou na planta e cuidou dela, regando-a com freqüência. Conclusão de nosso Chance: "o pezinho de jabuticaba dá quatro ou cinco vezes por ano, coisa em que este conselho pode se transformar, se quiser."

Encantado com o próprio verbo, foi adiante e concluiu que o pé de jabuticaba do sítio não deu frutos porque ele não sabia cuidar, ou porque a terra tinha algum problema. "Ela acreditou mais do que eu. Se transformarmos as oportunidades que temos em coisas menores, certamente o Conselho poderá representar o pé de jabuticaba do meu sítio. Mas, se nós pensarmos grande e cuidarmos com carinho dos milhões de brasileiros e brasileiras de quem, há muitos e muitos anos, ninguém cuida, certamente este Conselho poderá representar o pé de jabuticaba que Marisa plantou no apartamento."

Mais recentemente, o aprendiz de jardineiro do Planalto atacou de pescador. Comentando a estrutura jurídica do país, prolatou sentença: “Na verdade, quem é pescador aqui sabe que um peixe grande demora mais para se pegar na vara. Se o Maluf é pescador, ele sabe que pegar um lambarizinho é mais fácil do que pegar um pintado, pegar um jaú".

Tratasse o nosso Gardiner de apenas cultivar seu jardim, poderia até mesmo passar por sábio. Mas o homem é fascinado pelo verbo, e não vacila nem mesmo ante a História. Por ocasião da inauguração da nova fábrica da Polibrasil, deitou erudição: "Quando Napoleão Bonaparte visitou a China pela primeira vez, ele disse que a China é um gigante e, no dia em que acordar, o mundo vai tremer". A frase, de fato, é do corso. Pena que ele nunca foi à China. Para quem já afirmou que na Bíblia não existe fome, esta visita à China é café pequeno.

Mas o governo não basta para o nosso Gardiner. Já teve seu nome aventado não só para a Academia Brasileira de Letras como também para o Nobel da Paz. O governo recém começou. Anos divertidos nos esperam pela frente. “Ama, com fé e orgulho a terra em que nasceste! Criança! Não verás nenhum país como este”.

Não verás mesmo.