¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, agosto 15, 2005
 
VÁ EM FRENTE, COMPANHEIRO!
Desde há muito sustento que boa parte dos ilustres líderes da História são pobres diabos que apenas se sustentam em ficções grandiosas ou pretensamente grandiosas. A ficção do nazismo fez de um pintor frustrado um dos mais poderosos senhores da guerra do século passado, que em uma dezena de anos mudou a geografia da Europa e ameaçou o planeta todo. Chamava-se Adolf Schikelgruber Hitler e, para infelicidade da Europa, faltou quem lhe jogasse um ovo podre quando jovem ativista. Este ovo providencial talvez poupasse a humanidade da Segunda Guerra. Mas nunca foi jogado. Schikelgruber foi, sem dúvida alguma, o homem mais amado em vida neste planeta. Apesar de ter matado milhões de seres humanos, sua verve fascinou toda uma nação. A se ver o olhar extasiado com que os alemães o contemplavam, sua derrota e seu suicídio terá provocado mares de lágrimas. .

Joseph Vissarionovitch Djugatchivili, medíocre ex-seminarista georgiano, mais conhecido por Stalin, deu continuidade aos massacres de Lênin, o que contabilizou, no total, 20 milhões de mortos. Escorado pelos sublimes ideais do socialismo, sua morte gerou um mar de lágrimas não só na União Soviética como no mundo todo. Isso sem falar dos que nela não acreditavam, afinal um deus não pode morrer. Sua morte provocou lágrimas tanto em Moscou como Porto Alegre, tanto em Paris como Berlim. Como dizia Jean Rostand, "quem mata um é assassino, quem mata milhões é conquistador e quem mata todos é Deus". O culto ao grande assassino era tal que foi reverenciado como o Paizinho dos Povos.

No Brasil, cujas ambições não são desmedidas, um pequeno ditador mereceu as lágrimas de sul a norte do país, Getúlio Vargas. Lágrimas sobraram até para um êmulo menor do caudilho, Leonel Brizola. Enfim, todo homem público tem suas hostes de crentes, e o rio de lágrimas gerado por sua morte sempre transborda além das margens dos familiares e dos mais próximos. Nesta última e lacrimosa semana, sobraram lágrimas até mesmo para o líder comunista Miguel Arrais, mais um dos que lutaram para transformar o país em uma imensa Cuba meridional. (Ou alguém pretende que o Partido Socialista Brasileiro - PSB - postulasse algum tipo de social-democracia?). Que seus familiares o chorem, entende-se. O que não se entende é que líderes de todos os partidos, alguns deles presidenciáveis, assumissem o papel de carpideiras ante o cadáver do velho bolche. Transfigurador, o poder da morte. A imprensa toda, em um eufemismo unânime, transformou o comunista em "líder socialista". Os coleguinhas de jornais parecem ter assumido a cartilha politicamente correta do Nilmário, na qual a palavra comunista virou palavrão.

Mais difícil é entender por quem e por que choram a cântaros os marmanjos do PT no Congresso, ao tomar conhecimento do que todo mundo - menos eles - conheciam. O PT é sujo desde suas origens. Surge no Brasil como santuário para os derrotados do século. E surge como mentira, a partir do próprio nome. Substituiu a palavra proletário - tão cara às doutrinas assassinas que lhe serviram de base - por trabalhador. Ora, esta palavra tem uma conotação de trabalho braçal, mas quem apostou mesmo no PT foram os trabalhadores intelectuais, os acadêmicos e universitários, as comunidades eclesiais de base, o funcionalismo público e uma classe média penitente, eivada de mauvaise conscience em virtude de seu parco bem-estar. O único operário que restou para bandeira do PT foi Lula.

Operário mas não muito. Aposentou-se malandramente aos 42 anos, através do obsceno instituto da aposentadoria especial para anistiados políticos, que premiou todos os comunistas e similares que conspiraram contra a própria pátria. Passou cerca de duas décadas sem trabalhar, remunerado como apparatchik do PT, único partido do país a remunerar militantes profissionais. Claro que, investido de tão nobres funções, Lula não poderia viver como um reles operário. Comprou então, em circunstâncias jamais esclarecidas, uma cobertura em São Bernardo do Campo. A imprensa denunciou o fato, mas foi leniente. Em um país onde é normal locupletar-se com dinheiro público, cobertura a mais cobertura a menos não constitui jaça na trajetória de um líder de esquerda. O que seria um impedimento a qualquer candidatura, foi transformado em um pecadilho perfeitamente perdoável.

