¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, julho 11, 2006
 
ESTRANHAS COLEÇÕES


Em meus dias de Paris, encontrei certa vez uma uruguaia, que se pretendia refugiada política. Conversa daqui, conversa dali, ela convidou-me para ir até a sua casa. Casa? - perguntei. Em Paris não há casas. Ela insistiu que morava em uma casa. Paguei para ver.

De fato, era uma casa, mais precisamente um sobrado, situado no centro de uma cour. Mal entrei não acreditei no que via. O lixo infestava todo o térreo, empilhado até a altura dos ombros. Por um estreito corredor em meio à muralha de lixo, chegava-se até a cozinha, onde se abria um espaço de uns dois metros quadrados para uma mesa e duas cadeiras. Ao sentar-me, minha cabeça ficou um pouco abaixo do nível de lixo. Um outro corredor levava até o banheiro.

Por uma escadaria também atulhada de lixo, ela subiu ao primeiro piso para trocar-se. Pediu que eu não subisse: "Aqui está pior". Saí voando daquela casa. Saímos para a rua e ela me passou um objeto cilíndrico. "Segura isto aqui. Com cuidado. É uma bomba e eu me sinto perseguida". É claro que não voltei a revê-la. Se a casa era aquilo, fiquei me perguntando como seria a cabeça da moça.

Os franceses têm a fama de não serem muito higiênicos, o que não deixa de ter algum fundo de verdade, mas não tanto quanto se imagina. Mas eu nem podia atribuir aquela montanha de lixo às idiossincrasias dos franceses, afinal a moça era uruguaia. O episódio me ficou na memória, naquele setor das coisas sem explicação, para as quais esperamos um dia alguma resposta. Alguns anos mais tarde, li nos jornais que uma aposentada fora soterrada pelo lixo de seu apartamento. Essa história, eu já conhecia.

Leio nos jornais de hoje que uma milionária espanhola, Violeta de Carvalho Martinez, de 70 anos, vivia em um sobrado no Itaim, bairro nobre de São Paulo, cercada por 250 toneladas de resíduos orgânicos e inorgânicos, laboriosamente juntados durante 20 anos. A casa tem 350 metros quadrados. Como não tinha mais espaço para viver, Violeta dormia em um carro na garagem. As 250 toneladas são certamente um equívoco de reportagem. O fato é que, até ontem, já haviam sido retirados 16 caminhões de lixo. O curioso é que a milionária colecionava esse lixo todo com a conivência dos filhos.

A espanhola lembrou-me a uruguaia. A urbe produz estranhas doenças.