¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, abril 24, 2007
 
SENTENÇAS, UM PRÓSPERO MERCADO



Uma das coisas que choca neste meu país é a nonchalance com que se transgride a lei. As drogas são proibidas? São distribuídas em qualquer esquina das grandes cidades. Aqui em meu bairro, por muito tempo uma máfia nigeriana controlou o mercado das drogas. Tinha sua sede em um restaurante chamado... Máfia Nigeriana. A polícia precisou de uma década para descobrir o centro de distribuição de drogas.

Jogo do bicho é proibido? Uma banquinha de anotadores está sempre à vista de qualquer cidadão nos botecos. Os bingos, proibidos por lei, são verdadeiros templos de fachadas vistosas, instalados nas grandes avenidas da cidade. Caça-níqueis constituem crime? Tem até em padaria. Em um primeiro momento, não é fácil entender porque constituem crime. Em não poucos países do mundo, os caça-níqueis são perfeitamente legais e ninguém tem maiores preocupações com isso. Só neste Brasil incrível os caça-níqueis parecem constituir uma ameaça à nação. A impressão que fica é que os legisladores criam dificuldades para vender facilidades.

Isto ficou evidente com a operação Hurricane, da Polícia Federal, que revelou à imprensa um próspero mercado de sentenças favoráveis à contravenção, vendidas por valores que variavam entre 300 mil e um milhão de reais. Descobriu-se inclusive, à semelhança do Legislativo, um mensalinho oferecido aos magistrados da nação, algo entre 20 e 30 mil reais por mês. A PF não hesitou em mandar para o cárcere ilustres togados, entre eles dois desembargadores do Tribunal Regional Federal do Rio, um juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas e um procurador regional da República no Rio. Isso sem falar em dois delegados federais e o advogado Virgílio de Oliveira Medina, irmão do ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça e mais um punhado de bicheiros.

Nesta operação, foram presas 25 pessoas. Verdade que os togados já estão livres como passarinhos. Mas terão de responder processo e a prisão, ainda que provisória, já serviu para destruir suas carreiras. O desembargador federal José Eduardo Carreira Alvim, por exemplo, é autor de vários tratados de Direito, de citação obrigatória em cursos de Direito e na sustentação de defesas. Qual advogado hoje, conseguiria citar, sem constranger-se, o ilustre mestre das letras jurídicas?

A operação Hurricane era dirigida à corrupção no Rio de Janeiro. Na ocasião, perguntei-me: mas e esta São Paulo, infestada de bingos, caça-níqueis e pontos de bicho? Todos funcionando a pleno vapor, à luz do dia. A Polícia Federal acionou a operação Têmis. Pediu a prisão de outros togados e seus cúmplices não-togados. O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Félix Fischer, parece ter achado o puchero muito gordo. Negou o pedido de prisão, concedendo apenas mandados de busca e apreensão.

A PF desfechou suas operações visando a venda de sentenças para a contravenção. Mas algumas perguntas restam. Se juízes e desembargadores vendem sentenças para a contravenção, porque não as venderiam para outros clientes? Para empresas em débito com o fisco, por exemplo? Ou para o próprio governo federal?

Se há juízes do Supremo Tribunal de Justiça vendendo sentenças, que nos faz supor que os juízes do Supremo Tribunal Federal também não participem deste lucrativo mercado? Muito melhor vender sentenças para o governo do que para a contravenção. O governo é sempre mais discreto em suas negociações. Obviamente, paga melhor.

Em 2004, um dos ministros do STF, recém empossado, votou a favor da contribuição dos inativos. Causa muito mais gorda que a dos bingueiros e assemelhados. Um alívio para Lula, que o nomeou ministro. Lula, contando com o voto de seu protegido, não viu obstáculo algum em enfiar a mão no bolso de inativos que já não têm poder de barganha. Antes de ser ministro do STF, o então advogado cobrou 35 mil reais de uma associação de professores, por parecer em que se pronunciava contra a contribuição dos inativos. Uma vez ministro, votou a favor.

Segundo o jornalista Jânio de Freitas, o ministro estaria recebendo por mês, em agosto de 2004, a metade de seu preço de parecerista. "Eros Grau ficou, de fato, muito mais barato", escreveu Freitas. Na ocasião, discordei. 35 mil reais foi o preço de um parecer avulso. Outra coisa é receber metade disto pelo fim de sua vida para assinar o que o Executivo quiser e exigir.