¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, julho 29, 2004
 
PORQUE CÁ ESTOU



Leitor me pergunta porque, tendo corrido tanto mundo, sempre acabei voltando para cá e aqui estou. A resposta é simples. Voltei para a mulher que adorava. Ela era funcionária pública. Se saísse, teria de largar uma carreira na qual já estava inserida. Eu não queria viver longe dela, de forma alguma. Não há país que valha uma mulher que adoramos. Havia a chance malandra, da qual muito estrangeiro se aproveita, a de casar com - ou simplesmente engravidar - uma cidadã do país. Essa chance eu a tive. Mas desonestidade não rima comigo. Além disso, não trocaria minha Baixinha nem por dez Gretas Garbos em plena adolescência. Foi feliz o dia em que aterrissei pela primeira vez em Arlanda, sob um céu plúmbeo de dezembro. Às três ou quatro da tarde já era noite cerrada e um lençol imenso de neve a iluminava. Me parecia ter descido em Plutão e isto me fazia bem. Mas feliz mesmo foi o dia em desembarquei do Eugenio C, sob o sol escaldante do Rio. Lá estava ela, chorando grudada às grades do portão do cais. Mal o portão se abriu, nos jogamos nos braços um do outro e o Brasil - de onde partira com asco - se tornou subitamente cheio de significado.

A resposta seria simples demais se se resumisse a isso. Lá pelas tantas, na primeira viagem, chegou o momento de lavar pratos. Ora, se eu não lavava pratos nem em casa, não seria para suecos que eu iria lavá-los. Nunca tive vocação para imigrante de segunda categoria. Em Estocolmo, sempre me perguntavam em que diska eu trabalhava. (Att diska é lavar pratos). Ora, eu não lavava prato nenhum. Estava lá para conhecer o país e a língua. Buscava cultura, paisagens novas, sexo, queria conhecer o que era então tido como uma utopia realizável. Não buscava as coroas que eram pagas à mão-de-obra imigrante.

No Exterior, por melhor que você esteja situado, mesmo tendo adquirido passaporte do país, sempre será um cidadão de segunda categoria. Se você critica o país em que vive, lá vem a pergunta: e por que não voltas para o teu? Viesse eu do Congo ou de Burkina-Fasso, a resposta seria simples: porque meu país é um fim de mundo. Não é o caso do Brasil. Até os exilados pós-69 sentiram isto. Juravam que só voltariam de metralhadora em punho e para tomar o poder. Mal Figueiredo decretou a anistia, desembarcaram chorando no Galeão ou Cumbica.

Ultimamente, quando minha mulher estava prestes a se aposentar, voltamos a pensar na idéia de morar por lá. Chegamos a ver apartamentos em Paris e Madri. Mas o preço do metro quadrado terminou com qualquer veleidade. Em Paris, por exemplo, o espaço que tenho aqui seria reduzido a um terço, talvez um quarto. Não daria nem pra instalar a biblioteca. Mesmo a Espanha está muito cara para residir. Portugal, depois que virou Europa, também. Nórdicos e alemães, fascinados com as pechinchas imobiliárias de Portugal (pechincha para quem recebe em moeda forte), elevaram excessivamente o preço do metro quadrado. Recebesse eu em moeda forte, tudo bem. Mas não é o caso. Melhor então ficar por aqui. Volto lá como turista e não tenho os dissabores do cidadão que lá habita. Os dilemas do turista consistem em escolher o bar ou restaurante em que jantar, o filme ou espetáculo que vai curtir, a cidade onde vai flanar. Já quem lá vive tem preocupações mais chãs, tipo renovação de visto, impostos, taxas, enfim, essas coisas que nos chateiam em qualquer lugar do mundo.

Mudar-se para o Exterior dependendo de moeda instável de Terceiro Mundo é um risco muito grande. Pode ocorrer que, do dia para a noite, você se veja sem um vintém. Em meus dias de correspondente em Paris, o cruzeiro teve duas desvalorizações de 30%. Em poucos meses, meu salário se reduziu em 60 %. Não fosse a bolsa do Ministério da Cultura francês, estaria de novo ameaçado de lavar pratos. O apedeuta que nos governa tem falado muito em auto-estima nos últimos dias. Auto-estima seria ter uma moeda nacional sólida e aceita em qualquer quadrante. O dia em que o Brasil chegar lá, até pensaria em residir naquelas cidades que adoro. Mas isto não será para meus dias. Suponho que nem mesmo para os de meus netos, se netos houver. Os patrioteiros que me desculpem, mas não pertenço à estirpe dos que imaginam que o Brasil um dia será melhor.

Fosse milionário, há muito estaria lá. Não entendo estes senhores que compram apartamentos aqui em São Paulo por cinco milhões de dólares. Com esse patrimônio, eu estaria em Paris ou Madri e ainda comprava um chalezinho nas Ilhas Canárias e outro nas gregas para receber os amigos. Para os curtos de grana, enviaria passagens para visitar-me. Com direito a todos os vinhos, queijos e patês. Uma das vantagens de ser rico é a possibilidade de ser generoso. Infelizmente, para meus amigos, não sou rico.