¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quarta-feira, setembro 29, 2004
 
MAIS PÉROLAS DOS GRANDES HUMANISTAS


ANTONIO CALLADO - Darcy, a primeira vez que eu fui ver os índios, em 50 ou 51, já estava muito estabelecido que índia não se comia, para não bagunçar muito o coreto, era mais ou menos tradicional, para não começarem a comer as índias todas. Tanto é assim que, quando eu estive lá, o Leonardo Villas-Boas já estava na Fundação Brasil Central, sendo forçado a deixar o Serviço de Proteção ao Índio porque ele tinha comido uma índia, com quem se casou. Quando é que você chegou lá pela primeira vez? Nessa época já tinha essa lei?

DARCY RIBEIRO - É verdade. Eu comecei com os índios em 46. Essa lei existe até hoje, por causa do Rondon e da antropologia clássica. Eu fui educado para não trepar com índia porque, para o antropólogo, no meu caso específico, pesquisas longas eram difíceis. Hoje em dia é que as moças começaram a dar para os índios, as antropólogas dão para os índios, gostam de transar com eles, para fazer intimidades. Tão dando mesmo, dão para eles também. Coitado, índio também é gente. Então, dão. E como elas dão, os homens também começaram a comer as índias, antropólogos de primeira geração. (...) Eu passei meses com os índios, arranjava um jeito de ter uma. Por exemplo, eu não comia as índias Urubus-Kaapor porque eu estava trabalhando com os Kaapor, mas comia índia Tembé, que eram umas índias decadentes que havia lá.




sexta-feira, setembro 24, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXXII)


A affaire Balaustre


Memória puxa memória e não está fácil sair de Porto Alegre e partir rumo a outros nortes. No dia 20 de outubro de 1971, a Folha da Tarde publicava um

CONVITE PARA ENTERRO

A Ivanhoé Produções, a Ivanhotur, a Ivanhocred, a Ivanhoplan, a Ivanhoinvest, cumprem o doloroso dever de participar a seus clientes, amigos, acionistas e fornecedores, o falecimento de seu mais antigo sócio, presidente e fundador

PEDRO LOUZADA BALAUSTRE

ontem falecido e convidam as pessoas de suas relações para assistirem as cerimônias de seu sepultamento. O féretro, hoje às 14 horas, sairá da Igreja Matriz da cidade de Muçum para o cemitério local.

Muçum, 20 de outubro de 1971

Pedro Louzada Balaustre - fruto da imaginação desocupada de jornalistas não muito sóbrios - surgiu inicialmente ao final de uma crônica esportiva. Ao retornar de uma excursão vitoriosa de seu time ao interior do Estado, envolto na bandeira colorada, o velho Balaustre abraçara-se ao monumento ao Laçador, a voz enrouquecida pelos vivas e vaias. Surgiu mais tarde numa seção de Cartas à Redação, congratulando-se com a ação purificadora da Revolução de 64. Era um conservador, o velho Balaustre. Onde houvesse brecha em algum jornal, lá estava o homem: nos documentos perdidos, aniversários, crônica esportiva e colunas assinadas. Sua morte foi recebida com incredulidade e indignação pelos jornalistas que o haviam criado. Hipóteses e investigações não muito rigorosas não levaram a conclusão alguma, e o assassino continua até hoje impune. Enfim, morto o personagem, só restava criar-lhe uma imagem póstuma. Dois dias após seu passamento, na mesma Folha da Tarde, lia-se:


COMUNICAÇÃO À PRAÇA


Os homens passam, mas as instituições ficam. As empresas ligadas ao holding Ivanhoé, sob o impacto, ainda, do doloroso passamento de seu fundador e diretor presidente PEDRO LOUZADA BALAUSTRE, cumprem o dever de comunicar aos seus acionistas, amigos e clientes que as atividades do grupo terão prosseguimento normal e desenvolvimento crescente. Com sucursais e agências nas principais praças do país, o complexo Ivanhoé não precisa encostar-se a ninguém para ser grande no Rio Grande do
Sul e no Brasil. Vale pela eficiência instrumental das empresas que o integram, pelo seu know-how, pela incomum qualidade de seu staff e pela austeridade dos que o dirigem. Assume a direção de nossos negócios, seu filho PEDRO LOUZADA BALAUSTRE JÚNIOR, assessorado pelo comendador ASPECYR UMBRELLA.

São Paulo, 21 de outubro de 1971.

IVANHOÉ PRODUÇÕES - Ivanhodata - Ivanhotum - Ivanhobral - Ivanhotur - Ivanhopress - Ivanhovest - Ivanhocred - Ivanhoplan
Na época, eu mantinha coluna assinada no Diário de Notícias. Obviamente, registrei o fato com gosto, não sem acrescentar mais algumas virtudes ao homem.

O falecimento de Pedro Louzada Balaustre sensibilizou gregos e troianos. Empresário de grande visão e humanidade, excepcionalmente aberto a idéias novas, tinha livre trânsito tanto nos círculos culturais como empresariais do país. Homem de humildes origens, possuía uma visão saudavelmente civilizada do mundo. Suas dimensões são apenas comparáveis ao personagem de Khazam, em The Arragement. Era conhecido como o Lincoln do Oeste Catarinense, região onde implantou a Ivanhopin, empresa que originaria mais tarde o poderoso grupo Ivanhoé. Pedro Louzada Balaustre morreu em sua fazenda no município de Muçum, a 19 do corrente, vítima de insidiosa moléstia.

Uma certa comoção perpassou os porto-alegrenses. O empresário era pouco conhecido no Rio Grande do Sul, mas não passa despercebida a morte de um homem que cria todo um império econômico. A Comunicação à Praça - nota de leitura obrigatória para todo industrial ou comerciante - foi publicada para dar fim aos insistentes boatos de que o complexo Ivanhoé seria assumido por grupos estrangeiros. Redatores de assuntos financeiros registravam a queda das ações de algumas empresas e uma subida compensatória de outras. O comendador Aspecyr Umbrella negou-se a quaisquer declarações ao descer no aeroporto Salgado Filho, o que só aumentou os rumores em toro ao caso. Para seu dissabor, perdeu bengala e passaporte na chegada. Nos meios editoriais negociava-se a publicação das memórias póstumas do capitão-de-indústria, possibilidade que preocupava muitos cidadãos acima de qualquer suspeita. No Correio do Povo, alguém colocou discretamente uma página na caixinha de necrológios. Gaúcho algum poria em dúvida uma afirmação impressa nas austeras páginas do Róseo. Dia seguinte, graças à autoridade do jornal, o capitão de indústria passava a existir de fato.

