¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, janeiro 29, 2007
 
ALICE NO PAIS DAS MARAVILHAS



Chega Alice no País das maravilhas e bem outra é a realidade. Para matricular-se numa universidade precisa da carte de séjour. Para obter a carte de séjour, precisa estar matriculada em uma universidade. Para conseguir a famosa carta, terá de fazer fila de madrugada e na neve, que bolsistas jamais chegam no verão. Na fila, será equiparada a famintos de todos os quadrantes, paquistaneses, árabes, haitianos, que buscam na França uma chance de trabalhar como escravo. Mesmo pertencendo à classe média brasileira, tem boas chances de habitar um cubículo, dando graças a Deus se nele houver vaso sanitário e uma ducha, em um quinto ou sexto andar sem elevador. A queda de status, já ao chegar, abala Alice. O confronto posterior com o ruidoso mundo intelectual parisiense irá achatá-la, se não for forte.

Suicídios e perturbações mentais não são moeda rara no currículo dos buscadores de paraísos. Não foi por acaso, nem criação minha, que pendurei em uma árvore um de meus personagens em Ponche Verde, calcado em Evaldo Dalmácio Tibursky, companheiro de quarto e universidade em Porto Alegre. A propósito, Norma Takeuti, quando compilava dados para sua tese, foi procurada por um sociólogo mexicano encarregado de fazer um trabalho semelhante ao seu. O governo mexicano estava alarmado com as estatísticas sobre internações psiquiátricas e suicídios de estudantes que voltavam ao país.

O fato não passou despercebido a Rubén Dario, que assim escreve em "Augusto de Armas", em Los Raros:

No sabía que semejante a la reina ardiente y cruel de la historia, París da a gozar de su belleza a sus amantes y en seguida los hace arrojar en la sombra y la muerte.

Enfrentei Paris com tranqüilidade. No início dos 70, a Suécia caminhava uma boa década adiante da França. Não chegava virgem ao Quartier Latin. Meu fascínio com a social-democracia morrera em Estocolmo. Ante um sueco, Monsieur Dupont, o francês médio, era um ser subdesenvolvido. Ou talvez nem tanto. Na época, os suecos viviam em padrões de conforto e sofisticação de fazer inveja a Monsieur Dupont. Minha vantagem é que não estava atracando meu barco no Sena com a visão primária de um tupiniquim. O metrô parisiense, por exemplo, um deslumbramento para um brasileiro ou ugandense de primeira viagem, depois da experiência nórdica me pareceu algo caótico, sem horários definidos, coisa de país desorganizado.


Em Criollos en París, o chileno Joaquín Edwards Bello faz seu personagem confessar:

París no sirve al americano del Sur: después de algún tiempo, simples espectadores de la vida francesa, dejamos de ser americanos sin alcanzar a ser europeos. La vida parisiense es siempre un misterio para nosotros; todo nos está clausurado, aparte los sítios públicos plenamente abiertos mediante pago. Y conste: alcanzamos a conocer apenas el contorno de esa vida sin penetrar jamás en su cordial intimidad. Nuestra cursilería ha puesto de moda el eterno de "quién estuviera en París!" Conozco señoritas de la mejor sociedad cuya vida en París consistía en pasarse las horas bostezando de añoranzas, cuando no leyendo diários sudamericanos en el Consulado, y, sin embargo, aqui las verás refunfuñando: "este es un país demodé y absurdo".

Edwards Bello falava, evidentemente, dos apaniguados latinos que vicejam à sombra de ditaduras e consulados, sem nada entender do universo que os envolve. Em seu personagem há um ressentimento de exilado e plebeu. No fundo, é o que somos em Paris. Trocar de pátria dói e custa caro.


Quando Carlos Fuentes afirmava que a capital da América Latina era Paris, foi imediatamente contestado por Alejo Carpentier: que Paris fora a capital dos latino-americanos, mas que hoje existiam outras capitais como Londres, Berlim ou Madri. As distintas e sempre mesmas ditaduras militares no continente americano produziram diásporas que Paris não mais conseguiu albergar, a ponto de me parecer pertinente pesquisar a influência do Milicus latinoamericanensis no diálogo entre Velho e Novo Mundo.

A "parisite", febre que corroeu a alma de tantas gerações, adquire hoje nova sintomatologia. Os novos Colombos, ao fazer a viagem inversa, não mais assestam a proa exclusivamente rumo à torre Eiffel. Seja quais forem seus pontos de chegada, este tipo de viagem marca dolorosa e definitivamente o navegador, isto quando não acaba em naufrágio. De qualquer forma, mesmo ultrapassado o período do poder militar, a América Latina não conseguiu ainda estabelecer uma capital intelectual em seu próprio continente.