¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, abril 25, 2007
 
HARVARD DESMORALIZADA
POR UM RELES VIRA-CASACA



Reproduzi, segunda-feira passada, o vibrante artigo em que o professor Mangabeira Unger acusa o governo Lula de corrupção e pede o impeachment de Lula. Agora que foi convidado para uma secretaria com status de ministério, o professor retirou o artigo de sua página pessoal. O gesto, além de covarde, é inútil. O artigo permanece nos arquivos da Folha de São Paulo e agora consta de milhares de blogs. A justificativa para este comportamento safado veio através do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), aquele santo pastor evangélico que, não contente de extorquir os centavos de seus crentes, quer agora extorquir dinheiro de todos os contribuintes, exigindo para seus templos os benefícios da famigerada lei Rouanet. Mangabeira Unger está em boa companhia.

"Mangabeira, como grande parcela da população brasileira, mudou de idéia e concluiu que o presidente não teve nada a ver com a crise", disse o pastor e senador. Questionado se não haveria nenhum constrangimento o senador e pastor disse que "o constrangimento é de quem não sabe voltar atrás. As pessoas têm opinião e podem mudá-la".

Isso é verdade. Albert Camus temia o homem incapaz de mudar de idéias. Ocorre que mudar de idéia não significa simplesmente negar hoje o que se escreveu ontem. Mudar de idéia exige uma reflexão sobre o que se pensava ontem e outra sobre o que se pensa hoje. Não é coisa que dependa da oferta de uma prebenda. Se Mangabeira ainda ontem considerava o governo Lula corrupto, supõe-se que tenha feito profundas reflexões para chegar à conclusão de que não é. Pois a esta conclusão deve ter chegado o professor, para aceitar participar de um governo que antes considerava corrupto.

Não tivemos oportunidade de ouvir os arrazoados do scholar de Harvard que justificariam sua nova postura. Mudou de idéia e fim de papo. Mesmo ocupando um espaço prestigioso na Folha de São Paulo, onde publicou - há menos de dois anos - seu indignado artigo contra o governo Lula, o professor deve achar que não deve satisfação alguma a nenhum leitor sobre sua brusca mudança de Weltanschaaung.

Conheço não poucos escritores que em sua juventude foram marxistas. Ao tomarem consciência de que apoiavam uma doutrina totalitária, fizeram marcha a ré e reformularam seu pensamento. Mas isto não se fez sem uma reflexão profunda sobre o que antes pensavam e uma admissão pública do erro em que haviam incorrido. Para muitos, foi uma operação dolorosa, algo como perder uma fé que lhes servia de rumo na vida. Sem falar que tiveram de enfrentar uma espécie de morte civil, condenados que foram por um século que via no marxismo a suprema verdade.

Tenho visto chusmas de comunistas que nem querem mais ouvir falar desta palavrinha. Hoje são socialistas. Ou sociais-democratas. Ou democratas, simplesmente. Em momento algum ouvi a confissão: "eu fui uma solene besta". Mudam de idéia como quem muda de roupa, sem o compromisso de dar explicação alguma. Mas idéias não são coisas que se troquem como se troca roupa. Que mais não seja, o professor Mangabeira Unger deve no mínimo um pedido público de desculpas ao presidente.

Esse pedido não ouvimos. A confissão de que era uma solene besta - o que não era o caso, mas se imporia em função de sua virada de casaca - muito menos. O ilustre acadêmico agiu com a irresponsabilidade de um moleque que num dia insulta um colega de classe e no dia seguinte está brincando com ele, como se nada houvesse acontecido. Seu gesto compromete inclusive a prestigiosa Universidade Harvard, que abriga em seus quadros acadêmicos flores que não são de cheirar-se. É indigno de qualquer acadêmico que se preze renunciar às suas convicções em troca de um aceno do poder. Nada contra a intelligentsia - ou melhor, burritzia - brasileira. Mas foi preciso que um brasileiro chegasse a Harvard, para desmoralizar a instituição.

Comentando estas e outras com um amigo, ele me dizia que Lula conhece o coração dos homens. De fato, conhece. O Supremo Apedeuta, que muda de idéia conforme as conveniências, sabe muito bem quem são seus pares. Sabe também o preço de cada um.