PEDRO LOUZADA BALAUSTRE

Em sua fazenda, no município de Muçum, faleceu a 19 do corrente o pecuarista e industrial Pedro Louzada Balaustre, diretor e fundador do grupo Ivanhoé, com uma dezena de organizações associadas e subsidiárias, principalmente nos Estados de São Paulo e Paraná. O empresário faleceu aos 65 anos de idade.
Pedro Louzada Balaustre era casado com a sra. Carmelita Umbrella Balaustre, deixando desse matrimônio três filhos: Pedro Louzada Balaustre Júnior, Jandira Louzada Balaustre e Nataniel Louzada Balaustre.

Fontes próximas ao governo falavam de estudo para manter no Estado o controle acionário do holding Ivanhoé. A um vereador ocorreu a idéia de homenagear o extinto dando seu nome a uma rua. Um deputado, que recebera um cartão com tarja negra agradecendo, em nome das empresas, sua presença às exéquias, pediu ao plenário um voto de pêsames pelo passamento do industrial, que foi concedido por unanimidade. Em sua alocução, dizia-se amigo de longa data do comendador Aspecyr Umbrella, tendo pois a certeza de Pedro Louzada Balaustre, o dinâmico Pedrinho, estava bem assessorado.
Leitor algum notou que em Porto Alegre havia uma empresa de seguros de razão social Aspecyr, com outdoors em todo o centro da cidade, cujo logotipo era um guarda-chuva. Editor algum se preocupou em checar se no Brasil - ou no sul do Brasil, que mais não fosse - existia algum holding Ivanhoé. Em Brasília, um outro deputado gaúcho, que também recebera o cartão de agradecimento, também solicitava a seus pares um voto de pêsames. O personagem que fora criação de uma noite de porre de jornalistas exercitando o senso de humor, graças à irresponsabilidade da mídia, passara a ter existência concreta.

Neste ponto, ocorre a morte definitiva de Pedro Louzada Balaustre. Ao final de uma sessão plenária da assembléia gaúcha, um jornalista chapa branca, amedrontado com as dimensões que a affaire estava tomando, comunicou ao solidário deputado a verdade sobre o caso. O deputado voou até a estenografia para evitar a inclusão do voto nos Anais e manteve contatos pessoais e desesperados com os proprietários das empresas jornalísticas. Pedro Louzada Balaustre desapareceu da memória dos homens. Exatamente quando se providenciava sua missa de trigésimo dia. Para celebrá-la, pensamos em nada menos que Sua Eminência o cardeal Don Vicente Scherer. A cerimônia seria na Catedral Metropolitana, bem entendido. Estava também sendo preparado um espólio do defunto, que seria enviado à Receita Federal. Infelizmente, Balaustre teve vida curta.





quarta-feira, setembro 22, 2004
 
DARCY RIBEIRO REENCARNA EM TEERÃ


TEERÃ (Reuters) - Uma iraniana, espancada todos os dias por seu marido, pediu a um tribunal que dissesse a ele para limitar as surras a uma vez por semana, afirmou um jornal na quarta-feira. Maryam, uma mulher de meia-idade, disse que não queria se divorciar porque amava o marido, segundo o jornal Aftab-eyazd.
"Apenas diga-lhe para me bater uma vez por semana... bater é parte de sua natureza e ele não pode parar com isso", disse Maryam ao tribunal.
O tribunal de Teerã declarou o homem culpado e proibiu-o de espancar a mulher.
"Se eu não espancar, ela não terá medo o bastante para me obedecer", explicou o marido.

terça-feira, setembro 21, 2004
 
SOBRE CRÍTICOS

Do leitor Odilon Toledo:

Caro Janer,

Luís Carlos Merten é hoje crítico de cinema do Estadão, sim, mas pelo jeito não mudou. Se comenta, por exemplo, um filme como A Vila, cujo tema éuma comunidade tradicional (tipo amish) que acredita viver cercada por fantasmas, imediatamente "analisa": o filme é uma parábola sobre os EUA e Bush, um país que se imagina cercado por inimigos e um presidente que usa esse pavor para manter todos dominados etc. etc. Não lhe ocorre verificar se a produção do filme começou antes do 11 de setembro, durante o governo Clinton, ou se o tema do medo, do sobrenatural, é recorrente naquele diretor. Sua "crítica de cinema" é sempre pretexto para um antiamericanismo primário e, o mais das vezes, risível. Triste paradoxo: alguém que odeia tanto "o imperialismo americano" passar a vida a escrever sobre cinema para leitores que só querem ver filmes americanos...

Darcy Ribeiro, vê-se, era antes de tudo um humanista...
Sempre achei Darcy uma fraude e, pior, um dos principais defensores do que temos de pior enquanto civilização: o jeitinho, a malandragem, a violência. Sua associação com Brizola, no Rio, está a dar frutos até hoje - nas páginas policiais.

sábado, setembro 18, 2004
 
AUTORES ESQUECIDOS

(entrevista com Darcy Ribeiro)


OSCAR NIEMEYER - Teve uma história que você me contou uma vez que era mais complicada, que jogaram você numa estrada de ferro.

DARCY - Foi em Paris, na primeira vez que eu fui a Paris, em 54. Lá, encontrei uma coisa incrível, uma menina, de família turca, libanesa, de Rio Claro, em São Paulo. Ela tinha ganho, aos dezoito anos, o prêmio de língua francesa, era estudante. Eu cheguei lá, vindo da Suíça, tinha passado um mês na Suíça, trabalhando. Quando cheguei em Paris, por acaso encontrei com a menina, gostei da companhia, fiquei andando com ela. Ela estava com uma vergonha enorme de ser virgem - a francesa é muito mais cuidadosa da virgindade que a brasileira, a francesa de família burguesa - mas ela, vivendo na Rive Gauche, lá ela estava com vergonha de ser virgem, porque os meninos namoravam e queriam trepar.

