¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, janeiro 27, 2008
 
SOBRE CENSURA



“Janer insiste nesse tipo de texto bobo, para prejuízo daquilo que realmente queremos ler dele” – escreveu um leitor. O texto bobo ao qual se refere é artigo em que comento censura a um artigo meu no Mídia Sem Máscara. Vai adiante o leitor: “Depois da censura - que existiu e foi perfeitamente legítima, o site é empreeendimento privado e publica ou rejeita o que quiser de quem bem entender”

De fato. Qualquer jornal ou site pode publicar ou rejeitar o que quiser de quem bem entender. Isto se chama censura, que o leitor em questão considera perfeitamente legítima. A ditadura também considerava perfeitamente legítima a censura. Aliás, todas as ditaduras consideram a censura perfeitamente legítima.

No meu caso, a censura foi ridícula. Escrevi artigo em que dizia Cristo ter nascido em Nazaré e não em Belém, e o jornal o censurou. Pelo que me consta, a censura não era decorrente deste artigo, mas de outro anterior, onde eu comentava as peripécias do prepúcio de Cristo.

Em verdade, eu comentava o dogma da Ascensão de Cristo, que "ressuscitou dentre os mortos e subiu ao céu em Corpo e Alma." Os teólogos, especialistas em filigranas, tiveram de discutir um grave problema. Cristo era judeu. Como todo judeu, havia sido circuncidado. Ao subir aos céus, teria deixado o prepúcio na terra?

Embora não tenha sido decretado dogma algum em torno ao prepúcio de Cristo, o assunto foi muito discutido na Idade Média. Em 1351, argumentava-se que o sangue versado pelo Cristo durante a Paixão havia perdido toda divindade, havia se separado do Verbo e restado sobre a terra. Clemente VI ouviu com horror esta assertiva. Reunindo uma assembléia de teólogos, combateu esta doutrina e conseguiu que ela fosse condenada. Os inquisidores receberam em toda parte a ordem de abrir procedimentos contra aqueles que tivessem a audácia de sustentar esta heresia. Ocorre que os franciscanos discordavam do papa e diziam que o sangue de Cristo podia muito bem ter ficado na terra, pois o prepúcio extirpado por ocasião da circuncisão fora conservado na igreja de Latrão e era venerado como relíquia, sob os próprios olhos do papa e dos cardeais e mesmo as gotas de sangue e água que corriam sobre a cruz estavam expostas aos fiéis em Mantova, Bruges e em outros lugares. Mais de um século depois, em 1448, o franciscano Jean Bretonelle, professor de teologia na Universidade de Paris, submeteu a affaire à faculdade, declarando que esta questão provocava discussões em La Rochelle e em outros lugares. Uma comissão de teólogos foi nomeada e, após graves debates, tomaram uma solene decisão, declarando que não era contrário à fé crer que o sangue versado durante a Paixão tivesse ficado sobre a terra. Por analogia, o prepúcio também. Ou seja, se Cristo foi aos céus, o Sagrado Prepúcio ficou entre nós.

O relato da douta discussão parece não ter agradado ao astrólogo que edita o Mídia Sem Máscara e o artigo seguinte – aquele que situava o nascimento de Cristo em Nazaré – foi censurado. Justo pelo jornal que pretende denunciar a censura na grande mídia. 64 passou, para a infelicidade de muitos senhores que se pretendem liberais. Se antes havia quem protestasse contra a censura, hoje que não há censura há muitos que a pedem de volta.

E quem mais a pede de volta são, curiosamente, os católicos. Tornei-me ateu aos 16 ou 17 anos, ou seja, fui ateu quase minha vida toda e durante décadas isto não parece ter causado espécie a ninguém. Nestes últimos anos, meu ateísmo parece ter-se tornado um crime de lesa-humanidade. Ora, de lá para cá meu pensamento não mudou. O que parece ter mudado é um certo tipo de catolicismo, que se tornou mais fanático e fundamentalista. Pessoas que se julgam donas de uma verdade – a existência do tal de deus único – e consideram perfeitos idiotas quem quer que não a aceite.

Ora, nem Jeová se acreditava único, pelo menos nos primeiros livros da Bíblia, tanto que mandava destruir os altares dos demais deuses. Jeová era apenas o deus de uma pequena tribo. Mais tarde, dada a arrogância e poder de Israel, começa a se pretender único. Surgiu então um maluco que disse ser filho dele. Seu pensamento – se é que ele existiu – gerou problemas. Os deuses, até então, pertenciam a nações. Existiam os deuses gregos, os deuses persas, os deuses romanos e o deus de Israel. Cristo não era deus de nação nenhuma, fato que tinha uma implicação inusitada. Não sendo de nação alguma, era deus de todas as nações, e isto terá sido um dos fatores que o levou à morte. Se é que existiu, é bom lembrar.

Cristo não era cristão. Era judeu e freqüentava a sinagoga. Nos dias de Cristo não havia cristianismo. A doutrina é montada por Paulo, tanto que há quem prefira falar em paulismo em vez de cristianismo. Mas Paulo, o grande perseguidor de cristãos que acabou apostando no Cristo, não teve suficiente cacife histórico para criar uma religião que acabou dominando o Ocidente. Foi preciso Constantino, que tornou o cristianismo uma religião de Estado.

Até aí, o bê-à-bá do cristianismo, de conhecimento obrigatório de quem quer que professe a doutrina. De quem quer que tenha lido a Bíblia e conheça a história da Igreja. Ocorre que os católicos hodiernos, pelo jeito não cultivam o hábito de ler os textos sagrados e da história da Igreja não entendem pivicas. No fundo, em pouco diferem de torcedores do Corintians.

Assim, quando comento estas obviedades do cristianismo, provoco ondas de ódio nestes católicos contemporâneos, que sequer se deram ao trabalho de ler a Bíblia. Sou então acusado de ateu militante, este palavrão que os católicos criaram para insultar quem é simplesmente ateu. Ora, eu não milito por causa nenhuma, apenas manifesto meus pontos de vista. Não peço – nem jamais pedirei – a alguém que me siga.

Tem mais. Jamais discuti a existência do tal de deus. É discussão rumo ao inútil. Discuto, isto sim, as ações desse personagem cuja trajetória é descrita pela Bíblia. Para mim, Jeová e Alonso Quijana participam da mesma enteléquia.

Nós, ateus, dispensamos muletas. Estamos expostos à intempérie metafísica e a enfrentamos sem medo. Medo alimentam estes catolicões que se guiam pelo catecismo, sem jamais ter lido a sério o Livro. Daí, a necessidade imperiosa de censurar quem a conhece a fundo.