¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, março 24, 2008
 
O INIMIGO SUEZ



Fiz duas palestras nas Faculdades Campo Real, de Guarapuava. Uma para universitários, outra para professores universitários. Em ambas, comecei com a pergunta que costumo começar minhas palestras: que aconteceu no dia 9 de novembro de 1989?

Na palestra para os universitários, ninguém soube responder. Tenho repetido esta pergunta sempre que faço alguma palestra e a resposta é o silêncio. Na palestra para professores, apenas um soube responder. Era um professor italiano. Pelo que tenho observado, no Brasil ninguém mais lembra do que ocorreu no dia 9 de novembro de 1989.

Minha palestra para os universitários era sobre jornalismo. Contei então uma grande piada, publicada pela Folha de São Paulo, no dia 03 de outubro de 2001. Piada para qualquer pessoa medianamente culta. Para o jornal, a abordagem do assunto se pretendia séria.

Uma entrevista com Fernando Henrique Cardoso versava sobre o abate de aviões clandestinos sobre o território nacional. "Precisamos fazer um esforço grande para controlar o terrorismo, que é um inimigo suez" - assim redigiu a repórter a declaração do presidente. A moça, que desconhecia o adjetivo soez, escreveu como pensou ter ouvido e resolveu esclarecer o leitor, que talvez não soubesse o que significava suez: "FHC se referia aos combatentes egípcios que lutaram contra os israelenses na região de Suez, em 1973, e atacavam seus oponentes por meio de túneis subterrâneos abandonados, de surpresa: ninguém sabe de onde vem".

Explicação mais que oportuna, já que nem mesmo eu saberia dizer o que significa suez como adjetivo. Ora, diria o jovem editor, o presidente se permite tais palavras porque é um erudito. Acontece que não se exige erudição de ninguém para falar em soez. As gerações novas, hostis à leitura e viciadas pelo parco vocabulário televisivo, não mais conhecem palavras elementares do vernáculo e ainda se julgam no dever de elucidar para o leitor vocábulos de cujo significado apenas suspeitam. Com este material humano, que sequer conhece a própria língua, faz-se jornalismo. Pois jornalismo, hoje, só pode exercer quem faz curso de jornalismo.

Esperei da platéia uma explosão de gargalhadas. Ninguém riu. Contei então outra gafe clássica da Folha, a história dos perdigotos. A notícia era sobre a epidemia de uma gripe, que se disseminava por perdigotos. O repórter, ciente de sua ignorância, fez o que deveria fazer: consultou o dicionário. Só que ficou na primeira acepção da palavra. Os leitores foram então informados que a gripe era transmitida por filhotes de perdiz. O cidadão urbano foi tranqüilizado. Como nas urbes não existem perdizes, muitos menos filhotes das ditas, não havia porque temer a gripe.

De novo, ninguém riu. De onde concluo que meus interlocutores não tinham a mínima idéia do que significasse soez ou perdigotos.