Eu também quis trepar e ela não trepou. Eu já estava enjoado dela e ela me procurando como um carrapato, agarrada em mim, mas não me dava. Ia na minha pensão e não me dava. Pensão daquele tempo, em Paris! Essa menina estava com muita vergonha de ser virgem, mas com muito medo. Então, fiquei passeando com ela em Paris. Num certo momento, nós fomos pegar o último metrô, tínhamos que pegar ou andaríamos quarteirões. Fomos para o metrô, estávamos na beira do metrô, esperando, e ela sabia que, quando chegássemos, ela ia ser comida, porque senão eu quebrava a cara dela. Logo depois eu iria embora, então era o dia dela ser comida, ela estava muito nervosa. Então, a filha da puta, num certo momento, me jogou na linha do metrô, lá embaixo. Aquele negócio é eletrificado, eu podia ter morrido! Eu fiquei querendo levantar, apoiado com a mão na beirada da plataforma, e ela pisando na minha mão. Eu fiquei com uma raiva danada e dei uma surra nela.

ANTÔNIO HOUAISS - Você conseguiu se levantar e sair de lá?

DARCY - Consegui levantar - hoje, não conseguiria -, ela pisando na minha mão. Dei uma surra nela, rapaz! Ela ficou quietinha, chorou muito e depois me deu. Por isso é que eu estava, agora, faz pouco, andando com minha chefe de gabinete, que é uma mulher muito bonita, e com o marido dela na feira de Montes Claros e eu cheguei e disse para uma daquelas feirantes - muitas delas me conhecem:
- Como vai?
Ela perguntou:
- Quem é essa, é sua mulher?
- Não, trabalha comigo e não me dá.
- Bate nela que ela dá.

sexta-feira, setembro 17, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXXI)



A Bolha Assassina


Lá nos anos 70, (74 mais precisamente) uma praga havia inundado a Rua da Praia, aqueles meninos e camelôs soprando bolhas de sabão. Uma amiga gaúcha, incomodada com a coisa, pediu-me uma providência. "Deixa comigo", disse. Mandei uma carta para o Correio do Leitor do Correio do Povo, assinada pela suposta enfermeira Katia Meleu Gomes. Havia uma epidemia de meningite na época. Analisei as contradições objetivas do real, como dizia então o pessoal do Partidão, e denunciei o risco de contágio. A carta saiu na edição de 13/08/74. A Katia morava na Cavalhada e teria atendido um menino, acometido pela meningite, filho de um barbeiro do bairro. Que soprava bolhas de sabão na Rua da Praia. Para minha surpresa, no mesmo dia, às 11 da manhã, a Folha da Tarde - tablóide da Caldas Júnior - mancheteava, na primeira página, em cinco colunas:

A BOLHA QUE PODE SER ASSASSINA

A denúncia formulada pela enfermeira Kátia Meleu Gomes no "Correio do Leitor", edição de hoje do Correio do Povo, teve constastação esta manhã na rua da Praia. Diversos camelôs continuavam a assoprar bolinhas de sabão, que conduzindo saliva podem transformar-se em veículo de germes transmissores de meningite, caso os vendedores sejam portadores do mal. A enfermeira Katia Meleu Gomes atendeu a um menino portador de meningite e que dedicava-se à venda dos canudos na rua da Praia, espalhando, sem saber, a doença pelos que, passando pelo local, recebiam os balões nas bocas ou os estouravam com as mãos, que posteriormente poderiam ser levadas à boca. À Secretária da Saúde cabe a decisão imediata de proibir o trabalho dos vendedores que, além do mais, perturbam o trânsito.

Na foto, que tomava toda a página, bolhas sinistras flutuando no ar. Foi um santo remédio. À uma da tarde, o Jair Soares, então secretário da Saúde, mandou recolher camelôs e canudinhos da Rua da Praia. Uma cartinha safada, mais a irresponsabilidade jornalística, resolveu o problema em poucas horas.

terça-feira, setembro 14, 2004
 
O AUTOR ESQUECIDO


"Se cada espanhol opinasse sobre aquilo que sabe, e só a respeito do que sabe, se faria um grande silêncio, que poderíamos aproveitar para o estudo".

Don Manuel Azaña, presidente da República durante a Guerra Civil Espanhola

segunda-feira, setembro 13, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXX)


Ao chegar em Porto Alegre, tropecei com um fenômeno do qual jamais ouvira falar em Dom Pedrito, a psicanálise. Defendo a idéia de que há embustes que só conseguem enganar intelectuais, jamais enganam o homem simples. Em Porto Alegre, capital intelectualizada, com universidades e farta massa cinzenta, os psicanalistas tinham um excelente mercado para vender seus peixes podres.

Em meados dos anos 70, na Reitoria da UFRGS, tive a chance de xingar a raça. Gritos e Sussurros, de Ingmar Bergman, era analisado por um crítico de cinema e dois psicanalistas. Como eu estava voltando da Suécia, fui convidado por um terceiro psicanalista para o debate. Porto Alegre, naqueles idos, vivia uma circunstância peculiar: sem produzir filmes, tinha uma crítica de cinema ativíssima. Luis Carlos Merten, o crítico, abriu os debates, com voz empostada: "Dois são os instintos básicos da humanidade: sexo e fome. Como não existe fome na Suécia, os suecos fazem um cinema de sexo".

Sem discutir a veracidade histórica da afirmação (no final do século XIX, Estocolmo era uma das cidades mais pobres e sujas da Europa), considerei que no Brasil ninguém passava fome. Vivíamos em plena época das pornochanchadas e o cinema nacional girava em torno a sexo. Merten mudou de assunto e passou a falar de Bergman, o "cineasta da alma".

