¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, março 29, 2007
 
JOVENS CORRUPTINHOS
VÃO COM DEMASIADA
SEDE AO POTE PÚBLICO




Em fevereiro passado, recebi de um amigo este recorte da Agência Brasil:

A diversão dos foliões neste carnaval representa menos dinheiro em caixa para a União. Por causa da Lei Federal de Incentivo à Cultura (nº 8.313/91), conhecida como Lei Rouanet, o governo federal vai abrir mão, neste ano, de R$ 86,693 milhões em tributos. Esse valor vai financiar 78 projetos carnavalescos aprovados pelo Ministério da Cultura. Ao todo, projetos de 14 estados foram contemplados com a isenção de impostos. O mais beneficiado foi o do Rio de Janeiro, que conseguiu R$ 37,429 milhões, o equivalente a 43% dos recursos. Em segundo lugar ficou Pernambuco, com R$ 9,5 milhões, seguido pela Bahia, com R$ 6,13 milhões.

Os dados estão na página do Ministério da Cultura na internet (www.cultura.gov.br). Individualmente, o projeto que contará com maior volume de recursos é o Carnaval Multicultural do Recife, que poderá captar R$ 5,8 milhões sem pagar impostos. A maior fatia do dinheiro, no entanto, ficará com 13 escolas de samba do Rio de Janeiro. Juntas, elas foram autorizadas a arrecadar R$ 33,324 milhões isentos de tributos. A escola que mais conseguiu recursos foi a Mocidade Independente de Padre Miguel. Com três projetos aprovados, a agremiação ficou com R$ 7,5 milhões. Em seguida, vem a Viradouro, de Niterói, com R$ 4,2 milhões, e a Império Serrano, com R$ 3,2 milhões.

Para as demais escolas, os valores são os seguintes: Acadêmicos do Grande Rio, de Duque de Caxias (R$ 3,1 milhões); Vila Isabel (2,3 milhões); Portela (R$ 2,2 milhões); Unidos do Porto da Pedra (R$ 1,9 milhão); Mangueira (R$ 1,6 milhão); Imperatriz Leopoldinense (R$ 1,7 milhão); Caprichosos de Pilares (R$ 1,6 milhão); Unidos da Tijuca (R$ 1,4 milhão); União da Ilha (R$ 1 milhão) e Tradição (R$ 841 mil).


Ou seja, o 1,2 milhão de reais que os jovens corruptinhos postulam é micharia. A lei Rouanet é um dos mais poderosos incentivos à corrupção no Brasil. Até mesmo uma companhia milionária como o Cirque du Soleil levou o seu. Os canadenses devem estar rindo até hoje, deste país do Terceiro Mundo onde são pagos para apresentar-se e ainda cobram ingressos - e caríssimos - dos cidadãos que financiaram antecipadamente seus espetáculos. Há quem se pergunte: é corrupção usar um dispositivo legal para receber benefícios financeiros?

Respondo: pode ser. A imprensa, em um lento e constante trabalho, tornou sinônimas as palavras cultura e entretenimento. Dê uma olhadela nas ditas páginas culturais dos jornais. No mais das vezes, lá você encontrará futilidades do mundo do lazer. Que história é essa de escorchar o contribuinte para financiar filmes que ninguém vê - e que muitas vezes nem são concluídos -, peças que ninguém assiste, livros que ninguém lê? Claro que estes financiamentos não estão ao alcance de qualquer mortal. É preciso ser amigo do rei. Não conheço outra palavra para designar o fenômeno senão esta: corrupção.

Claro que no mundo do entretenimento o jogo é mais alto. As produções exigem investimentos milionários. No caso da literatura, se exige caneta e papel. Ou seja, em termos contemporâneos, nada mais que um computador. Mas por que então esta grita toda contra os bravos escritores que nada mais pedem senão o que todos os amigos do rei ganham?

O que parece ter ocorrido foi um erro tático. Existirão, certamente, não poucos livros financiados pela lei Rouanet. Mas seus autores são discretos. Publicam o livro e se possível ocultam o financiamento. Os jovens corruptinhos foram com demasiada sede ao pote. Entusiasmados com a perspectiva de posarem como audazes embaixadores culturais enviados pelo Brasil aos países exteriores, botaram a boca no trombone. Sem lembrar que no Brasil não há apenas dezesseis escritores - ou supostos escritores - com ardentes desejos de conhecer o vasto mundo. Se multiplicarmos esse número por mil, mesmo assim teremos uma pálida idéia dos candidatos a um turismo financiado pelas mais prestigiosas capitais do Ocidente. Ou nos locupletamos todos, ou restaure-se a moralidade - como dizia Stanislaw Ponte Preta.

A inveja dos coleguinhas, de um lado, e a justa indignação dos pagadores de impostos de outro, está pondo em risco o alegre avião da alegria concebido em alguma noite de porre nalgum boteco da Vila Madalena. Mas se as passagens rumo ao anecúmeno ruírem por terra, sempre resta um recurso: os jovens corruptinhos podem pesquisar as geografias de seus amores no Google Earth. É baratinho e não precisa sair de casa.