¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, outubro 31, 2005
 
NOVAS REAÇÕES (9)



CONSIDERAÇÕES ACERCA DE UM ARTIGO DE JANER CRISTALDO


Religion blushing, veils her sacred fires, And unawares Morality expires - Alexander Pope

Após ler o último artigo de Cristaldo, "Eu, Apóstata", questionei-me se deveria continuar a polêmica: Afinal, que tenho eu a dizer para alguém que ridiculariza S. Tomás?Existem coisas que, numa discussão séria, não se deve pôr em dúvida. Compreenderia alguém que se apresentasse questionando o aristotelismo, ou o platonismo. Entenderia alguém que fizesse pouco caso da dúvida socrática. Mas não alguém que os ridicularizasse - ao contrário, quem pretendesse assim desprezar tão grandes nomes da filosofia faria, ele próprio, um papel ridículo.É exatamente o caso aqui: pois que S. Tomás de Aquino é um gigante do pensamento, é algo inconteste. Ademais, se Cristaldo o despreza por este se interessar por anjos, o quanto não desprezará Sócrates, por este acreditar na vida eterna ou Aristóteles, que julgava o ateísmo irracional? Se quiser ser coerente, Cristaldo terá igualmente de desprezar S. Agostinho, Duns Scoto, S. Boaventura, S. Alberto Magno, Avicena, Averróis, Maomênides, Avicebrão e todos os demais filósofos medievais que acreditavam em anjos. E, para seguir nesta linha, terá de jogar no lixo boa parte dos filosofos modernos (a melhor parte), toda ela composta por "crentes', como gosta de chamar o autor. Curioso é que o aquinate, fiel da "intolerante" religião da cruz, da tortura, da inquisição, não despreza os filósofos pagãos, islâmicos ou judeus - chama Aristóteles de O Filósofo e Avicena, O Comentador. Ao contrário, aos "tolerantes" ateus, quem quer que professe uma religião é, ipso facto, "crente de cabeça vazia".

Ainda mais: se "empunhei" S. Tomás, como diz o autor, não o fiz senão para mostrar que Cristaldo, ao criticar a Igreja, dava provas de ignorância: citei passagens da Suma e outros doutores da Igreja como prova de que o autor estava errado ao dizer que a Igreja condena o "prazer sexual" e era autoritária ao querer impôr sua moral. Afirmei que este não possuia as mínimas condições necessárias para ingressar numa polêmica em matéria religiosa, por não conhecer sequer a doutrina da instituição que pretende atacar. Após isso, Cristaldo poderia fazer uma das duas coisas: poderia defender seu ponto de vista ou calar-se. Não fez nem uma coisa, nem outra, afetou desprezo pelo tomismo e retornou à questão do "prazer sexual".Diz o autor: "Minha negação de Deus decorre em boa parte de meu amor ao baixo ventre. Uma das razões que me levou a questionar o cristianismo foram as proibições ao sexo. Os padres armaram uma maquininha diabólica de tortura em minha mente: a cada momento de prazer, fui condicionado a acionar a maquininha, o que me provocava dolorosos sentimentos de culpa e desejos de punição". Quem ler o artigo que escrevi anteriormente em resposta ao autor, verá, pelas várias citações dadas, que nem o prazer sexual nem, evidentemente, o sexo, são proibidos ou condenáveis para os católicos. Contudo, é preciso que um e outro estejam devidamente submetidos à ordem da razão. Remeto mais uma vez o leitor ao que tão claramente explicou S. Tomás: "...é bom o prazer que leva o apetite superior ou o inferior a repousar no que convém à razão; e é mau o que o leva a repousar no que discorda da razão e da lei de Deus". (Ia IIae q. 34, a. 1).Ora, o que Cristaldo parece ignorar, é que a necessidade de se conformar todas as ações à ordem da razão, inclusive o sexo, não é uma invenção da Igreja: mas é a própria natureza do ato moral.

Quem compendiar a reta filosofia, encontrará precisamente esta doutrina: Aristóteles comparava os intemperantes (i.é. a turma do baixo ventre) aos epiléticos e ao pecado de intemperança chamava "um vício infantil" (Ética 3, 12). O grifo é meu: "The name self-indulgence is applied also to childish faults; for they bear a certain resemblance to what we have been considering. Which is called after which, makes no difference to our present purpose; plainly, however, the later is called after the earlier. The transference of the name seems not a bad one; for that which desires what is base and which develops quickly ought to be kept in a chastened condition, and these characteristics belong above all to appetite and to the child, since children in fact live at the beck and call of appetite, and it is in them that the desire for what is pleasant is strongest. If, then, it is not going to be obedient and subject to the ruling principle, it will go to great lengths; for in an irrational being the desire for pleasure is insatiable even if it tries every source of gratification, and the exercise of appetite increases its innate force, and if appetites are strong and violent they even expel the power of calculation. Hence they should be moderate and few, and should in no way oppose the rational principle-and this is what we call an obedient and chastened state-and as the child should live according to the direction of his tutor, so the appetitive element should live according to rational principle. Hence the appetitive element in a temperate man should harmonize with the rational principle; for the noble is the mark at which both aim, and the temperate man craves for the things be ought, as he ought, as when he ought; and when he ought; and this is what rational principle directs".