Discordei. A meu ver, Bergman era o cineasta das neuroses sexuais. Em sua filmografia, o relacionamento físico entre os personagens é sempre sofrido, doloroso, traumatizante. (Quem não lembra o episódio dos cacos de vidro introduzidos na vagina, em Gritos e Sussurros?). Não por acaso, o cineasta estava em seu quinto casamento. Homem que não se acerta com uma mulher - afirmei - não se acerta com cinco nem com vinte e cinco. Mal terminei a frase, fui interrompido por um dos psicanalistas: "Não podemos invadir a privacidade de Bergman, que está vivo. Falemos de sua mãe, que já morreu".

O debate continuou por outros rumos. Em uma das cenas, a personagem principal, interpretada por Liv Ullmann, após jantar com o marido, pergunta-lhe se quer café ou se vai dormir. Interpretação do segundo psicanalista: "Café ou cama. Temos uma manifestação típica de sexualidade oral". Observei aos participantes da mesa que pretendia convidá-los para um cafezinho após o debate. Como arriscava ser mal interpretado, desistia da idéia. O debate foi rico em pérolas do mesmo jaez. Registro mais uma.

Da platéia, alguém perguntou porque razões Liv Ullmann usava duas alianças no mesmo dedo. Interpretou um dos analistas: "Agressão instintiva ao marido, desejo de viuvez antecipada. Ou ainda, uma projeção homossexual na mãe. Ela vê na mãe os princípios masculino e feminino e usa os dois símbolos no dedo". Lavei a alma naquela noite: o douto analista ignorava que na Suécia as mulheres costumavam usar ambas as alianças, a própria e a do marido.

Se a história terminasse aqui, até que não seria grave. Ao sair da Reitoria, fui abordado pelo Sérgio Messias, o psicanalista que me convidara para o debate: "Por que aquela agressão pessoal ao Meneghini? Tens algo contra ele?" Referia-se àquele que insistia em falar da mãe do Bergman. Ora, não me parecia ter agredido ninguém. E muito menos o tal de Meneghini, que via pela primeira vez em minha vida. "Acontece que ele também está na quinta esposa. E como sempre as leva para morar com a mãe, parece que também não está dando certo". Atirei no que vi, acertei no que não vi.

Já que estamos rememorando, lá vai mais uma, também dos anos 70. Ocorreu no cine Rex, na pré-estréia de Alphaville, de Jean-Luc Godard. O suíço tinha suas idiossincrasias e o público não o entendia muito bem. Em meio ao filme, o detetive Lemmy Caution, interpretado por Eddi Constantin, fuzila alguém com dois tiros na testa. Mais adiante, o fuzilado reaparece, vivo e em plena forma. A platéia estava confusa. Jefferson Barros, crítico então marxista, brilhou com sua interpretação. Que não podíamos pensar o cinema godardiano a partir de nossa concepção cronológica de tempo. Que o tempo, para o cineasta, era interior, psicológico, acronológico. Era o tempo de Bergson em a Évolution Créatrice, explorado por Proust em A la Recherche du Temps Perdu e retomado por Joyce, em Ulisses. A tese durou o que duram as rosas. Quando o filme entrou em cartaz, desvendou-se o mistério: na pré-estréia, o operador havia trocado os rolos. A tese do crítico pode ter tido vida breve. Mas era brilhante, sem dúvida alguma.

Esta peste universitária, o uso deliberado da obscuridade para parecer profundo, foi ridicularizada por Jean Bricmont e Alan Sokal, em 1996, em Imposturas Intelectuais. O livro parte de um artigo publicado por Sokal na revista norte-americana Social Text, "uma paródia repleta de citações sem sentido, mas infelizmente autênticas, sobre física e matemática, extraídas de obras de eminentes intelectuais da França e dos EUA". A revista assumiu o texto - incompreensível - como um ensaio sério. A affaire, mais conhecida como o Caso Sokal, caiu muito mal no mundo acadêmico. Bricmont, ao visitar São Paulo, foi duramente atacado pelos PhDeuses uspianos.

O tempo passa. Merten hoje escreve sobre cinema no Estadão e parece ter abandonado suas hipóteses delirantes. Prefere hoje louvar os xaroposos filmes de Hollywood. Dos psicanalistas, não tenho mais notícias. Como Freud ainda não bateu as botas definitivamente, devem continuar enganando os gaúchos. Quanto ao Jefferson, revelou-se um desses seres angustiados que não sossega enquanto não encontra um Absoluto no qual repousar. Abandonou as armas da crítica e o próprio marxismo. Com a queda do Muro, virou muçulmano. Bem antes de morrer, fazia suas preces voltado para Meca e observava religiosamente o Ramadã. Deus é grande e Maomé o seu profeta. Allah-u-akbar!

domingo, setembro 12, 2004
 
POEMAS DILETOS


TABACARIA

Fernando Pessoa



Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer.
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro de minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até o campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que não tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede
sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.

Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida).

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo de nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro como tudo).

Vivi, estudei, amei, e até cri.
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical de meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando os pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como
tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como numa rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz).
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?)
Ah, conheço-o; é o Estêves, sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta).
Como por um instinto divino o Estêves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Estêves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.

quarta-feira, setembro 08, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXIX)


Volto a Porto Alegre. Meus dias de Diário não foram muitos. O Diário era a porta de entrada no jornalismo, uma espécie de estágio. Ou melhor, de escola, já que na época não existiam cursos de jornalismo. Em seis meses de redação se aprendia muito mais que hoje, nos quatro anos de faculdade. O novato começava escrevendo no Diário, era depois chamado pela Zero Hora. O sucesso profissional era o emprego na Caldas Júnior. Minha trajetória foi um pouco inversa. Quando me dei conta que ganhava apenas oito cruzeiros a mais que o contínuo, pedi aumento. Não tive aumento, pedi demissão. Juntei meus trapos e fui viver em Estocolmo.

