¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, fevereiro 25, 2008
 
SOBRE PICO DELLA MIRANDOLA E A
PERICULOSIDADE DOS ASTRÓLOGOS




Pico della Mirandola (1463-1494) é um dos mais eruditos personagens do quattrocento italiano. Nasceu em Florença e viveu vida breve porém agitada. De inteligência muito precoce, aos 14 anos, quando estudava Direito Canônico em Bolonha, escreveu um compêndio intitulado Decretais. Estudou grego, árabe, hebreu e caldeu para poder entender a Cabala, o Corão, os Oráculos caldeus e os diálogos de Platão, no original. Perseguido pela Inquisição por suspeita de heresia, em função de sua obra Conclusiones philosiphicae, cabalisticae et theologicae, teve de refugiar-se em Paris, onde acabou sendo detido. Libertado por Carlos VIII, voltou à Florença onde aprofundou seus estudos bíblicos, escrevendo o Heptaplo, uma análise do Gênesis. Antes de morrer, escreveu uma obra colossal, Disputationum in astrologiam libri duodecim (Disputações contra a Astrologia), na qual defende a impossibilidade de uma ciência dos astros como investigação das leis dos fenômenos celestes.

Reproduzo verbete do Diccionario Literario Bompiani:

“A astrologia parte do pressuposto que o universo celeste e terreno formam um todo orgânico. Como os astros e o céu são mais sensíveis e mais fiéis, neles é onde melhor se pode conhecer os fatos humanos já acontecidos e a previsão ou causa de novos fatos. (...) Contra isto, Pico expõe uma série de argumentos. Um dos principais é o de assegurar que os filósofos sempre condenaram a astrologia, que tampouco encontra apoio na opinião corrente porque carece de coerência lógica e porque amiúde degenera em absurdos e em discussões inúteis. Além disso, a Igreja e a religião tampouco podem estar de acordo com os juízos da astrologia, razão pela qual a autoridade religiosa, além da civil, sempre a condenaram. O argumento mais forte é o predileto do autor, o da dignidade do homem, livre árbitro de seu próprio destino. Repugna pensar que o homem, ser espiritual, esteja fatalmente determinado pelos astros, que são seres materiais. Acrescenta que, embora acontecesse inevitavelmente o que se prevê interrogando os astros, seria melhor não o prever, donde se concluí que a Astrologia é uma ciência inútil. (...) Pico se apóia em São Paulo que opõe a religião à astrologia como a luz às trevas. E por fim, se o influxo dos astros é real e eficaz, por que razões dois gêmeos nascidos na mesma hora ou pelo menos concebidos no mesmo instante, têm diferente destino? Isso significa que, sem dúvida, o influxo dos céus é muito vago e indistinto e portanto não são estes a causa dos acontecimentos humanos, que dependem de muitos outros motivos particulares”.

É espantoso observar que, cinco séculos mais tarde, ainda existam malabaristas intelectuais que pretendem conciliar astrologia com filosofia e religião. Mas não era disto que pretendia falar. E sim de uma hipótese lançada pelo El País, sexta-feira passada. Segundo o jornal espanhol, della Mirandola não teria morrido de doença, mas assassinado, por ter indicado em sua obra que a astrologia era uma arte adivinhatória e não uma ciência.

Assim pensa o professor italiano Silvano Vicenti, a partir da leitura de uma carta inédita e anônima, dirigida ao filósofo Marsilio Ficino. “Pico se transformou em vítima. Seu livro assumirá mais importância. Pico tinha dúvidas em publicá-lo, agora seu herdeiro se sentirá no dever de fazê-lo. Este livro deve desaparecer. Encontra-o”. O fato de não considerar a astrologia como uma ciência, mas como uma arte adivinhatória, teria causado um grande mal-estar na sociedade de fins do século XV, quando era considerada uma ciência perfeita.

Vicenti conjetura que seu assassinato foi ordenado por Piero di Medici, filho de Lorenzo El Magnífico. Esta tese poderá ser confirmada se as análises de DNA feitas nos restos do pensador, enterrado na Igreja de São Marcos, em Florença, resultarem positivos para as provas toxicológicas, já que uma das hipóteses é que tenha sido envenenado com arsênico. Uma equipe de cientistas começou a realizar os exames no princípio deste fevereiro.

Eu, que só via periculosidade nos ornitólogos, vejo que nem só ornitólogos são perigosos.