¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

terça-feira, novembro 27, 2007
 
Crônicas da Guerra Fria (50)


FALEM NDERIT



São Paulo - "Crescem os bosques de oliveira pelos vales, sobem pelas íngremes ladeiras num doce verde que me recorda subitamente terras de Espanha e Portugal. O avião voa sobre ásperas montanhas, em breve alcançaremos o mar, as águas ilustres do Adriático, e tudo é intensamente belo na paisagem em redor. No límpido céu azul fogem farrapos brancos de nuvens, serpeiam os rios cor de prata por entre a variação mediterrânea do verde, a Albânia se oferece aos olhos num esplendor de luz e colorido. Volto-me para os companheiros de viagem e os vejo de olhos pregados nas pequenas janelas do avião. Estes olhos fixos, de búlgaros e tcheco-eslocavos, de franceses e alemães, de poloneses e húngaros, estão turvados de emoção. Acabamos de sair das terras sofredoras da Iugoslávia, onde vis traidores assentaram seu acampamento. Este avião em que vamos é o mais persistente traço de ligação da Albânia com o mundo e contra ele se volta, em mesquinhas represálias, o ódio bovino dos judas titistas. Wanda Jacubowska, com um sorriso comovido, diz:

- É a Albânia! É belo!"

Deste relato, escrito por viajor experiente e de longo curso, lido em minha adolescência, deve provir minha curiosidade pela Albânia. Assim sendo, quando em visita às vis terras titistas, qualquer coisa me impelia a olhar para o outro lado da fronteira macedônia. De Titov Veles, cidade que homenageia o traidor, deixei o Vardar seguir seu curso e enveredei alguns quilômetros a sudoeste. Velejando pelas águas mansas do Ohrid, percebi um certo temor em meus companheiros à medida que o barco avançava. Uma linha imaginária fazia a fronteira com a Albânia, e a fixação dessa linha dependia muito do humor das patrulhas albanesas. Melhor voltar, antes que nos crivassem de metralha. De modo que, estando a poucos quilômetros da Albânia, não consegui saciar minha curiosidade.

"Os rebanhos de carneiros pastam nos vales" - prossegue o celebrado guia - "a faixa branca das praias circunda o azul do mar, a Albânia se estende sobre nossas vistas. Para trás deixamos a Iugoslávia, essas estradas que partem de Shkroda se dirigem para Montenegro. Os olhos cobiçosos de Tito, mísera criatura de Truman e de Churchill, fitam com furiosa raiva as terras albanesas e a esse povo indomável. Seu ódio contra a Albânia e contra os comunistas albaneses deve ser alguma coisa de terrível: os comunistas desse pequeno país souberam conservar-se fiéis ao internacionalismo proletário quando Tito, cevado pelas gorjetas imperialistas, se afundou cada vez mais no lodo do imperialismo burguês, traiu os povos da Iugoslávia e o proletariado de todo o mundo... (Os albaneses) não são apenas cordiais, cordialidade é uma frágil palavra para expressar essa atmosfera fraternal, esse calor de vida, essa prova triunfal da força criadora do socialismo. As vozes se elevam numa canção, enquanto os automóveis partem. Eu vos disse antes que a Albânia é uma festa e realmente não sei de melhor comparação para a alegria reinante nesses locais de trabalho, para essa atmosfera de entusiasmo criador".

E eu ali, em meio ao lago Ohrid, sem poder visitar a terra encantada. Na fábrica Enver, nosso viajante se extasia ante a felicidade de uma operária:

"Penso com ternura e gratidão nos homens que lhe abriram as perspectivas de todo esse futuro: Marx e Engels, Lênin e Stalin, Dimitrov e Enver Hodja. A moça se curva outra vez sobre a máquina, suas mãos a movimentam, seus olhos estão atentos, sua face iluminada! De onde vem essa luz que cobre a face bela da jovem operária? O poeta Alexis Çaçi nos fala dessa luz num poema sobre a terra libertada da exploração do homem pelo homem:

Faces sorridentes
desfilam sucessivamente
e o sol,
a lua e as estrelas
se unem,
e uma grande luz
invade a nossa terra.
É a aurora do socialismo
."