De minha iniciação no jornalismo, guardo dois episódios que me marcaram. Redator, logo fui incumbido de redigir o horóscopo. A tarefa nada tinha de misterioso, bastava copiar colunas de edições passadas. Ora, essa metodologia era uma ofensa à minha criatividade. Decidi redigir o meu horóscopo. Só que em vez das previsões amenas e otimistas de praxe, eu prometia raios e trovoadas ao coitado do consulente. Quem acreditasse nos astros e lesse minha coluna, naquele dia não saía de casa. Numa bela madrugada, datilografava eu com fúria, rindo sozinho, quando o "seu" Olinto, o chefe de redação, estranhou aquela alegria toda. Que estás redigindo? O horóscopo, respondi. Foi o fim de minha carreira como astrólogo.

Em outra ocasião, já de madrugada, irrompeu um incêndio na Voluntários da Pátria. Eu estava encerrando minhas tarefas, no corredor me esperava uma turma para cair na noite. Para meu desespero, "seu" Olinto me chamou:
- Olha, estamos sem repórteres, tem um incêndio aqui pertinho.
- Mas "seu" Olinto, eu sou redator.
- É, eu sei. Mas dá um pulinho até lá. Pega uma foto e faz um texto-legenda.

Fui. Peguei fotógrafo e chofer e cheguei no auge do incêndio. O fotógrafo deitava-se no chão, parecia que apostava seu futuro naquelas fotos. Eu, mal anotei a esquina do incêndio, dei no pé. O pessoal na rua insistia em me passar informações, mas eu só pensava em cair fora da redação. Voltei de táxi, disse ao fotógrafo que seguisse mais tarde com as fotos. Redigi então um texto-legenda, no estilo mais brega de jornalismo:

Pavoroso sinistro ocorreu hoje, às duas horas da madrugada, na Voluntários da Pátria, esquina tal. Pronto acorreram os bravos soldados do fogo...

Etc. Entreguei a lauda, ajuntei meus trapos e fui reunir-me à turma que ainda me esperava. Quando estava na porta da redação, lá do fundo da sala, "seu" Olinto me perguntou:
- Quais foram as causas?
Não tive dúvidas:
- Desconhecidas.
Eu já descia naquele antigo elevador de portas pantográficas da redação, quando ouvi ainda, lá longe, o "seu" Olinto:
- E os prejuízos?
O elevador foi descendo, enquanto eu gritava:
- Incalculááááávvveeeeiiiiisssss.

domingo, setembro 05, 2004
 
AUTORES ESQUECIDOS



O CATECISMO DO REVOLUCIONÁRIO



Por Serguei Guennadovich Netchaiev e Mikhail Bakunin


I - O revolucionário é um homem que faz o sacrifício da sua vida. Não tem nem negócios ou interesses pessoais, nem sentimentos ou afeições, nem propriedade, nem mesmo um nome. Nele tudo está absorvido por um só interesse exclusivo, um só pensamento, uma só paixão: a Revolução.

II - No mais profundo do seu ser, e não somente em palavras, mas também em atos, quebrou todo o laço com a ordem burguesa e o conjunto do mundo civilizado, assim como com as leis, as tradições, a moral e os costumes que têm lugar nesta sociedade. É o inimigo implacável desta sociedade, e, se aí continua a viver, é unicamente para melhor a destruir.

III - Um revolucionário despreza toda a teoria; renuncia à ciência atual e abandona-a para as gerações vindouras. Não conhece senão uma só ciência: a da destruição. É para este fim, e só para este fim, que estuda a mecânica, a física a química e, se a ocasião se apresentar, a medicina. É no mesmo propósito que se dedica, dia e noite, ao estudo das ciências da vida: os homens, os seus caracteres, as suas relações entre eles, assim como as condições que regem em todos os domínios a ordem social atual. O objetivo é sempre o mesmo: destruir o mais rapidamente e o mais seguramente possível esta ignomínia que é a ordem universal.

IV - O revolucionário despreza a opinião pública. Tem desprezo e ódio pela moral social atual, pelas suas diretivas e suas manifestações. Para ele, o que é moral, é o que favoriza o triunfo da Revolução. O que é imoral e criminoso, é o que a contraria.

V - O revolucionário é um homem que faz o sacrifício da sua vida, e que, em conseqüência, não mais é independente. Ele não tem qualquer deferência pelo Estado principalmente, ou por toda a classe cultivada da sociedade, e não deve daí esperá-las igualmente. Entre ele e a sociedade, um combate de morte é travado, uma luta aberta ou clandestina, sem tréguas e sem misericórdia. Deve estar preparado para suportar todos os tormentos.

VI - É necessário que o revolucionário, duro para com ele próprio, o seja também para os outros. Todas as simpatias, todos os sentimentos que poderiam emocioná-lo e que nascem da família, da amizade, do amor ou do reconhecimento, devem ser sufocados nele pela única e fria paixão da obra revolucionária. Para ele não existe mais que um prazer, que uma consolação, que uma recompensa, que uma satisfação: o sucesso da Revolução. Não deve haver, dia e noite, mais que um pensamento e um objetivo: a destruição inexorável. E prosseguindo com sangue frio e sem descanso a realização deste plano, deve estar pronto a morrer, mas pronto a matar com as suas próprias mãos todos aqueles que se oponham à sua realização.

VII - A natureza do verdadeiro revolucionário exclui todo o romantismo, toda a sensibilidade, todo o entusiasmo, todo o impulso. Exclui também todo o sentimento de ódio ou de vinganças pessoais. A paixão revolucionária, tomada nele um hábito constante e quotidiano, deve unir-se ao cálculo frio. Por toda a parte e sempre é necessário obedecer-lhe , não aos seus impulsos pessoais, mas ao que exige o interesse geral da Revolução.

Deveres do revolucionário para com os seus camaradas

VIII - O revolucionário não pode ter amizade e simpatia senão por aquele que demonstrou pelos seus atos que é igualmente um servidor da Revolução. A amizade, a dedicação, as obrigações passadas para com um tal camarada não se medem senão depois da sua utilidade no trabalho prático da revolução destruidora.

IX - É supérfluo falar de solidariedade entre revolucionários: é sobre ela que repousa toda força de trabalho revolucionário. Os camaradas, que atingiram o mesmo grau de consciência e de paixão revolucionária, devem, tanto quanto possível, discutir em comum as questões importantes e tomar decisões unânimes. Para as executar cada um deve, antes de tudo, contar consigo próprio. Logo que se trate de executar uma série de atos de destruição, cada um deve operar por sua conta e risco e não reclamar ajuda ou assistência aos seus camaradas, porque isto é absolutamente indispensável para o sucesso do empreendimento.

