¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, agosto 29, 2007
 
MERCADO AMEAÇA INDEPENDÊNCIA DOS BLOGS



Quando comecei a publicar este blog, em outubro de 2003, sentia-me um tanto inseguro em relação a este tipo de mídia. Os blogs haviam surgido como diários de adolescentes e ainda não eram uma alternativa à grande imprensa. Não me pareciam ser coisa de adultos. Estimulado por amigos e amigas, me lancei à aventura. De lá para cá, o universo blogueiro multiplicou-se por mil - ou quem sabe por um milhão - e mesmo os grandes jornais tiveram que optar por esta forma de comunicação, rápida, ágil e cada vez mais utilizada.

Me lancei à aventura e gostei. Comecei devagar, postando duas ou três crônicas por semana. Quando vi que leitores me buscavam no site, senti que não podia escrever esporadicamente. Blog tem de ser diário. Já publiquei alguns livros e confesso que jamais tive com eles o retorno que agora tenho com o blog. A interatividade poderia ser maior, caso abrisse espaço a comentários. Ocorre que conheço os bois com que lavro. Uma boa parte de meus leitores é de desafetos. (São talvez os leitores mais fiéis. Sofrem, mas não dá pra não ler). Mal tivessem oportunidade, poluiriam o blog com baixarias. Como não tenho tempo para ficar deletando bobagens, o mantenho fechado a comentários. Se o leitor quiser conversar, meu e-mail está lá.

Penso inclusive que, a médio prazo, os blogs vão mexer com a literatura. Os escritores em breve se darão conta que é melhor escrever todos os dias, sobre todo e qualquer assunto, conversando com os leitores, do que sentar o traseiro por um ano, dois ou mais anos, para entregar um livro em papel, cuja confecção custa caro e ainda depende de distribuidores e livreiros. O blog depende apenas de que o leitor, esteja onde estiver, tenha um computador conectado à Internet. Ora, este computador está se tornando cada vez mais onipresente.

Leitores me perguntam às vezes porque não escrevo também na grande imprensa. Até que gostaria. Mas isso depende de contatos. No Brasil, não existe isto de um jornal procurar alguém só porque ele escreve bem. Uma coluna depende de relações, apadrinhamentos, postura ideológica, filiações ilustres. Isto eu não tenho. Verdade que já tive coluna em jornal por mais de cinco anos, isso sem falar em colaborações esparsas ao longo de toda minha vida. Mas sempre em jornais pequenos, onde a censura não é tão intensa. Porque não são muito lidos. Mesmo assim, tinha de autocensurar-me. No blog, não. Em que grande jornal do Brasil eu poderia chamar o papa de o maior traficante internacional de drogas? Ou o presidente da República de Supremo Apedeuta? Em nenhum.

No último fim de semana, reuniram-se em São Paulo cerca de 150 blogueiros, para discutir a própria atividade. E também para mostrar que blog não é mais desabafo de adolescentes, mas coisa de gente grande e de profissionais. Leio no Estadão que a forma de ganhar dinheiro foi um dos temas preferidos dos blogueiros. "A gente precisa profissionalizar a gestão e saber mais sobre a audiência dos sites para que o blog seja uma mídia atraente para os anunciantes", afirmou Edney Souza. Desde 2005, Souza tira o sustento da família por meio de blogs. Segundo os participantes, para se considerar profissional, o blog precisa se sustentar. "Para isso, é necessário conquistar o mercado anunciante - o que invariavelmente depende da credibilidade dos sites e de sua audiência".

É atraente a idéia de montar um blog e dele tirar o próprio sustento. Você cria o seu, foge à luta pelo emprego e confortavelmente sentado em sua casa, talvez de pijama e com um copo de vinho ao lado, vai ganhando a sua vida. Uma idéia na cabeça, um mouse na mão e o pão está salvo. Idílico demais para ser verdade. A menos que você tenha alguma vocação para a profissão aquela, a mais antiga do mundo. Pois ao buscar o mercado anunciante, você está renunciando àquela liberdade da qual desfruta todo blogueiro.

Imagine que você capte o patrocínio de sonho de um Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobras. Dia seguinte, você não pode mais escrever sobre as maracutaias do PT. Se escrever, perde o pão. Mas já nem falo desses patrocínios divinos. Digamos que você consiga anunciante mais modesto. No dia em que ferir convicções mais profundas desse anunciante, sejam convicções políticas, religiosas ou futebolísticas, lá se vai voando pelo espaço seu anunciante.

Você passa então a policiar-se. Não vou xingar o papa, porque fulano é católico de carteirinha. Não posso manifestar simpatias pelos homossexuais, porque beltrano odeia homossexuais. Não posso condenar a política de Israel, porque sicrano é judeu. Não posso denunciar a condição da mulher no mundo árabe, porque mengano é muçulmano. E por aí vai.

Verdade que os grandes jornais conseguem abrigar esta diversidade de opiniões. Têm um vasto leque de anunciantes e a partida de alguns não afeta o jornal. Mas para isto é preciso ser grande jornal. Mesmo assim, todo articulista destes jornais sabe muito bem que nem tudo pode ser dito. Para evitar dissabores, o jornalista acaba inevitavelmente se autocensurando. Se um perigo ronda a independência do universo blogueiro, este perigo é o mercado anunciante.

Claro que os articulistas de blogs institucionais não precisam preocupar-se com o problema de pagamento. São funcionários de empresas e lidam com material de primeira-mão fornecido pela reportagem dos jornais. Mas isto já não é bem um blog, e sim o noticiário antecipado na rede à publicação do jornal no dia seguinte. Este é, me parece, o futuro bastante próximo do jornalismo. Não está longe o dia em que os jornais serão blogs renovados a cada minuto.

É atraente – dizia – a idéia de tirar de um blog o seu próprio sustento. Talvez até seja possível encontrar um anunciante ideal, que não interfira no que você escreve. Quanto a mim, prefiro continuar tendo a liberdade de xingar o papa.