A mesma doutrina foi descrita por Cícero (De Invent. Rhet. ii): "Anything that is sought either entirely or partly for itself we shall call honestum (honorable). Because there are two parts to it, of which one is simple, and the other is mixed, we shall consider the simple part first. All the things in this genus are embraced in the single force, and under the single name, of virtue. Virtue is a disposition [habitus] of spirit [animus] in harmony with the measure of nature and of reason. So when we know all its parts, we will have considered all the force of simple honor. It has four parts: prudence, justice, fortitude, temperance. (...)Temperance is a firm and moderate control exercised by calculation over lust and other impulses of the spirit that are not right [not straight]". Quando Cristaldo diz que rompeu com a Igreja e negou Deus por conta das proibições ao sexo e aos prazeres sexuais desregrados (pois, como já provei citando 3 dos principais doutores da Igreja, proibição ao sexo e aos prazeres regrados não há), devemos entender que, na verdade, como na epígrafe deste texto, Cristaldo rompeu com a ordem moral. É ele mesmo quem o diz: "Para início de conversa, falar de pecado para mim é como falar de livros para o Lula: não me diz nada. Ateu, sou homem sem pecados, pois não aceito a noção de pecado". E não pode alegar desconhecimento da noção de pecado, pois ele mesmo a transcreve em seu artigo: "É pecado o ato humano contrário à ordem da razão". "Foi a concupiscência que te perverteu" (Dn 13,56).

Interessante que este homem a quem repugna a idéia de viver conforme a razão, e proclame ter tirado seus argumentos do baixo ventre, discorra sobre os direitos da crítica e cobre argumentos aos seus adversários. Também interessante é verificar que, no mesmo artigo em que diz recusar a noção de pecado, Cristaldo pretende condenar a inquisição... moralmente! Por outro lado, se recusa a noção de pecado, nem por isso parece recusar a noção contrária, a de virtude, pois diz-se um forte: ateísmo, diz, é coisa de fortes. A fortaleza, no linguajar de Cristaldo, equivale a coragem. Não discutamos, vejamos apenas se há coerência. Para o autor, os ateus são corajosos por não temerem a morte. Mas, se perguntarmos ao autor que há após a morte, ele dirá: não há nada. Pergunto-me agora: que mérito há em não temer o nada? Somente a alguém que acredite enfrentar algo após a morte, quer o desconhecido dos agnósticos ou, mais ainda, o "tremendo juízo" de que fala o Dies Irae, poderia haver coragem. Quanto a morte, lamento dizer, é precisamente este um tema sobre o qual não se podem dizer corajosos os ateus.

***
Cristaldo é um ateu militante que se ignora. Seu ateísmo confirma todas as notas da descrição feita por Olavo: a decisão de juventude feita por motivos intelectualmente irrelevantes, a racionalização posterior e a adesão cega e inflexível. O autor é militante e mal consegue passar uma semana sem combater a Igreja e os crentes das diversas religiões: "A história do ateísmo militante é uma sucessão prodigiosa de intrujices. É que o ateísmo, em geral, é uma opção de juventude, prévia a qualquer consideração racional do assunto, e uma vez tomada não lhe resta senão racionalizar-se a posteriori mediante artifícios que serão mais ou menos engenhosos conforme a aptidão e a demanda pessoal de argumentos. Não se conhece um único caso célebre de pensador que tenha chegado ao ateísmo na idade madura, por força de profundas reflexões e por motivos intelectuais relevantes. Ademais, toda fé religiosa coexiste, quase que por definição, com as dúvidas e as crises, ao passo que o ateísmo militante tem sempre a típica rigidez cega das crenças de adolescente. O ateísmo militante é, por si, um grave sinal de imaturidade intelectual". (Jardim das Aflições, pág. 127)

PS.: Cristaldo acaba de publicar um novo artigo, onde dá novas provas de intrujice. Cita longamente um padre francês com declarações absolutamente descabidas sobre metafísica. Fica feio citar algo tão pueril, tão inconsistente. Recomendo ao autor a Ia pars da Suma, em especial o tratado De Deo Uno, que trata e resolve precisamente aquelas questões, ponto a ponto. Vou tentar escrever algo sobre o assunto. Quanto ao tema Inquisição, pretendo escrever algo depois em meu blog www.tradblogs.com.br/missaest