X - Todo o militante revolucionário deve ter à sua disposição alguns revolucionários de segunda ou terceira categoria, quer dizer, aqueles que ainda não foram admitidos em definitivo. Dece considerá-los como uma parte do capital comum posto à sua disposição. Deve gerir a sua parte de capital com economia e retirar o máximo de benefício. Deve-se considerar a si próprio como um capital necessário ao triunfo da revolução, capital de que não pode, contudo, dispor sozinho e sem consentimento do conjunto dos outros camaradas.

XI - Todas as vezes que um camarada se encontra em perigo, o revolucionário, para saber se o deve salvar o não, não tem que consultar o seu sentimento pessoal, mas só e unicamente o interesse da causa revolucionária. Também lhe é necessário pensar por uma parte na utilidade que representa o seu camarada, por outra parte no dispêndio de forças revolucionárias que exigirá a sua libertação, e agir no sentido para onde pende a balança.

Deveres do revolucionário para com a sociedade

XII - Um novo membro, depois de ter feito as suas provas, não em palavras, mas em atos, não pode ser admitido na Associação senão por unanimidade.

XIII - Um revolucionário penetra no mundo do Estado, no mundo das classes, neste mundo que se pretende civilizado, e aí vive pela única razão de que acredita na sua próxima e total destruição. Não é um revolucionário, se ainda alguma coisa prende a este mundo. Não deve recuar, se se trata de quebrar algum laço que o una a este mundo decrépito, ou de destruir alguma instituição ou algum indivíduo. É-lhe necessário odiar igualmente tudo e todos. O pior para ele, é de ter ainda neste mundo laços de parentesco, de amizade ou de amor: não é um revolucionário, se semelhantes laços podem prender o seu braço.

XIV - O revolucionário pode e deve freqüentemente, viver no seio da sociedade, em vista da sua implacável destruição, e dar ilusão de ser totalmente diferente do que realmente é. Um revolucionário deve procurar entradas em toda a parte, na alta sociedade como na classe média, nos comerciantes, no clero, na nobreza, no mundo dos funcionários, dos militares e dos escritores, na polícia secreta e até no palácio imperial.

XV - Toda esta ignóbil sociedade se divide em várias categorias. A primeira compreende aqueles que são para suprimir sem demora. Os camaradas terão de fazer listas dos seus condenados, classificados, tendo em conta as suas maleficências relativas e os interesses da obra revolucionária, de tal modo que os primeiros números sejam liquidados antes dos outros.

XVI - A feitura destas listas e o estabelecimento das categorias não devem depender do caráter pernicioso de tal ou tal indivíduo, nem do ódio que inspira aos membros da organização ou do povo. Este caráter pernicioso e este ódio podem mesmo ser úteis numa certa medida para empurrar o povo para a revolta. Deve-se somente ter em conta o grau de utilidade que representa a morte de tal ou tal pessoa para a obra revolucionária. É necessário executar primeiramente os indivíduos mais perigosos para a organização revolucionária, e aqueles cuja morte violenta e súbita é a mais apropriada para assustar o governo e enfraquecer sua força, privando-os dos seus auxiliares mais enérgicos e mais inteligentes.

XVII - A segunda categoria compreende aqueles a quem se deixa provisoriamente a vida, e cujos atos sublevarão a indignação do povo e o conduzirão inevitavelmente à revolta.

XVIII - A terceira categoria é composta por um grande número de bestas brutas altamente colocadas, que não brilham nem pela inteligência, nem pela energia, mas que possuem, em razão da sua situação, riquezas, altas relações, de influência e de poder. É necessário explorá-los por todos os meios possíveis, agarrá-los nas nossas redes, fazer-lhes perder o controle, penetrar até o fundo dos seus segredos desonestos, e assim fazer deles os nossos escravos. Desta maneira o seu poder, as suas relações, a sua influência e a sua riqueza serão para nós um tesouro inesgotável e um precioso socorro nos múltiplos empreendimentos.

XIX - A quarta categoria compreende toda a espécie de funcionários ambiciosos, assim como os liberais das diferentes tendências. Pode-se conspirar com estes últimos adotando o seu próprio programa fazendo-lhes acreditar que o seguem cegamente. É necessário tomar bem em mãos , apoderar-se dos seus segredos, comprometê-los a fundo para lhes tornar impossível qualquer retirada, e servir-se deles para provocar perturbações no Estado.

XX - A quinta categoria compreende os doutrinários, os conspiradores, os revolucionários, todas as pessoas tagarelam nas reuniões ou escrevem no papel. É necessário, sem cessar, empurrá-los, comprometê-los com manifestações práticas e perigosas: o resultado será o desaparecimento do maior número, enquanto que alguns se revelarão como verdadeiros revolucionários.

XXI - A sexta categoria é de uma grande importância: trata-se das mulheres, que convém dividir em três classes. A primeira compreende as mulheres superficiais, sem espírito e sem coração, de que é necessário servir-se da mesma maneira como os homens da terceira e quarta categorias. Incluímos na segunda classe as mulheres inteligentes, apaixonadas, prontas a dedicarem-se, que não estão ainda nas nossas fileiras, porque elas não chegam ainda a uma inteligência revolucionária prática e sem verborréia. É necessário utilizá-las como aos homens de quinta categoria. Vem enfim, as mulheres que estão completamente conosco, quer dizer, que estão totalmente integradas e aceitaram integralmente o nosso programa. Devemos considerá-las como o nosso tesouro mais precioso e a sua ajuda é indispensável em todos os nossos empreendimentos .

Deveres da associação para com o povo

XXII - A associação não tem outro objetivo que a emancipação total e a felicidade do povo, quer dizer, da parte da humanidade constrangida a trabalhos duros. Mas, persuadido que esta emancipação e esta felicidade não podem ser atingidas senão através de uma revolução popular que destruirá toda a sociedade, a associação colocará tudo em curso para aumentar e multiplicar os males e os sofrimentos que encolerizarão a paciência do povo e desencadearão a sua revolta massiva.

