¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, junho 26, 2007
 
HENK, A MALA DOS POBRES DE ESPÍRITO



Sem dúvida alguma, ser rico é muito bom. Dinheiro é beleza, saúde, requinte, felicidade. Pelo menos para quem sabe usá-lo. O que nem sempre acontece. Para uma minoria de ricos inteligentes, existe uma grande massa de milionários com cérebro de camarão. Estes senhores - ou senhoras - grossos por fora e ocos por dentro, na hora de apresentar-se como são, identificam-se com o único valor que possuem.

Falei semana passada de minha maleta de viagens, na qual levo seis quilos de roupa. Coincidentemente, a Veja desta semana traz uma reportagem sobre malas. Viajantes experientes são unânimes ao afirmar que uma boa mala de mão é item de primeira necessidade numa viagem, particularmente nestes dias de caos nos aeroportos brasileiros. E como! A bagagem que você leva na mão não corre o risco de partir sem você. A mala ideal apontada pela reportagem, a mais leve, é exatamente a que comprei em minha penúltima viagem. Estava em Barcelona, no carrer Ferran, em pleno Barrio gótico, precisava de uma mala para voltar e justo em frente a meu hotel havia uma loja do ramo.

Achei uma do tamanho que gosto, forte, leve e não muito grande, e a comprei. Não olhei a grife e se olhasse de nada me adiantaria, pois desconheço grifes. Só mais tarde fui saber que havia comprado o supra-sumo das malas, a Kipling. Foi mera coincidência. Ela tem rodinhas e pesa 3,2 quilos, o que aumentou minha bagagem para algo entre nove e dez quilos. Nada demais para quem gosta de viajar sem peso. Preço no Brasil, 640 reais. Lá, comprei pela metade disto.

A reportagem apresenta uma série de malas, todas elas relativamente pequenas e muito práticas, umas baratas e outras nem tanto. Uma página adiante, temos notícias de uma mala Henk, considerada pela revista Forbes a mais cara do mundo. Foi projetada para não pesar mais de 25 gramas ao ser puxada, o que não deixa de ser interessante. Vem nas opções ébano de Madagascar, folha de madeira nobre e couro italiano e com rodinhas de titânio, que não trepidam nem mesmo em terrenos irregulares. Preço? De 40 mil a 80 mil reais.

É preciso ser muito rico para comprar tais objetos. Rico e besta. Se você optasse por tal mala - supondo-se que pudesse por ela optar - melhor sair de casa com segurança armada. 40 mil reais é o custo de seis semanas na Europa para duas pessoas, passagens incluídas, comendo em bons restaurantes e parando em hotéis confortáveis. 80 mil seria o custo de três meses. Passando bem, insisto. Se você aceitar menor conforto, pode fazer estas viagens pela metade destes preços. Só a mala, considerado seu menor preço, sai vinte vezes o custo da passagem. Caso você se interesse, esta maletinha pode ser comprada em www.henk.com.

Na mesma edição da revista, uma outra reportagem fala de bolsas (femininas, é claro), ao preço de 37 mil reais. Ou de uma outra modelo Vuitton, de 42 mil dólares, o equivalente aos 80 mil reais da mala Henk. Diz uma gerente da loja Daslu: "A nossa cliente paga caro pela exclusividade, pela segurança de ter uma bolsa única em qualquer lugar do mundo". De novo a estupidez de novo rico. Que mais não seja, a bolsa só será única enquanto um chinês não a clonar.

Mas a reportagem não fica nestes patamares. Acaba com uma bolsa Birkin de couro de crocodilo cravejado de diamantes, da Hermès. Preço: 148 mil dólares. Ou seja, 285 mil reais. Esta até que entendo. Não é mais bolsa, é jóia. Preço de jóia não tem teto. Há canetas bem mais caras.

Se entendo a bolsa Hermès, não entendo a mala Henk. Pode uma mala valer de 40 a 80 mil reais? Os marqueteiros que me desculpem, mas não pode. A Henk não passa de uma armadilha para esses pobres diabos, ricos de posses e pobres de espírito, que só têm uma coisa para ostentar como valor: dinheiro. Embora nada entenda da arquitetura destes sofisticados objetos do desejo, vejo nesta mala um erro de concepção. Para que rodinhas, ainda que de titânio? Quem paga tais preços por uma mala, não arrasta malas em aeroportos.