Claro que tais paraísos não se constróem ao acaso. Sem a vontade férrea de um grande líder, um farol da humanidade, os países jamais superariam a fase de um capitalismo decadente. A vontade, no caso, foi a do "Comandante":

"Durante a guerra de libertação, Enver Hodja atravessou, por duas vezes, a pé, todo o território da Albânia. Pode-se dizer que ele conhece cada cidadão, dormiu numa enorme quantidade de casas, nas cidades e nos campos, compartilhou da mesa pobre de milhares de camponeses, foi por eles escondido enquanto a polícia do fascismo o buscava afanosamente. Era, para cada um, como um filho querido, esse jovem quase adolescente que chefiava a luta pela libertação da Pátria. Mas era também como o Pai de cada um, aquele que estava construindo o destino de todo esse povo.

Fiz esta viagem em 79. As greves, os conflitos sociais, a falta de liberdade de imprensa e a ditadura então vigentes em meu país, todos estes fatores me pesavam como chumbo na alma. E eu estava ali, a poucas léguas da sociedade justa, erigida por um homem só:

"Quando não o tratam de Comandante, chamam-no pelo seu prenome: Enver. Vi os jovens estudantes o cercarem no teatro de Tirana e ele perguntar a cada um pelos seus estudos. Os operários da fábrica Enver disseram-se que de seu orgulho e de sua responsabilidade de trabalhar na fábrica que leva seu nome. E ouvi os seus discursos e ouvi dele, em três largas conversas, se desprender sua fidelidade ao povo albanês, à União Soviética e ao internacionalismo proletário. (...) Não é por acaso que ele está presente na poesia dos poetas novos da Albânia como o símbolo da nova vida conquistada. É que ele foi o coração ardente da luta, foi o cérebro dirigente, foi a coluna mestra da criação do Partido. Ele nasceu do sangue operário derramado nas greves dos anos feudais, nasceu do suor do camponês vertido sobre a terra que não era sua, nasceu das lutas anônimas de todo os patriotas contra o jugo estrangeiro. E hoje ele é mais do que nunca o coração da nova Pátria livre".

Ainda às margens do Ohrid, pareceu-me ouvir inefável canção:

"Quando sobe pelos céus da Albânia a música da construção socialista, quando se erguem os edifícios das fábricas, quando os jovens conquistam a técnica e a cultura, quando os camponeses se reúnem em cooperativas e as mulheres arrancam os véus para dirigir tratores, quando as crianças repousam nas creches e brincam nos jardins de infância, quando os escritores tomam da pena para criar romances e poemas, quando o trem de ferro apita sobre os trilhos colocados pela juventude, quando os túneis rasgam as montanhas e os fios elétricos se prolongam pelas aldeias perdidas, quando velhos camponeses se curvam sobre a carta do ABC, quando novas minas e novos campos de petróleo são explorados, quando a vida do povo se transforma e a pátria cresce em fartura e alegria, ali estão o Partido e Enver, criadores de vida!"

Após ter usufruído do sumo privilégio que me foi negado, o de visitar nação tão feliz, nosso entusiasmado viajante agradece comovido:

"Quero, Albânia, pôr a mão direita na altura do coração, num gesto de tamanha civilidade e gentileza como o fazem teus filhos, e repetir as palavras de agradecimento: Falem nderit, muito obrigado. Falem nderit, Albânia, pelo novo amor que te tenho, esse amor feito do conhecimento, com a mesma tímida ternura comovida. Amo a tua juventude, risonha adolescente colorida que os anos não envelhecerão jamais. Bem sei que madura és de experiência, adulta na vontade invencível dos trabalhadores, e amanhã madura estarás em teus kolkozes, nas torres de petróleo libertadas, no mar e na montanha conquistados. Mas adolescente serás p'ra todo o sempre, não há outono para a primavera do socialismo".

Pois não é que vejo nos jornais os ingratos albaneses derrubando estátuas do Pai da Pátria, enfrentando a polícia para retirar seu nome de fábricas e universidades? Quanta ingratidão, meu Deus! Quanto ao autor do hagiológio supra, é Jorge Amado, rodando a baiana nos Bálcãs. O mesmo que escreveu, no mesmo livro:

"Não existe nada mais poderoso do que a verdade. Ela rompe qualquer cortina de dólares e sua luz ilumina os povos".

Pelas citações, falem nderit.

(Porto Alegre, RS, 16.03.91)