XXIII - Pelo nome de "Revolução Popular" a nossa sociedade não entende um movimento de tipo clássico ocidental, que não atinge em nenhum caso nem propriedade privada, nem a ordem social transmitida pela dita civilização e a pretensa moralidade, e que se limitou até agora a suprimir um sistema político para o substituir por um outro e fundar um Estado dito revolucionário. Só pode trazer a salvação ao povo uma revolução que condene absolutamente toda a idéia de Estado perturbe completamente na Rússia as tradições, as instituições e as classes sociais do Estado.

XXIV - Neste objetivo a Associação não tem de modo algum a intenção de impor ao povo qualquer organização vinda de cima. A futura organização sairá, sem dúvida, do movimento da vida popular, mas isto será obra das gerações vindouras. A nossa tarefa é de destruir, uma destruição terrível, total, implacável, universal.

XXV - Também é necessário, aproximar-nos do povo, procurar, antes de tudo, a aliança com estes elementos da vida popular, que, desde a fundação do Estado moscovita, são, sem cessar, educados contra todos os auxiliares diretos ou indiretos do Estado: nobreza, burocracia, clero, grandes e pequenos comerciantes, e numa palavra, contra todos os exploradores do povo. É necessário aliarmo-nos com o mundo dos aventureiros e dos bandidos, que são, na Rússia, os únicos verdadeiros revolucionários.

XXVI - Reunir todos estes elementos para fazer uma força única, invencível e capaz de destruir tudo: tal é a razão de ser de toda a nossa organização, de toda a nossa conspiração, de todo o nosso empreendimento.

 
HAJA EGO

Sábado passado, na reinauguração de uma fábrica, Lula disse que sua vitória na eleição presidencial foi um passo importante para a "história da humanidade". Foi modesto. Melhor faria se tivesse dito: "Um pequeno passo para um nordestino, um salto gigantesco para a humanidade". Em todo caso, é bom avisar a humanidade, que talvez ainda não tenha tomado conhecimento do importante fato.

sexta-feira, setembro 03, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXVIII)


A aridez dos textos jurídicos, mais a fúria legiferante de Brasília, me fez concluir, já no segundo ano de Direito, que advocacia não era o meu rumo. Concluí o curso por teimosia. Para não ouvir o argumento: ele critica o Direito porque não pode concluir o curso. Havia um outro atrativo. O curso era de freqüência livre, mas me obrigava a passar umas oito semanas por ano em Santa Maria. E lá havia duas irmãs musicistas, mais um pianista carioca. Nos encerrávamos os quatro em longas noitadas de vinho e música. Estas noites de álcool, sensualidade, carinho, debates e sonhos foram o melhor legado de meus estudos jurídicos.

Aquele grupo foi um dos raros refúgios que encontrei, na época universitária, onde não imperava o debate ideológico. Direita e esquerda eram palavras que só usávamos para definir no máximo a posição de um copo. Nosso universo era o de Brahms, Bizet, Scriabin, Nietzsche, Cervantes. Pelas seis da manhã, eu abandonava aquele topos uranos particular para penetrar, às oito, bocejando, no mundo cinzento e aborrecido das leis. Quando concluí os exames de final de curso, ao voltar de ônibus para Porto Alegre, o rio Guaíba me convidou a um gesto simbólico. Joguei de uma das pontes os raros tratados que me restavam.

Quanto à Filosofia, esta perdia o interesse à medida que nos afastávamos da Grécia em direção ao mundo contemporâneo. As aulas sobre Heidegger ou Sartre sempre me fizeram dormir. Não conseguia ver pensamento algum, muito menos lógica, naqueles tijolos recheados com um palavrório vazio. Algo ficará do teatro e dos contos de Sartre. Mas o filósofo sempre foi intragável. Sua fama na universidade brasileira é mais um subproduto da indigência dos intelectuais tupiniquins, sempre deslumbrados com qualquer arroto emitido em Paris. Nossos professores - como também meus colegas -fingiam entendê-lo para não passar por deficientes mentais. O autor de O Ser e o Nada foi um dos maiores embustes do século passado. Segundo Simone de Beauvoir, em La Force des Choses, certo dia Sartre ria feliz por ter escrito uma frase tão complexa que nem ele conseguia entender. Nelson Rodrigues definiu-o com agudeza: "o pensamento de Sartre é de uma profundidade que uma formiguinha atravessa com água pela canela". Quando a Heidegger, hoje sabemos o que se escondia atrás de seus textos impenetráveis. Nada menos que um anti-semita colaborador do nazismo.

Com os diplomas de Direito e Filosofia na mão, fui buscar emprego nos Diários Associados. O ano era 1969, quando jornalista era quem escrevia bem e não quem tinha diploma de um curso de jornalismo. Fui admitido inicialmente como repórter no Diário de Notícias, ganhando um salário ínfimo. Do que não me arrependo. Direta ou indiretamente, o jornalismo me fez viajar e me permitiu viver no Exterior.

Minha relação com a profissão sempre foi de conflito. Logo vi que não tinha prazer algum na reportagem e optei pela redação. O trabalho de redator é duro e exige uma larga dose de cultura de quem ocupa o cargo. A cada minuto podem surgir palavras, conceitos, países ou fenômenos do qual o redator jamais ouviu falar, e ele tem de destrinçá-los na hora. Ou então não é redator. O desafio era interessante, mas o ofício não me agradava. Redator não escreve, apenas redige. Para compensar meu sofrimento diário, consegui uma coluna no jornal, que intitulei de Diário sem Notícias. Do dia pra noite, fiquei feliz. Como cronista, de certa forma consegui criar um espaço onde podia expressar-me livremente, sendo censurado raramente. Isso quando escrevia em jornais de pequeno porte. A censura é diretamente proporcional à importância de um órgão de imprensa. Quanto maior é sua tiragem ou difusão, maior é a censura.

