¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, abril 22, 2004
 
O AUTOR ESQUECIDO

Nicolau Emérico (1320-1399) - O Manual dos Inquisidores


Sobre a tortura (1)


TORTURA-SE o Acusado, com o fim de o fazer confessar seus próprios crimes. Eis as regras que devem ser seguidas para poder ordenar-se a tortura. Manda-se para a tortura:

1. Um acusado que varia as suas respostas, negando o fato principal.
2. Aquele que, tendo tido reputação de herege, e estando já provada a difamação, tenha contra si uma testemunha (mesmo que seja a única) a afirmar que o viu dizer ou fazer algo contra a fé; com efeito, a partir daí, um testemunho somado à anterior má reputação do Acusado são já meia-prova e índice bastante para ordenar a tortura.
3. Se não se apresentar qualquer Testemunha, mas se à difamação se juntarem outros fortes indícios ou mesmo um só, deverá proceder-se também à tortura.
4. Se não houver difamação de heresia, mas se houver uma Testemunha que diga ter visto ou ouvido fazer ou dizer algo contra a Fé, ou se aparecerem quaisquer fortes indícios, um ou vários, é o bastante para se proceder à tortura.

Geralmente, entre estas várias coisas – testemunha de conhecimento certo, má reputação em matéria de fé, e um forte indício – um deles só não basta, mas dois são necessários e bastantes para ser ordenada a tortura. Há entretanto uma exceção ao que temos vindo a dizer sobre o fato de a má reputação não ser suficiente para se ordenar a tortura:

1. Quando à má reputação se juntam maus costumes; visto que as pessoas de maus costumes facilmente caem na heresia e sobretudo em erros que originam sua vida criminosa. É desta forma que, por exemplo, os que são incontinentes e que têm grande inclinação por mulheres facilmente se convencem de que a simples fornicação não é pecado.
2. No caso de o Acusado fugir, esse indício somado à má reputação é já suficiente para ser ordenada a tortura.

Segue-se a fórmula da sentença de tortura: “Nós, F... Inquisidor, etc, considerando com atenção o processo contra ti instruído, vendo que varias as tuas respostas e que há contra ti provas suficientes, com o fim de tirar da tua boca toda a verdade, e para que não canses mais os ouvidos dos teus juízes, julgamos, declaramos e decidimos que no dia tal... à hora tal... sejas submetido à tortura”.

Não deverá decretar-se a tortura sem primeiro ter inutilmente usado todos os meios de descobrir a verdade. Boas maneiras, esperteza, exortações através de outras pessoas bem-intencionadas, a reflexão, as incomodidades da prisão, podem ser o bastante para conseguir dos réus a confissão da sua falta. Os tormentos não são mesmo um método mais seguro para conseguir a verdade. Há homens fracos que, à primeira dor, logo confessam crimes que não cometeram, enquanto outros, teimosos e fortes, são capazes de suportar os maiores tormentos. Há homens que tendo já sido submetidos à tortura a suportam com constância, porque se lhes distendem logo os membros e lês resistem fortemente; e há outros que, graças a sortilégios, se tornam a si mesmos insensíveis e seriam capazes de morrer no suplício, sem nada confessar. Para tais malefícios, esses desgraçados empregam passagens da Escritura que, de forma estranha, escrevem em pergaminhos virgens, misturando-as com nomes de Anjos que ninguém conhece, círculos, caracteres desconhecidos, que depois escondem em qualquer parte do corpo. Não sei ainda de remédios certos contra tais sortilégios, mas convém sempre despir e revistar bem os Acusados antes de os submeter à tortura.

Lida a sentença da Tortura, e enquanto os Carrascos se preparam para a execução, convém que o Inquisidor e outras pessoas de bem façam novas tentativas para levarem o acusado a confessar a verdade. Os Verdugos procederão ao despimento do criminoso com certa turbação, precipitação e tristeza para que assim ele se atemorize; já depois de estar despido, leve-se de parte e seja exortado novamente a confessar. Prometa-se-lhe a vida, sob essa condição, a menos que ele seja relapso, pois neste caso não se pode prometer-lha.