A campanha de Lula rumo à Presidência começa com um assassinato, o do prefeito Celso Daniel. A imprensa denunciou o fato, mas o PT conseguiu caracterizar o crime como comum, e não político. Em um país onde o crime comum é normal, mais cadáver menos cadáver não iria afetar a ascensão do homem mais ético do país. Verdade que na esteira de Celso Daniel vieram mais seis cadáveres. Mas que são sete cadáveres quando está em jogo um projeto de salvação nacional? Detalhes históricos, nada mais que detalhes.

Com o ego inflado por sua condição de estrela de um partido burguês, oriundo de uma intelectuália marxistóide burguesa, Lula não se deu sequer ao luxo de educar-se. Sedento de poder, dispensou até mesmo uma experiência administrativa mínima nalguma prefeitura, para ao menos entender uma folha de pagamento. Passou diretamente do ócio remunerado e do analfabetismo funcional à suprema magistratura da Nação. Ora, macieira não dá pêssego. Que poderia esperar-se de um malandro sem escrúpulos, que passou a vida toda papagueando palavras que sequer entendia e só ambicionava o poder, senão uma versão branca de Idi Amin Dada, o bronco e ridículo ditador ugandês dos anos 70? Brasil pode não ser África, mas chegamos lá. Em pleno século XXI, com pretensões de nação moderna, o Brasil passou a ser presidido pela figura exótica do Supremo Apedeuta. Lula subiu ao poder montado em uma ficção, a obsoleta ficção marxista de que cabe ao proletariado redimir a humanidade. Poderosas, as ficções.

Por quem choram as tardias madalenas no Congresso? Pela morte política de Lula não há de ser, afinal o arbítrio e a arrogância do homem mais ético do país gerou ressentimentos e divisões irremediáveis no partido. Pela morte de um sonho, tampouco. O sonho já morrera em 89, com a queda do Muro. Que mais não fosse, recebeu atestado de óbito dois anos mais tarde, com a dissolução da União Soviética. O PT, herdeiro da tradição bolchevique, não tinha muito futuro pela frente. (Observe-se a sutileza de elefante em uma loja de cristais dos petistas: sua facção predominante adotou o nome de Campo Majoritário. Majoritário é a tradução ao português de bolchevique. Os mencheviques foram para o PSOL). Era apenas a sobrevida do sonho, somente o tempo que levaram as ondas concêntricas da queda do Muro para chegar a este Brasil, tão distanciado física e culturalmente dos centros de decisão do planeta.

Se os petistas sonharam algum dia em ressuscitar a utopia soviética na América Latina, eram crianças ingênuas que ainda criam no dogma marxista de que a História rumava ao comunismo, dogma que a própria História mandou para sua lata de lixo nos estertores do século passado. Por que choram as madalenas? A meu ver, por uma única razão: sabiam que suas lágrimas seriam televisionadas e que a transmissão das CPIs tem ibopes de novelas. Terá algum petista chorado sozinho, frente ao espelho, na privacidade de seu lar? Terá chorado o choro de verdade, aquele que ocorre na intimidade e no silêncio? Duvido. Lágrimas sem televisão não redimem nem rendem votos.

Em meio a isso, o homem mais ético do país faz um paralelo que não deixa de suscitar esperanças. Compara-se a Getúlio Vargas. Vá em frente, companheiro! Até o fim. Seria a única maneira de escapar com certa elegância a um julgamento de seus contemporâneos. Poderia acabar seus dias com a aura de mártir, e não com a pecha de oportunista que já lhe adere à pele. Enganaria os pósteros por mais alguns anos, mas não mais que isso. Enganaria até que as águas do lago da História baixassem e os homens do futuro pudessem ver com isenção este triste período da vida política do Brasil.

Mas essa esperança não consigo alimentar. Suicídio é gesto de homens que têm fibra e nunca perderam a vergonha. O que não é o caso de nosso inglório personagem.