¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, dezembro 19, 2007
 
BOA MORTE E PARABÉNS, DOM CAPPIO!



Estes são os meus votos nestes dias natalinos. Creio que não se realizarão, mas é o que mais almejo no fundo de meu meigo coração. Confesso não ter idéia formada a respeito da transposição das águas do rio São Francisco. Intervenções humanas de grande porte na natureza têm riscos imprevisíveis. O exemplo por excelência disto é o desastre do mar de Aral, entre o Usbequistão e o Casaquistão. Na década de 60, o governo soviético achou mais lucrativo desviar dois rios que alimentavam o mar de Aral, o Amu Daria e o Sir Daria, para irrigar plantações de algodão. Bastou que decorressem quatro décadas para que esse mar perdesse três quartos do seu volume, baixasse seu nível em 19 metros e a área ocupada por suas águas fosse reduzida a 40% da original. Esta tragédia, conhecida a “Chernobil calada”, só começou a ser conhecida em meados dos 80, devido à relativa abertura da glasnost soviética.

O desastre foi total. Degradação ambiental, desertificação, destruição dos peixes do mar de Aral – e conseqüente extinção da indústria da pesca – extinção de portos, linhas férreas, ferrys, estações balneárias. Isso sem falar no desastre sanitária e no aumento de doenças e mortalidade infantil. Segundo relatório de Lucy Jones, Shrinking of Aral Sea Causes Regional Health Crisis (1999), “em áreas de elevada utilização de pesticidas as doenças infantis (proporção de doenças) até à idade de 6 anos é 4,6 vezes superior à das regiões de baixa proporção de pesticidas”. Segundo a Academia de Ciências Soviética, a taxa de mortalidade infantil na região da Ásia central aumentou entre 1970 e 1985. Em Bozataus, uma região do Karakalpaquistão, 110 em cada 1.000 crianças morrem antes de completar um ano. Ainda no Karakalpaquistão, a taxa do câncer do esôfago é sete vezes superior àquela do resto do país. Segundo E. Paronina, uma investigadora soviética, “tudo isto (crise sanitária) é o preço excessivo pago com a saúde da população para se ter auto-suficiência em algodão”.

A documentação sobre a tragédia do mar de Aral é abundante na Internet. Por enquanto, remeto o leitor ao site de onde retirei estes dados:
http://resistir.info/asia/mar_de_aral.html

Ou seja, se você quer matar um mar – e um monte de gente junto – fale com os comunistas. Eles sabem como se faz.

Assim sendo, em princípio não saberia que dizer da questão do São Francisco. Mas as forças que se opõem à transposição das águas me dão um indicativo. Se a Igreja Católica, o PSOL e o MST – os setores mais obsoletos do país – são contra a transposição, há boas chances de que a transposição seja boa para o país. O que é bom para a Igreja sempre é ruim para o país e vice-versa. Estas entidades satanizam palavras como agronegócio ou hidronegócio, como se fossem representações do mal. Ora, agro ou hidronegócios são negócios tão bons como quaisquer outros. E se estes senhores acham que lucro é pecado, seria bom alertá-los que ainda chegamos à condição da Cuba de Fidel.

Dom Luiz Flávio Cappio, o bispo testarudo, entra hoje no 23º dia de greve de fome contra o projeto. Opõe-se como uma mula a um projeto do governo, só porque este projeto não lhe agrada. E faz chantagem, ameaçando acabar com a própria vida. Ora, há poucas horas, o Supremo Tribunal Federal (STF) cassou uma tutela antecipada que havia suspendido as obras projeto de transposição do rio São Francisco com a Bacia do Nordeste Setentrional. A decisão do TRF, dessa forma, perde a validade e as obras podem voltar a ser realizadas. O bispo acaba de perder mais um ponto em sua campanha insana.

Mas o STF pode, ainda hoje, tomar uma decisão salomônica, suspendendo temporariamente a transposição, e assim salvando a cara do bispo e a do governo.
Se o governo perder esta parada, pode-se imaginar o que teremos pela frente nos próximos anos. A cada projeto de usina, estrada ou barragem, nunca faltará um bispo ou uma besta para ameaçar suicidar-se caso o governo não faça antes uma consulta popular. Cairemos então em uma república plebiscitária, que a cada projeto precisa conclamar a nação toda para desviar um rio ou construir uma barragem.

Pelo que entendo dos bois com que lavro, o valente prelado vai encontrar um pretexto qualquer para salvar sua pele. Se o pretexto não existe, o governo acabará por fornecê-lo. É nestes momentos que sou tomado de um espírito cristão e natalino. Acho que o bom bispo não deve recuar. Não deve deixar-se encantar pelos cantos de sereia do governo. Deve levar sua greve de fome até o fim. O desfecho será o melhor possível. Poderá finalmente encontrar-se com o Criador.

O bispo irá até o fim? Pessoalmente, creio que não. Se for, só posso parabenizá-lo. Encontrar-se com Deus é o anseio supremo de todo cristão.