Daí minha preferência pelos jornais pequenos. Para alguns, escrevi inclusive de graça. O eventual pagamento por uma crônica era ridículo. Dado o ritmo da inflação, de ridículo se aproximava de zero de mês em mês. Ora, discutir o acréscimo de mais um pouco a quase nada era mais ridículo que a própria paga. Em Santa Catarina, um editor foi franco. Poderia até mesmo pagar-me para assinar uma coluna. Mas a paga seria insignificante. "Tu terias de arranjar um jeito de aumentar teu salário utilizando a coluna". O editor sugeria, com a maior naturalidade, que eu me corrompesse. A hipótese não me atraiu e acabou me empurrando para São Paulo.

quinta-feira, setembro 02, 2004
 
MEMÓRIAS DE UM EX-ESCRITOR (XXVII)


Outra obra que nos caiu nas mãos, nos dias de Dom Pedrito, foi a História da Filosofia, de Will Durant. Pragmático como todo americano, o autor pouco se detinha em questões metafísicas e via a filosofia como um instrumento de investigação da trajetória do homem na história. A leitura de Durant me conduziu a um dos cursos mais inúteis que já fiz, o de Filosofia na UFRGS. Julgava que, estudando filosofia, encontraria o sentido da vida. Como se a vida em si tivesse algum sentido, a não ser o que lhe conferimos. Nos dois primeiros anos de curso, mergulhei fundo na nova disciplina.

Enquanto estava na Grécia, tudo era deslumbramento. À medida que me aproximava dos contemporâneos, frustração. No dia em que Gerd Bornhein afirmou, com todas as letras, que "o objeto da filosofia, hoje, é decidir qual é o objeto da filosofia", me senti roubado. A serpente mordia a própria cauda. Se no ginásio tive vários professores que me marcaram, da universidade só me restaram as aulas de dois: o Leônidas Xausa, com quem estudamos Platão, mais precisamente A República, e Dagmar Pedroso, que nos introduziu tanto na lógica dos estóicos e megáricos como na aristotélica. No decorrer de meu cronicar, seguidas vezes encontrei um leitor mais culto que percebeu meu aprendizado: "nota-se que estudaste lógica".

Hoje em dia, no Brasil, intitula-se filósofo qualquer escrevinhador que um dia cursou filosofia. Ou que, mesmo sem ter cursado filosofia, transitou por essas disciplinas bastardas, tipo sociologia ou antropologia. A filósofa Marilena Chauí, o filósofo Carlos Nelson Coutinho, o filósofo Gerd Bornhein, etc. Em geral, esquerdófilos em crise de identidade e busca de um ofício. O vício, como tantos outros, vem de Paris. Ao apresentar meu currículo na Sorbonne, uma secretária espantada me mostrou todos seus dentes: Tiens, vous êtes philosophe! Que nada, moça - protestei - apenas fiz um cursinho na área. Filósofos foram Sócrates, Platão, Kant, Hegel, Nietzsche. Nem a Sartre confiro este título. Sartre, diga-se de passagem, nunca passou de um stalinista deslumbrado com tiranias.

Paralelamente ao curso de Filosofia em Porto Alegre, fiz Direito em Santa Maria. Minha formação, no entanto, ocorreu em outra academia, que gosto de chamar de Universidade Livre da Praça da Alfândega. Nos anos 60, quando um assalto na rua era manchete de primeira página nos jornais, a Praça da Alfândega de Porto Alegre abrigava uma fauna das mais variegadas de noctívagos, desde jornalistas a universitários, passando por cineastas e outros utópicos. Conversávamos até o clarear do dia, nos reabastecendo de vez quando com um sanduíche no Café do Matheus, demolido pela fúria imobiliária dos bancos nos 70. Peripatéticos sem acrópole, a praça fazia as vezes de ágora ateniense. Dos cursos de Filosofia e Direito, me restam noções valiosas, é verdade. Mas minha introdução nas Letras e no mundo do pensamento ocorreu naquelas madrugadas absurdas, conversando com amigos, entre ratos e mendigos, bêbados e jornalistas - com perdão pela tautologia.

A universidade jamais me passou as bibliografias que recebi na Praça da Alfândega. Nietzsche, Pessoa, Dostoievski, Swift (o original, não as adaptações), fui descobri-los na madrugadas de boêmia. Através da livraria Coletânea, cujo prédio foi também demolido pelos bancos em 77, recebíamos farta literatura da França e da Argentina. A livraria era apenas um corredor onde, entre outros, o Mário Quintana fazia sua ronda noturna das lombadas. Nas noites de inverno ou de chuva, a Coletânea era o último refúgio daqueles seres sem sono, que preferiam enfrentar qualquer intempérie a ficar em casa. Na época, eu curtia um derrame pleural, mas não seria o frio ou a umidade que me fariam guardar repouso. Daquelas noites, deduzo algo que se torna a cada dia mais evidente: a farsa dos cursos da área humanística na universidade brasileira. Neles se estuda tudo, menos o essencial. Toda a cultura que me foi de alguma valia, eu a adquiri em conversas sem compromisso, em recomendações de livros por parte de amigos e mesmo em leituras vadias.

Meu mestre, naquelas noites, foi o Aníbal Damasceno Ferreira, já definido por alguém como "artífice silencioso da vida cultural de Porto Alegre". Sem formação universitária alguma, é um dos intelectuais mais lúcidos que a cultura gaúcha produziu. Entre outras coisas, tínhamos em comum a experiência da tuberculose. O Damasceno era da época do pneumotórax, eu já gozava do conforto da estreptomicina. Seus anos de leito foram anos de leitura, principalmente de autores ingleses. A este colega de bacilos devo minhas leituras de Swift, não daquele Swift adaptado a adolescentes que andei lendo nalgum livro infantil, mas do deão irascível, de humor implacável.

quarta-feira, setembro 01, 2004
 
DÚVIDA TEOLÓGICA...

...que percorreu o mundo medieval:


A eternidade, por definição, existia antes da criação e continuará existindo depois, para todo o sempre. Sendo Jeová eterno, viveu uma parcela dessa eternidade - que nem por ser parcela deixa de ser eterna - antes da criação. Que fazia, isolado de todo ser, nessa eternidade toda? Coçava o sacro escroto?